Por Davi Martins

Em cartaz nos cinemas desde 01 de maio, Homem com H diverge das últimas cinebiografias sobre cantores famosos. O diretor, Esmir Filho, propõe que acompanhemos uma linha temporal do artista (vivido por Jesuíta Barbosa), desde quando morava em uma Vila Militar, em Campo Grande, em 1949, até a sua turnê mais recente, “Bloco na Rua”. Mas o que faz o longa ir na contramão de “Bohemian Rhapsody”, “Rocket Man”, e até mesmo “Meu Nome é Gal”, é que o caminhar da história nos leva a conhecer Ney como alguém e não como uma lenda.

Em suma, a obra trata sobre os valores e desafios que o músico compra para conquistar sua liberdade, desde o enfrentamento precoce contra as violências de seu pai (vivido pelo ator Rômulo Braga) até seu afastamento dos Secos e Molhados. Além disso, mais para o fim, traz à tona as mazelas desencadeadas pelo “Boom da AIDS”. Entretanto, o tema não é tratado como o principal norteador do filme, e sim como uma homenagem às vítimas do vírus HIV.

Ney participou da produção do filme desde o roteiro, indo inclusive aos sets de filmagem, e sua figura não é posta em um pedestal. Acontece que o texto, escrito por Esmir Filho, é íntimo o suficiente para que não haja qualquer assimilação do cantor com algo exterior ao nosso mundo, é sensível, áspero, nem um pouco melodramático, é real.

Ney começou sua carreira artística “tardiamente” aos 30 anos e sentimos isso quando demoram 40 minutos para que haja a primeira conversa com João Ricardo (interpretado por Mauro Soares) e Gérson Conrad (vivido por Jeff Lyrio).

As personagens secundárias são pouco desenvolvidas em tempo de tela, mas ainda assim são marcantes. Claro que personagens como Cazuza (Jullio Reis) já possuem uma relevância histórica, mas seus encontros seriam maçantes e vazios, se não fosse pela escolha minuciosa de quais encontros trazer à tela.

O ator Jesuíta Barbosa no papel de Ney Matogrosso Foto: Divulgação

Além da direção geral, as direções de arte, cinematografia e figurino (Thales Junqueira, Azul Serra e Gabriela Marra, respectivamente) garantem uma experiência sensorial estonteante. Principalmente nas montagens musicais que costuram os avanços temporais do filme: muitas delas são marcadas pelo erotismo, o que à primeira vista pode aparentar um excesso, mas dada a persona Ney Matogrosso, não faz sobrar na narrativa. Além do mais, são cenas recompensantes, que fogem daquele erótico medíocre de mostrar seios, gemidos, uma lareira e cortes rápidos.

No âmbito da edição, feita por Germano Oliveira, há um controle de cor excepcional principalmente nas montagens. Já em outras sequências, menos dramáticas, nem tanto, além da obviedade de apresentar a infância com menos saturação. O diretor usa o artifício de separar os blocos do filme a partir de cores: o azul na aeronáutica; o ocre no coral em Brasília; o vermelho na primeira gravação em estúdio do Secos e Molhados. Talvez um exagero na saturação fosse mais agradável.

Em atuação, a estrela dessa produção é realmente Jesuíta Barbosa. É surpreendente o quanto o ator guia a trama, consegue mimetizar os olhares, jogadas de ombro, tom da voz e até os bicos que Ney faz com a boca sem que pareçam que o ator está imitando o biografado. Barbosa separa, de maneira natural, a personagem quando está fora e dentro dos palcos, seus pontos altos não estão apenas nos movimentos complexos da gravação de Sangue Latino, mas nos momentos casuais, que fazem crer que o próprio Ney está em tela, gerando até escapes de risos da plateia.

Desta forma, Homem com H é um filme rico, não apenas pelo orçamento de R$18 milhões, mas por contribuir com a leva de ótimos filmes nacionais que estrearam nos últimos tempos (como Memórias Fantasmas, Ainda Estou Aqui e Vitória, por exemplo), é artístico, teatral, talvez erótico demais para algumas audiências. Por fim, mesmo se apoiando no apelo da nostalgia, é um filme relevante.

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