Entenda como surgiu o movimento que luta contra a violência policial em Bauru
Por Catarina Pereira

Familiares das vítimas se reúnem em ato de memória Foto: Reprodução Redes sociais
Segundo dados do Instituto Sou da Paz, a cidade de Bauru está entre as dez com maior letalidade policial no estado de São Paulo. No entanto, a fatalidade das ações policiais é pouco divulgada, levando ao aumento do número de vítimas. Como forma de resistência em meio à dor do luto, nasceu na cidade o coletivo “Vozes da periferia”.
Nilceia Rodrigues Alves é líder desta comunidade e mãe de Guilherme Alves,18, que foi morto pela BAEP (Batalhão de Ações Especiais da Polícia) em 2024. Inconformada, ela decidiu criar o movimento a partir de sua própria revolta, iniciando suas ações na rua buscando justiça pela morte de seu filho e pela falta de respeito da polícia com o velório da vítima, que foi invadido e cujos familiares foram agredidos.
Após o funeral, Nilceia foi às ruas e encontrou mães de outras vítimas, criando o movimento. “No dia 18, após o velório, eu já fui pras ruas, porque eu me senti muito desrespeitada, sabe? Como mãe, como ser humano. Eu queria entender o que aconteceu com o meu filho, então eu fui pras ruas, mas na verdade eu não tava em busca de fazer movimento nenhum. Eu só queria que alguém me ouvisse”.
Desde que as ações se iniciaram, o Vozes conquistou muito espaço, sendo responsável pela vinda do ex-ouvidor da polícia à Bauru para a avaliação da situação. Conseguindo assim reconhecimento e justiça para os casos, através da possibilidade de abertura de uma denúncia contra os policiais que violentaram a família.
Mas, como afirma a mãe de Guilherme, a maior conquista seria a possibilidade dada às mães de serem ouvidas, de contarem as versões de seus entes queridos, garantindo que a distorção das histórias seja evitada e a identidade de seus filhos seja íntegra. “Não importa quem era, o adolescente ou o jovem, se ele tava cometendo erro, né? A mãe tem o direito de falar quem que era seu filho”, explica.
O movimento também conquistou espaço em importantes órgãos de justiça, como a Corregedoria de São Paulo e o Departamento de Homicídio, e hoje atua dando encaminhamento para as famílias de novas vítimas recorrerem aos seus direitos, e acolhendo-as durante o processo de luto. O crescimento do coletivo também foi apoiado por um grupo de advogados da OAB, dispostos a acompanhar os casos, e do Movimento dos Direitos Humanos. Assim, com esse suporte, o Vozes da Periferia foi capaz de combater a violência policial de forma a construir uma rede, pois as histórias de todas as vítimas se conectam em diferentes localidades e são capazes de unir múltiplas mães através da indignação.
“Quando eu perdi o Guilherme, eu fiquei sabendo que havia 17 casos aqui em Bauru, até a data que o Guilherme foi assassinado. Então, assim, 17. Todos os 17 com 30 dias arquivou, ninguém procurou saber o que houve e todos da mesma forma, todos confronto. A história é a mesma, só mudou o jovem”, diz.
A violência policial na cidade de Bauru aparenta estar mais contida com a ascensão do coletivo. “Então, eu percebi que, de fevereiro pra cá, eles estão com mais cautela, pelo menos pra esse bairro. E eu procuro saber no grupo que a gente tem e eu procuro saber nos outros. E fiquei sabendo que eles mesmos falaram que, através desse movimento, hoje, eles não podem bater e nem matar ninguém. Porque a corregedoria está em cima”.
A divulgação de imagens e vídeos nas redes de policiais exercendo abordagens descompensadas exerce um papel de vigia. A iminente possibilidade de punições como a suspensão de cargo e as penas carcerárias funcionam como limitante à violência.
Segundo Nilceia, a aplicação destas punições é o melhor impeditivo para lutar contra a violência policial, mas há um longo caminho até que tudo isso seja realizado com vigor, e o Vozes da Periferia com certeza terá papel marcante nisso.
