Ativista e designer gráfica indígena Sol Terena fala sobre a resistência através da pintura corporal e o papel dos não indígenas nesta luta
Por Kethlyn Gonzaga de Oliveira
A linguagem não verbal é o método mais antigo de comunicação, existindo desde os primórdios — como nas pinturas rupestres — até os dias atuais, por meio de gestos e expressões do próprio corpo.
Essa linguagem se mantém viva, pois evolui junto com o tempo e o ambiente em que se encontra. Os povos indígenas a utilizam milenarmente, não apenas como forma de interação, mas também como instrumento de resistência, diante das diversas tentativas de apagamento histórico, cultural e ancestral que ocorre desde antes da grande invasão.
A ativista Sol Terena, originária da Aldeia Terena, localizada em Sidrolândia (MS), é idealizadora do projeto “Resistência: Pintura Corporal Indígena”, cujo objetivo é conscientizar as pessoas sobre o significado da pintura corporal e seu uso como forma de resistência. No entanto, como conta a própria Sol, o projeto teve início com outra motivação. “O principal objetivo foi resgatar essa tradição milenar, que estávamos perdendo dentro da aldeia. Quando surgiram vários indígenas com esse mesmo propósito, a tradição ganhou força novamente”, afirma.
Segundo a ativista, sua aldeia se encontra na divisa com a cidade de Sidrolândia, o que torna a preservação de seus costumes e a expansão de crescimento cada vez mais complexos.
“Hoje a minha aldeia está no centro da cidade. Para onde que a minha geração vai se expandir? Nas cidades, as aldeias vão deixar de existir.” Ela complementa dizendo que para reverter essa situação é necessário “lutar para ter a demarcação de território”.
Para Sol, a pintura corporal é mais do que um simples desenho na pele. Para ela, é uma forma de se reconectar com seus ancestrais, fortalecer suas energias e afirmar a “identidade cultural de cada povo, onde cada um tem a sua identidade através da pintura corporal e onde essa tradição é sempre mantida”.

As pinturas são feitas com significados próprios que podem ser utilizadas para conexões ancestrais, ocasiões específicas, tanto quanto para revelar hierarquias, demonstrar sentimentos onde todas estas formas conseguem ser expressas através da pintura indígena.
“Em cada evento, ritual ou festividade, a gente sabe que aquela pintura é específica para aquele momento. As pinturas são feitas com um significado próprio, voltadas exatamente para aquela ocasião. Existem também as pinturas tradicionais, que carregam símbolos e histórias do nosso povo”, afirma.
A ativista continua sua fala enfatizando que a pintura corporal se relaciona com a ancestralidade e mesmo tendo seu deslumbre estético ela não deve ser vista ou utilizada como um produto de beleza corporal.
“Nossa ancestralidade faz parte da tradição indígena e deixamos claro que não é uma beleza corporal, não é uma lembrança, mas sim uma ancestralidade. Traz a força dos nossos ancestrais e traz a nossa resistência através da pintura corporal.”
Muitas pessoas não indígenas a procuram para fazer grafismos com o fim de tatuarem em sua pele como uma forma de homenagem aos seus antepassados indígenas. Entretanto, a ativista afirma que para eles isso não é homenagem.
“Para nós, homenagem é estar junto conosco na luta, por exemplo, em Brasília nas reivindicações; assinando a PL contra o marco temporal; assinando a PL que é em relação aos marcos de terra. Isso é, para nós, homenagem. É somar conosco nas lutas”.
Sol Terena enfatiza que o marco temporal é mais uma tentativa de apagamento do povo indígena, o mesmo povo que, para ela, tem como objetivo proteger o planeta e o meio ambiente. No entanto, ela também relembra que esse dever não é somente deles.
“O marco temporal traz a morte do indígena. O indígena é a terra e o nosso objetivo principal é proteger a nossa casa. E o que seria a nossa casa? Nosso planeta. Se nós destruirmos a nossa casa, quem vai sobreviver? E é isso que as pessoas não entendem”.
Ela finaliza relembrando que “não é só obrigação do indígena proteger o meio ambiente. Essa obrigação é de todos”.
A ativista explica que o melhor incentivo por parte de pessoas não indígenas é compreender que, como já mencionado, não é responsabilidade de um único povo proteger o planeta que todos compartilham. Segundo ela, a melhor forma de apoio é estar ativamente engajado na defesa da causa indígena.
“Você quer homenagear? Assine a PL contra o marco temporal”, conclui a ativista Sol Terena.
