Dois anos após sua morte, documentário retrata a trajetória e os desafios da repórter e apresentadora da Rede Globo
Por Gabriel Oliveira

A série documental produzida pela Rede Globo sobre a trajetória de vida de Glória Maria presta uma homenagem a um dos maiores nomes do jornalismo brasileiro. Mas também revela os desafios e os dramas pessoais daquela que se tornou um ícone para milhares de jovens negros que sonham em ser representados na televisão.
Com quatro episódios, o documentário narra sua trajetória no maior veículo de mídia do país, desde seu primeiro emprego na emissora, como telefonista, até se transformar na primeira jornalista a entrar ao vivo e a cores na história da TV.
A admiração por Glória pode ser sentida em depoimentos de colegas que a acompanharam nos mais de 50 anos de carreira. Entre eles, estão William Bonner, Pedro Bial, Fátima Bernardes, Leilane Neubarth, Dulcinéia Novaes e Zileide Silva.
Em entrevista ao jornal Contexto, Thayná Santana, jornalista do Alma Preta e ex-estudante de Jornalismo da Unesp, comentou sobre a importância de Glória em sua própria trajetória profissional. Para Thayná, Glória Maria é uma pioneira e uma figura indispensável quando se fala sobre o jornalismo televisivo e sobre a representatividade que ela construiu como mulher negra na televisão.

“Foi a primeira em uma TV a cores e teve um papel fundamental, não apenas para mim, mas para tantas outras mulheres negras que vieram depois dela. Estava assistindo ao documentário sobre sua trajetória e pensei em nomes como Aline Aguiar, Flávia Oliveira e Denise Bastos, que hoje são grandes referências para mim no jornalismo. Em uma época em que não nos víamos representadas na televisão, Glória teve um papel essencial para que pudéssemos pensar: ‘eu também posso estar ali, posso ocupar esse espaço de visibilidade’. Ela representava outras mulheres negras, e isso a torna uma figura extremamente importante”, explicou Thayná.
Quebrando barreiras
Ao longo de sua trajetória na televisão, Glória se consolidou como uma excelente jornalista, atuando durante um período marcado pela luta dos brasileiros pela redemocratização e afrontando diversas vezes a repressão do último general do regime, João Baptista Figueiredo.
Com sua impressionante força e dedicação, ela ocupou espaços que, diversas vezes, foram negados a pessoas negras – desde coletivas de imprensa, grandes entrevistas e até coberturas internacionais, como a posse do presidente norte-americano Jimmy Carter. Sua presença não apenas rompia barreiras, mas abria caminhos para que outras vozes negras pudessem ser ouvidas no jornalismo brasileiro futuramente.
Mesmo com seu legado que abriu caminhos para jornalistas negros no Brasil, os desafios de ocupação e pertencimento ainda são uma realidade para jovens em universidades. Thayná Santana acredita que a universidade não é um ambiente acolhedor de fato. É muito desafiador, porque a gente ainda vê uma presença majoritariamente branca, não só entre os alunos, mas também entre os professores.
“A maioria ainda é de homens — e, no curso de jornalismo, pelo menos na minha sala, tinham poucas meninas e poucas pessoas negras. Na docência, também são pouquíssimos negros. Se tive um ou dois professores negros, foi muito”, explica.
Ao mesmo tempo, a jornalista ressalta a presença do professor Juarez Xavier, atual diretor da FAAC. “Ele foi o primeiro diretor negro da FAAC. Tive bastante contato com ele e a honra de participar de projetos como o Neo Criativa, que me ajudaram a ter um pouco desse contato e a me sentir pertencente de fato a esse espaço — de olhar e dizer: ‘Olha, eu mereço estar aqui, assim como eles estão aqui’”, afirma.
Para ela, ter uma rede de apoio ajuda muito. “Conversar com pessoas pretas dentro da universidade, como o Coletivo Kimpa, foi muito importante para a minha trajetória. Para trocar ideias com outras pessoas pretas e ver que eu não estava sozinha nessa”.
A inserção no mercado de trabalho
Além da vivência universitária, iniciar na vida profissional também pode ser um grande obstáculo para pessoas negras na área jornalística. Thayná explica que a [a área de] Comunicação ainda é um mercado branco. O maior desafio também foi acreditar no meu próprio potencial, confiar que eu também podia, que eu tinha capacidade. O começo não foi fácil. Demorei muito tempo para conseguir estágio, e isso me deixou bastante abalada nos primeiros anos da universidade”.
Para a jornalista, “a maior dificuldade é ser vista, recomendada. O networking é muito importante, é preciso estar incluído nesses espaços. Mas, sem dúvida, a maior barreira foi acreditar em mim mesma e encontrar pessoas que pudessem me indicar. Porque não é um mercado fácil”.
Legado
A trajetória de Glória Maria reverbera na vida de muitas mulheres negras que buscam construir sua narrativa no ramo da comunicação. Projetos coletivos e redes de apoio são algumas das formas para manter esse legado vivo e passá-lo adiante.
“A Glória deixou um legado. Hoje, existem outras mulheres pretas que estão à frente, não só na redação, na reportagem ou como apresentadoras, mas também integrando o coletivo Herdeiras da Glória Maria, um coletivo de fortalecimento de mulheres pretas que estão nesse campo da visibilidade, construindo suas trajetórias na comunicação, assim como a Glória construiu a dela. Uma trajetória incrível, potente demais. Às vezes me faltam palavras. Ela foi gigante.”
Thayná explica que existem projetos muito bons criados por pessoas pretas que estão fazendo a diferença nesse ambiente. “Um que eu gosto muito é o Ubuntu Esporte Clube, um projeto pautado na temática racial dentro do esporte, que traz esse protagonismo para a linha de frente. Talvez ainda falte muito nas redações, para que mais pessoas pretas cheguem lá e encontrem outras como elas. Mas já existem jornalistas pretos fazendo a diferença, isso já é importante. Isso mostra que o legado da Glória ainda perpetua”, disse Thayná.
O documentário mostra que sua presença permanece como uma memória e um símbolo. Hoje, jornalistas pretos e pretas podem alcançar espaços antes inalcançáveis no âmbito da comunicação, cientes de que não estão começando do primeiro degrau, mas, de um ponto mais acima, que Glória Maria ajudou a conquistar.
