Após uma vida dedicada à enfermagem e à maternidade, Rosângela encontrou na arte manual não apenas uma fonte de renda, mas também um reencontro com sua identidade e liberdade criativa.
Por Gabrielle Camili Dolce

Foto: Gabrielle Camili Dolce e arquivo pessoal
Aos 68 anos, Rosângela Monge realizou um sonho cultivado desde a infância: viver da arte. Especialista em macramê, técnica de tecer fios utilizando nós, ela transforma linhas, sementes, pedras e madeira em biojoias autorais expressando sua história e identidade. “Sempre quis viver disso, mas só consegui depois de aposentada”, relatou.
Nascida no interior do Rio Grande De Sul, cresceu em meio rural, aprendendo técnicas artesanais com a avó, que costurava, bordava e confeccionava os enxovais da família. “Os lençois feitos por ela pareciam saídos de lojas sofisticadas. Tudo feito a mão com muito capricho”, relembrou.
Desde cedo, Rosângela demonstrava interesse pelo artesanato, ainda na infância produzia pulseiras e bijuterias que vendia durante suas férias na praia. No entanto, sua carreira profissional seguiu outro rumo.
Da enfermagem ao artesanato
Apesar da afinidade com a arte, Rosângela não seguiu de imediato este caminho, pois sua família na época não aprovava sua escolha. Então, tentou o vestibular e acabou se formando em enfermagem.
“Era uma escolha possível e segura naquele momento”, conta. Trabalhou na profissão por um tempo, mas precisou deixar a área após o nascimento de seu filho pois a rotina no hospital tornou- se incompatível com a maternidade.
E foi nesse contexto que o artesanato voltou a ganhar espaço na vida de Rosângela, a princípio como alternativa de renda complementar e, mais tarde, como um projeto de vida. “Sempre tive essa vontade e quando me dei conta que viveria apenas com o salário mínimo da aposentadoria, percebi que precisaria voltar a vender”, relatou. Após sua aposentadoria, passou a se dedicar integralmente ao trabalho artístico, utilizando técnicas como o macramê, papel machê e o uso de materiais naturais, com destaque para sementes e pedras naturais. “Hoje vivo bem da arte, sempre foi um sonho que só realizei na velhice”, conta.
Identidade, técnicas e sustentabilidade
Rosângela utiliza três pontos fundamentais do macramê: o ponto chato, o DNA, e festonê e a partir deles cria colares, pulseiras, mandalas e esculturas inspiradas na natureza. “Nunca copio uma peça. Busco sempre imprimir minha identidade em cada trabalho”, afirma. Suas criações, segundo ela, são reconhecíveis por que já conhece seu trabalho.
Revelou também um compromisso com a sustentabilidade em sua prática artística. Ao coletar sementes da natureza, evita retirar todas de um mesmo local, preservando o ciclo natural das plantas. “Se colhemos tudo, o espaço não se refloresta, pego o necessário”, explicou.
Além do macramê, Rosângela experimenta outras técnicas como o filigrana de arame, mas revelou que nem todas as linguagens do artesanato dialogam com sua sensibilidade artística. “O macramê tem uma ligação mais direta com o meu jeito de ser, é onde me encontro como artista”.
Quando a arte conecta o outro
Apesar das dificuldades expostas por Rosângela na produção manual, como o tempo gasto e o esforço físico, ela revela que o mais apreciado por ela em seu trabalho é o contato direto com o público. Participando de feiras e eventos consegue criar contato com seus clientes e recebe um retorno imediato de seu trabalho. “Mesmo quem não compra, acaba vendo minha arte e, em alguns casos, se emociona com as peças. Isso é muito significativo, tocar o outro com minha arte”, revela.
A divulgação de seu trabalho é feita majoritariamente no boca a boca e nas bancas das feiras. Nas redes sociais, ela admite ter pouca presença, “Prefiro o contato presencial, olho no olho, Quem passa por aqui percebe quando tenho algo novo na mesa”, comenta.
Artesanato como forma de sobrevivência
Com a aposentadoria garantida apenas por um salário mínimo, o artesanato se tornou também uma forma de subsistência. Ainda assim, Rosângela recusa a ideia de produção em larga escala. Prefere manter o ritmo artístico, respeitando seus limites e seu tempo de criação. “Quero vender aquilo que preciso para minha existência,não quero me enlouquecer,tenho só duas mãos”, destaca.
Ela já levou suas criações para outros países. Durante uma estadia em Portugal, expôs suas peças na rua, e obteve uma boa recepção do público europeu. Também participou de um festival na Índia, onde, segundo ela, vendeu todas as peças que levou. “A arte manual tem um valor universal. Ela toca as pessoas em qualquer lugar”.
Rosângela defende a importância de compartilhar conhecimentos e incentivar novos artesãos. Critica a ideia de “concorrência” entre artistas e reforça que cada peça carrega uma identidade própria. “Eu digo, nossa concorrência? O que é concorrência? Não existe concorrência, existe arte,e a arte não tem preço”, destaca.
Quando questionada sobre seu futuro, disse que não pensa em grande expansões. Sonha em talvez,um dia voltar para Portugal para espalhar sua arte pelo mundo. Mas acima de tudo, deseja continuar criando no seu tempo e de sua maneira.
“Para mim o momento mais prazeroso é quando estou sentada, tomando meu café, escolhendo as pedras e criando algo novo. A arte me salvou, e ainda me salva todos os dias”.

Rosângela Monge, foto: Beatriz Malheiro
