Roupas sem gênero, nesta geração, ainda é uma atitude de resistência
Por Beatriz Lourenço dos Reis
Na vitrine, uma blusa rosa com babados é colocada ao lado de uma camisa social preta de corte reto. Entre elas, uma linha invisível e poderosa separa o “feminino” do “masculino”, reproduzindo uma lógica binária que há séculos define o que cada pessoa “pode” vestir. Mas essa linha começa a se romper. A chamada moda sem gênero, também conhecida como moda genderless ou agênero, vem crescendo como uma força cultural e política — não apenas nas passarelas ou redes sociais, mas principalmente nas ruas e na vida de quem vê na roupa um instrumento de identidade, e não de opressão.
Se antes o vestuário era um dos principais marcadores de gênero — e, muitas vezes, de opressão social — hoje ele se torna território de liberdade. Não se trata apenas de estilo, mas de existência. Para pessoas como Gustavo Silva, 20 anos, estudante no cursinho Objetivo, em São Paulo, a moda sem gênero não é só uma forma de se vestir, é uma forma de estar no mundo.
“A moda sem gênero me dá liberdade. É como se as roupas finalmente acompanhassem quem eu sou por dentro, sem tentar me encaixar em uma caixinha”, afirma ele, que há quatro anos passou a adotar um estilo desvinculado de categorias tradicionais de gênero.
Adotar roupas sem gênero, no Brasil e no mundo, ainda é uma atitude ousada. “Vestir-se sem seguir padrões de gênero é um ato político. É dizer: eu existo, do meu jeito, e isso também merece espaço”, diz Gustavo. No dia a dia, isso pode significar desde um homem de unhas pintadas usando saia até uma mulher de terno largo e coturno. Mas a expressão vai além do que se veste: ela toca na estrutura de como a sociedade entende o corpo, a identidade e até o consumo.
Nos últimos anos, marcas e influenciadores passaram a usar o termo “sem gênero” com mais frequência, mas nem sempre com profundidade. Gigantes do varejo como C\&A, Renner e Zara lançaram coleções genderless com campanhas modernas e modelos andróginos. Porém, para especialistas e pessoas engajadas com a causa, essas ações muitas vezes não passam de estratégias de marketing.
“A maioria dessas marcas ainda separa tudo por ‘masculino’ e ‘feminino’ dentro das lojas. A tal coleção sem gênero fica num canto isolado, e quase sempre voltada para corpos magros e brancos. Falta diversidade de verdade”, critica Gustavo. Além disso, o recorte de classe não pode ser ignorado. Muitas peças rotuladas como “sem gênero” são vendidas a preços mais altos, em coleções limitadas, distantes do acesso popular.
“Às vezes eu pago mais caro por uma peça de uma marca independente, porque valorizo quem pensa fora da caixa. Mas é injusto que se vestir livremente ainda seja um privilégio”, completa.
A moda sem gênero não nasceu nas prateleiras de grifes, mas nas margens. Pessoas LGBTQIAPN+, artistas, coletivos periféricos e ativistas sempre subverteram os códigos de gênero impostos pelo vestuário. O que hoje é visto como tendência por revistas e marcas, foi por muito tempo motivo de exclusão, repressão e violência. Mesmo assim, pessoas desse estilo afirmam que seu estilo é como uma forma de se afirmar no mundo — com coragem e verdade.
