Atletas revelam a falta de segurança e o medo da violência durante a prática esportiva. Mulheres enfrentam maiores desafios

Alessandra Santos Lima participando da Maratona do Rio em 2024 Fonte: Arquivo pessoal

Por Mariana Bezerra

Mais de 400 mulheres já deixaram de praticar atividade física ao ar livre por medo de importunação sexual em Porto Alegre e região metropolitana, segundo pesquisa publicada pelo Movimento das Mulheres Corredoras, em fevereiro de 2025.

A coleta de dados feita na capital sul rio-grandense não aponta para uma situação isolada. É muito comum se deparar com relatos de assédio, perseguição, assaltos e desabafos de mulheres nas redes sociais sobre o sentimento de insegurança durante a prática desses esportes, especialmente após o aumento de adeptos e a popularização dessas atividades nos últimos anos.

O medo de assaltos e da violência urbana de modo geral afeta todos os atletas, independentemente do sexo, mas é sentido mais intensamente pelas mulheres, que também se sentem expostas à violência sexual.

Em março deste ano, em Santos, no litoral de São Paulo, onde os esportes de rua são tradicionais, uma corredora foi ferida por assaltantes menores de idade que puxaram uma corrente do seu pescoço e fizeram uma transmissão ao vivo após o roubo.

“No aspecto físico, destaca-se a falta de vigilância na orla, especialmente no período da manhã,que facilita a ação de indivíduos em bicicletas que cometem roubos”, afirma o corredor de rua Denis Arruda.

No mundo do esporte de rua, é muito comum que os treinos, principalmente os mais longos da semana, chamados de “longão” pelos atletas, sejam realizados logo no início da manhã, quando ainda está escuro, seja para adequar a prática esportiva à rotina ou para escapar dos horários de pico do sol.

Alessandra Santos Lima, corredora santista e treinadora de corrida, explica que os treinos se iniciam cedo para minimizar os desgastes do sol no corpo, principalmente no verão. Ela relatou que, durante sua preparação para a prova de 21 km da Maratona do Rio, costumava fazer seus treinos sozinha, mas que sair de casa cedo, em muitos dias, era um desafio justamente pela sensação de insegurança.

“Tinha dias que eu não conseguia sair, que eu pensava: ‘poxa, vou esperar, mesmo que eu pegue mais sol’. Mas, mesmo quando estava clareando, a gente sente essa insegurança, porque vê muita coisa acontecendo e tem a consciência de que, se alguém quiser fazer alguma coisa com a gente e estivermos sozinhas, não temos como nos defender.”

É muito comum que os atletas, especialmente as mulheres, façam esses treinos longos em grupo para se sentirem um pouco mais seguras. Sobre isso, Alessandra conta que, durante o treinamento para sua maratona em 2024 — prova de 42 km —, fez apenas dois desses treinos mais longos sozinha. Ela costumava, junto com amigas e alunas, pedir o apoio de amigos homens, pois, mesmo em grupos com várias mulheres, o sentimento de insegurança era latente. Além disso, como treinadora, sentia-se responsável pela segurança das alunas.

Corredoras santistas em prova exclusiva para mulheres Fonte: Arquivo pessoal

São muitos os relatos do tipo: “Esperei clarear, aí depois estava muito quente na hora que eu fui e não consegui entregar o treino”. Isso quando os feedbacks não narram situações de violência ou assédio sexual.

Durante a apuração desta matéria, algumas mulheres também revelaram terem amigas e conhecidas que gostariam de praticar atividade física ao ar livre mas que se sentem inibidas pela violência. Outras fizeram relatos de situações de perseguições.

“Já sofri com situações de assédio sim! Muitos assobios, até casos da própria polícia buzinar, dar a volta na avenida só pra passar de novo e ficar me olhando”, relatou Mariana. Já Caroline relatou ter sido perseguida por um homem que usava capacete quando estava voltando de um treino, o que a deixou apavorada, além de ter sido assaltada de forma violenta por meninos de bicicleta.

A prática esportiva significa, para os atletas, autocuidado e é um pilar para uma vida saudável, mas, muito mais do que isso, a ideia de se superar em novas distâncias se torna um sonho, que exige muito esforço e dedicação, especialmente para a conquista dos títulos de maratonistas e meias maratonistas.

Além da prática intensa do exercício escolhido, há toda uma preparação, muitas vezes invisível para os não praticantes, como fortalecimento muscular, acompanhamento nutricional, sessões de fisioterapia, entre outros aspectos que tornam esse processo ainda mais delicado. O primeiro desafio é o mental; em seguida, vêm os desafios financeiros e pessoais, pois essa conquista envolve, na maioria das vezes, muitas renúncias e, segundo Alessandra, boa parte da vida do indivíduo volta-se para esse objetivo.

Diante disso, o medo da violência e as limitações que ela impõe na vida das mulheres se tornam mais um desafio. “Você está ali correndo, concentrada, pensando no teu objetivo, e aí passa um cara do teu lado e mexe contigo… acabou seu treino”, comentou a treinadora, que também cita a possibilidade do desenvolvimento de traumas que podem inviabilizar a prática do esporte. Assim, as mulheres, muitas vezes, precisam conciliar as múltiplas demandas familiares e profissionais com as preocupações em relação à logística que a prática do esporte impõe a elas.

Alessandra conta que o seu início na corrida significou um reencontro consigo mesma e um resgate da habilidade de sonhar após ter se tornado mãe de duas meninas. “Depois que eu virei mãe eu tinha sonhos, mas para elas. Eu queria que elas fossem felizes e, com a corrida, eu voltei a identificar os meus gostos e ter os meus próprios desejos”.

A dedicação ao esporte, gera inúmeros benefícios, como autoconhecimento e disciplina, além de promover a “sensação de liberdade, de se escutar”, no entanto, esses parecem competir a todo momento com quem gostaria apenas de cruzar as linhas de chegada em segurança.

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