Startup estadunidense alega ter trazido de volta uma espécie de canídeo nativa das Américas extinta há 10 mil anos. A pergunta que não cala é: seriam estes os mesmos animais?
por Daniel N. Teixeira.
A empresa norte-americana de Biotecnologia focada na “des-extinção”(tradução direta de De-extinction, em inglês) de espécies Colossal Biosciences alegou, no dia 07 de abril, ter restaurado com sucesso e pela primeira vez uma espécie já há muito erradicada. O anúncio, porém, gerou polêmicas e discordâncias entre biólogos e especialistas da área.
A startup fundada em 2021 realizou tal feito após seu grupo de geneticistas extrair de dois exemplares de osso – o primeiro datando de 13 mil anos de idade e o segundo de 72 mil anos – o genoma dos já extintos lobos terríveis(gênero Aenocyon Dirus). A análise do mesmo permitiu que o grupo fizesse um total de 20 edições em 14 genes do DNA (ácido desoxirribonucleico) de um lobo cinzento comum para que, desta forma, este se parecesse mais com genoma da espécie já extinta.
A partir destas edições, o grupo foi capaz, então, de multiplicar o DNA modificado e inseminá-los em óvulos sem núcleos para produção de embriões. A empresa estadunidense produziu 45 óvulos com esse procedimento, sendo que apenas 3 destes dariam resultado.
Os embriões bem-sucedidos foram então inseminados em cadelas domésticas previamente escolhidas por tamanho e saúde. Assim, no primeiro dia de Outubro de 2024, nasceu Romulus e seu irmão Remus – nomes dados em homenagem aos dois lendários irmãos da mitologia romana que, segundo a lenda, teriam sido criados por uma loba e fundado a cidade de Roma. Os dois filhotes só viriam a ser anunciados pela empresa meses depois, já crescidos.
A atitude gerou, sobretudo, controvérsias e discussões acerca do que seria ou não uma espécie e se os lobinhos seriam, de fato, os mesmos que viveram durante o período Pleistoceno superior e Holoceno inferior, como foram anunciados. E o fato da Colossal ainda não ter publicado um artigo formal sobre tornou ainda mais grave as dúvidas e desconfianças do público geral e acadêmicos da área.
“Eles pegaram todo o genoma do lobo cinzento e editaram setores gênicos para que essa expressão, que chamamos de expressão gênica, tenha características aproximadas dos lobos terríveis”, esclareceu o docente Sérgio Nascimento Stampar do Departamento de Ciências Biológicas de Bauru.
“É como se você pegasse um carro que tem rodas aro 15, por exemplo, e outro carro com rodas aro 18. E, só para ficar parecido com o carro aro 18, você pegasse o carro com rodas aro 15 e colocasse aros 18. Não é o mesmo carro, você só colocou características para parecer com aquele outro”, exemplifica.
A discussão logo ganha característica ética quando a Colossal divulga também ter como objetivo reviver os famosos mamutes lanosos antes de 2028, com o propósito de reverter as mudanças climáticas.
Sobre isso, Stampar comenta: “Acho que essa questão da reversão climática não tem sentido nenhum com relação aos mamutes. Eu acho que muito provavelmente essa meta de ter indivíduos nascendo entre ‘27 e ‘28 é bem possível se eles já têm isso feito, e eu não duvido que já tenham”.
O professor confessa ter “receio que isso seja utilizado como uma forma de justificar a derrubada de florestas e destruições de habitats. Pela técnica em si é interessante, mas será que vale a pena esse investimento tão pesado em uma coisa que não vai ter uma aplicação tão prática quando já existe a técnica desenvolvida?”.
Em meio às críticas e comentários, a Colossal atestou que a publicação de um artigo científico formal sobre o assunto acontecerá em breve. Até o momento, apenas um pré-print (artigo ainda não revisado por pares) foi publicado na plataforma bioRxiv, além de posts no twitter(X) pela chefe científica da startup.
Aenocyon Dirus, os predadores popularizados pela cultura pop.
Aenocyon Dirus – ou como foi popularmente chamado: lobo terrível – é uma espécie de canídeo extinta que viveu durante a última grande glaciação, por volta de 10 a 12 mil anos atrás.
O primeiro registro fóssil reconhecido como de um lobo terrível foi um osso da mandíbula encontrado em 1854 pelo geólogo Francis A. Linck, em Evansvile, Indiana. Desde então, a espécie vem sendo estudada e, pela sua vasta área de ocorrência – toda a América do Norte e Central, assim como uma pequena parte na América Latina –, também tem sido muito bem descrita pela acadêmia.
Ao longo do tempo, provavelmente devido às suas características físicas especializadas para predação – para notar alguns exemplos: rostro e mandíbula levemente mais largos comparados com os atuais lobos cinzentos, dentes espaçados com pouco ou nenhuma sobreposição e/ou contato entre os pré-molares e incisivos profundamente implantados –, a espécie também ganhou um lugar especial como personagens em séries, filmes e livros de ficção, como o famoso lobo chamado Fantasma da série medieval épica Game of Thrones, de George R. R. Martin.
“Pelo que a gente sabe, eles [lobos terríveis] foram extintos pela falta de presas. Eles não conseguiam mais se alimentar, muito provavelmente com algum nível de interação de caça já por hominídeos, fazendo com que não houvesse mais fontes alimentares”, disse o professor Sérgio Stampar, quando perguntado sobre a espécie.
“Durante a última grande glaciação, por causa do porte desses organismos, a estrutura trófica da natureza, principalmente da região Americana, acabou se adaptando bastante, o que fez com que muitos organismos de porte, como os lobos terríveis, acabassem não tendo tantas pressas para se manter. […] Então a linhagem acabou perecendo nesse sentido”, concluiu Stampar.
Em 2024, os Lobos terríveis se tornaram foco principal da empresa Colossal Biosciences.
Para saber mais:
- https://www.cnnbrasil.com.br/tecnologia/o-que-se-sabe-sobre-a-empresa-que-recriou-o-lobo-extinto/;
- The Return of the Dire Wolf | TIME;
- https://colossal.com/species/;
- https://sci-hub.se/https://doi.org/10.1038/s41586-020-03082-x;
- https://theconversation.com/why-de-extinct-dire-wolves-are-a-trojan-horse-to-hide-humanitys-destruction-of-nature-254309;
