Diante de tantas novidades, “trends” e viralizações, quais aspectos podem ser observados sobre esse fenômeno? Como as pessoas reagem a esse tipo de conteúdo? E afinal, por que ele faz tanto sucesso?
Por Danielle Ribeiro
Os Bobbie Goods são uma coleção de livros de colorir criados pela ilustradora e designer norte-americana Abbie Goveia, em San Diego, nos Estados Unidos. Os desenhos abordam temáticas relaxantes e alegres, como, passeios no parque, piqueniques, lanchonetes e brincadeiras infantis, contando com animais fofos como personagens principais.
O traço delicado da autora chamou atenção de diversos públicos nas redes sociais, desde crianças até jovens e adultos. O sucesso dos Bobbie Goods circula em plataformas como Instagram e Tik Tok. A marca foi criada em 2021, porém só foi ganhar destaque na internet recentemente.
Cenários simples, personagens fofos e um passatempo nostálgico: esses são ingredientes essenciais para atrair tantos públicos de diferentes faixas etárias.
Segundo pesquisas do podcast The News, entre os 11 livros mais vendidos do Brasil, quatro são livros de colorir, tendo o título dos Bobbie Goods aparecendo em destaque. Entre o final de dezembro do ano passado e o início de março desse ano, já foram vendidas mais de 150.000 mil cópias.
Aline Martins é criadora de conteúdo há 10 anos, produz vídeos voltados para hobbies artísticos e artesanato. Ela sugere algumas possiblidades de conexão com cada público.
“Essa conexão que o adulto faz com esses livros é muito forte, porque querendo ou não, na vida adulta, a gente acaba deixando de lado a brincadeira, só que ela não precisa ser deixada de lado. E com o público mais jovem, o público criança, é pelo encantamento mesmo, pelo lúdico que eles já têm, que eles estão ali vivenciando, e também pela facilidade da atividade”.
A psicóloga Bárbara Colognesi, profissional da área clínica, infantojuvenil e social, também ressalta aspectos mais profundos relacionados ao público adulto.
“A criança vem pela temática mesmo, a estética dos desenhos, e os adultos, eu acho que tem um grande fator de nostalgia. E uma tentativa de fuga da vida adulta, das obrigações, pelo menos simbolicamente. A gente perde momentos de fazer isso ao longo do nosso crescimento, quando vai ficando mais velho. Então, essa propaganda junto com um bem-estar e um estilo de vida, eu acho que dá muito certo para esse momento que a gente está”.
Pontos positivos
Quando nos questionamos sobre os possíveis benefícios dessa nova forma de lazer, alguns tópicos podem ser destacados. São eles:
- Desaceleração mental;
- Diminuição da ansiedade;
- Estímulo da concentração e do foco;
- Criação de uma rotina de autocuidado e descoberta;
- Sensação satisfatória de completude.
Aline Martins explica que “a vida dentro das telas acontece em uma velocidade absurda, que nem a gente se percebe nela. E quando a gente para [o que está fazendo] e vai colorir, a gente consegue dar uma desligada na mente, realmente relaxar a mente naquele momento e focar só naquilo, sem distrações”.
Bruna Piccoli é criadora de conteúdo, formada em design gráfico, é dona da Papelaria Pistache e publicou recentemente o seu próprio livro de colorir. Ela desabafa sobre sua relação pessoal com os Bobbie Goods.
“Depois de crises de ansiedade, eu resolvi comprar um kit de marcador para ter um hobby, para retomar esse hábito da pintura que eu tinha perdido, e resolvi começar a criar conteúdo com isso. Me ajudou muito na questão da ansiedade, é uma coisa que estou fazendo ali e eu me concentro apenas nisso. Então, me concentro que cor que eu vou usar, a combinação de cores que eu vou fazer, preencher o espaço, etc”.
Pontos negativos
São dois lados de uma mesma moeda, como comenta a Doutora Bárbara. Dessa forma, também podemos citar possíveis consequências para esse hobby:
- Superficialidade na experiência emocional;
- Comparação social;
- Consumismo estético;
- Frustração emocional;
- Consumo e reprodução passiva.
“Como os desenhos já estão prontos, a exigência de criatividade é reduzida. No entanto, o problema está na percepção estética. A pressão vem quando as pessoas sentem que precisam colorir de forma ‘artisticamente perfeita’ para serem valorizadas ou aceitas”, aponta a psicóloga Cinthia Glaucia Mendes, que também é arteterapeuta e educadora.
O papel das redes sociais nessa história
Atualmente as redes sociais influenciam fortemente nas tomadas de decisão do cotidiano. O meio digital vem crescendo de forma tão avassaladora que é difícil controlar o conteúdo que recebemos.
Ao estarmos conectamos na rede, somos expostos a milhares de sensações diferentes, muitas vezes sem conseguir discernir o “bom” do “ruim”, ou até mesmo não conseguir se desprender desse sentimento.
A influenciadora Aline destaca uma função importante do seu trabalho e em como isso afeta o público. “O criador de conteúdo, ele tem esse papel de mostrar que existem várias formas. A gente tem que ter responsabilidade social, tem que ser uma pessoa ética e afetiva. Então, acho que tudo isso é muito importante para fazer um trabalho consistente”.
Bruna Piccoli também comenta os desafios que as redes sociais estabelecem entre o conteúdo e o público. “Eu sinto que tem uma grande parte que está ali porque quer aprender, porque gosta e se interessa, quando a pessoa quer buscar o conhecimento para aperfeiçoar as técnicas dela. Mas também é uma linha tênue entre o pessoal que acha que isso virou regra. O jeito que eu pinto, o jeito que eu faço, não é regra. Isso é um norte para a pessoa ter alguma ideia. Não é uma competição”.
Ela explica também que “é importante a pessoa se divertir e aproveitar o processo. Acho que o segredo é olhar com um pouco mais de carinho para aquilo que a gente está fazendo. Afinal, foi feito pelas nossas mãos. E mostrar que às vezes dá errado, porque tem desenho que dá errado e não fica bom”.
Bruna conta como o seu processo de produção funciona de maneira leve e descontraída, apesar dos erros: “volta e meia eu compartilho isso, aí eu tento brincar com isso, brincar com a situação ali na live, o pessoal acha engraçado também. Porque tem que se divertir, mesmo se deu errado, se a canetinha acabou no meio do desenho, a gente tem que contornar ou aceitar. E está tudo certo”.

Cinthia também destaca a importância e a responsabilidade dos criadores de conteúdo. “As redes sociais podem distorcer a finalidade, transformando-a em performance”. Isso demonstra como a internet é um ambiente muito frágil, onde não só crianças estão expostas aos seus riscos.
A tendência se repete
Apesar do “boom” que os Bobbie Goods tiveram, os famosos livros de colorir não são exatamente um hobby inovador. Ao conversar com as psicólogas e as influencers, ou até mesmo se você conversar com um amigo ou pessoa que conheça os Bobbie Goods, é fácil perceber que já surgiram tendências parecidas.
O Jardim Secreto e a Floresta Encantada são exemplos disso: livros de colorir com temáticas relaxantes e coloridas. Seu lançamento foi em 2015, ambos feitos pela ilustradora escocesa Johanna Basford.
Mesmo objetivo, diferentes estilos. As necessidades e desejos humanos vão se moldando e se transformando ao longo dos tempos. O traço mudou, os personagens e os cenários ficaram mais fofos, mas a abordagem é semelhante à de alguns anos atrás.

Alguns podem dizer que o uso de canetinhas, que é a forma mais popular de colorir os Bobbie Goods, é mais fácil e suave, não cansa tanto a mão quanto o lápis de colorir, que, talvez os formatos arredondados dos desenhos facilitem o seu manuseio. Porém, outro grupo pode argumentar em como as tendências antigas eram menos padronizadas, apesar de também conterem animais como personagens, os elementos e alguns cenários eram mais subjetivos, muitos fazendo referência as mandalas, incentivando a exploração no uso de cores.
A questão é: sempre terão diversas perspectivas para comparar, muitos pontos a serem levantados. Isso também depende muito da pessoa que está observando, pois ela julga de acordo com seus valores, ideais, papel social e entre outras características.
Das telas para o mundo real
Um exemplo recente dessa nova tendência é a parceria que o Burger King e a Faber-Castell fizeram com os Bobbie Goods, apresentando suas famosas coroas, agora com desenhos e canetinhas para colorir, além de muitas opções de brinde na compra dos combos.
Essa é uma demonstração de como algumas “trends” furam a bolha da internet e passam a circular no cotidiano de pessoas que nem consomem esse tipo de conteúdo, por exemplo, determinada pessoa pode não saber o que são os Bobbie Goods, mas devido a influência do Burger King, essa pessoa passa a conhecer e muitas vezes a consumir esse produto.

Outro exemplo fora das telas são os “encontrinhos”, eventos que muitos influencers organizam para se aproximar dos fãs. A popularidade dos Bobbie Goods também reinventou essa ferramenta de socialização, criadores de conteúdo realizam encontros para reunir o público e colorir desenhos ou até mesmo ensinar técnicas de pintura. Criando ali, um momento de diversão, distração e autocuidado coletivo.
Segundo as psicólogas, o ponto principal para tomar atenção é a autoconsciência. Noção do produto, do seu objetivo e da maneira que esse conteúdo é consumido, afinal o excesso é o verdadeiro problema.
A doutora Bárbara Colognesi explica como o principal fator negativo é a “falta do saber”, ou seja, a pessoa perder a noção do limite e começar a reproduzir de forma passiva. “É o ‘não perceber’ que você é um consumidor nesse mecanismo, que você está nesse jogo de mercadoria. É esse ‘não perceber’ que faz manter esse ciclo para sempre”.
Ela também aprofunda o pensamento para além do fenômeno dos Bobbie Goods. “Passa a ser muito mais interessante a vida nas telas, mesmo que seja nessa suposta calma. Então, é uma prisão mesmo, e sem perceber que você está caindo nisso, sem perceber que você está num jogo de mercadoria, de venda de produto, e não só os Bobbie Goods, mas tudo, porque você está sempre consumindo algo”, alerta a psicóloga.
O principal ponto é ter noção do meio em que se está inserido, não se deixar ser levado pelos milhares de vídeos e estímulos que as redes sociais produzem. Dessa forma, se houver uma maior produção de conteúdos “saudáveis” e que incentivem a boa prática, de forma controlada e consciente, veremos ainda mais vantagens nessa tendência. A sociedade pode se utilizar dessas ferramentas para um benefício real, para isso, é necessário estarmos sempre atentos e posicionarmos uma visão crítica do mundo a nossa volta.
Contato das entrevistadas:
- Papelaria Pistache: https://www.papelariapistache.com.br/
- @brupiccoliart
- @byalinemartins
- bacolognesi@hotmail.com
- cinthiagmpsico@gmail.com
