Após filme ser lançado com dublagem feita por Inteligência Artificial para serviço de streaming, profissionais da área destacam a importância de regulamentar o uso da ferramenta.

Por Maurício Júnior

Uma adição recente no catálogo brasileiro do serviço de streaming Prime Video gerou muitos comentários negativos de fãs de dublagem e profissionais da área nas redes sociais. Isso porque o longa metragem espanhol O Silêncio de Marcos Tremmer foi dublado pela plataforma a partir de ferramentas de inteligência artificial. Na visão dos telespectadores, a qualidade da obra ficou comprometida, substituindo o trabalho humano, e reacendendo uma velha discussão: a urgência da regulamentação normativa da I.A. em prol de maior garantia de direitos para a profissão.

A necessidade de regular o uso da inteligência artificial no mercado da dublagem é pauta na classe de trabalhadores da área desde 2022, visto os riscos que os avanços desenfreados da ferramenta podem causar para o futuro da profissão. Questões relacionadas a direitos autorais, como a alimentação de bancos de vozes para aprimoramento das I.A.’s e cláusulas contratuais, preocupam os dubladores jovens e experientes.

Não somente os atores em dublagem estão ameaçados pela tecnologia. O dublador, diretor de dublagem e podcaster Cassius Romero pontua que, nesse sentido, uma cadeia de profissionais é afetada.

“Dentro da própria dublagem podem acabar alguns departamentos, como por exemplo a tradução das obras, pois a inteligência artificial já está fazendo esse tipo de trabalho no lugar de profissionais humanos”, afirma Cassius.

Com 33 anos de experiência no ramo, Cassius tem uma visão positiva em relação ao investimento de empresas – tais como Warner, Disney e Iyuno – em dublagem artesanal, mas destaca que é necessário o artista ter o conhecimento da ferramenta.

“Quem dominar a I.A. para benefício próprio vai se manter no mercado, terá que ser um acordo muito bem feito entre as partes (dubladores e empresários). Não sei de que maneira haverá a junção da arte com a tecnologia, mas quem possuir essa ‘sacada’ de estudá-la irá se sobressair no mercado da dublagem”, conclui.

Cassius Romero – Instagram @cassius_romero_oficial

Movimento Dublagem Viva

Em qualquer meio de trabalho, a atuação sindical para reivindicação de direitos se faz necessária, e na dublagem brasileira essa base se sustenta. O surgimento de um movimento com esse caráter se fez necessário para a classe, como o Movimento Dublagem Viva, que atualmente conta com a adesão de diversos profissionais do país, como também de fãs dessa forma de arte considerada patrimônio cultural brasileiro.

A atriz em dublagem Ângela Couto é uma das representantes do movimento. Para ela, as ações legais reivindicadas pela classe estão contidas no Projeto de Lei 2338. “Trabalhamos um texto base junto da UVA (United Voices Artists) e depois criamos a Frente pela I.A. Responsável, construindo essa regulação mais ‘afinada’ com a legislação brasileira. Basicamente a proposta na fase do Senado manteve os mesmos princípios da LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais) e da Lei de Direitos Autorais. Foi um Projeto que demorou muito para ser aprovado”, disse.

Ângela Couto – Instagram @angela.s.couto

A atuação sindical e a união dos profissionais da dublagem vêm ganhando visibilidade, visto algumas Audiências Públicas conquistadas com o apoio de deputados e senadores. O Movimento ganhou força em Brasília nos últimos tempos, após um longo período de espera pela aprovação do PL no Senado.

“Queremos que a aprovação na Câmara seja mais rápida do que no Senado, pois as discussões fundamentais já foram feitas. As questões acerca de segurança e direitos trabalhistas e humanos devem se acentuar, mas esses tópicos reafirmam a urgência da aprovação. A pressão popular é que vai ditar o ritmo”, destaca Ângela.

Dubladores em Audiência Pública na Câmara – Instagram @dublagemviva

Ângela completa, com otimismo, que a classe já obtém um bom apoio legal, mas ainda há pontos que precisam ser bem definidos e estabelecidos. “O que precisamos é de uma fiscalização do uso da I.A. através de um tripé de regulação: transparência – identificação de sistemas, dados, créditos -, consentimento e compensação – como valores justos aplicados na remuneração dos envolvidos”, conclui.

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