Ainda persiste um olhar preconceituoso quando o assunto é a presença feminina em espaços culturais considerados “não convencionais” para elas, como os fã-clubes e fandoms
Por Bruna Arcanjo
Mas afinal o que são fandoms? O que significa ser fã? Quando tomamos a decisão e a consciência de que admiramos tanto alguém, que passamos a acompanhar cada passo e novidade? Existe uma idade limite para exercer esse papel?
Os autodenominados fandoms, também conhecidos como comunidades de fãs, nasceram do desejo dos admiradores de se relacionarem e trocarem experiências sobre seus interesses em comum. Com o crescimento da internet, esses grupos se fortaleceram, reunindo pessoas que compartilham as mesmas paixões e desenvolvem um forte sentimento de união e identidade coletiva.
Seguindo a etimologia da palavra, fã é abreviação do latim ‘fanaticus’, que significa entusiasta, louco. O amor incondicional e a dedicação sem fronteiras que muitas pessoas têm pelo seus ídolos é considerado estranho para quem está do “lado de fora”.
Apesar dos avanços conquistados nas últimas décadas em relação à igualdade de gênero, ainda persiste um olhar preconceituoso quando o assunto é a participação feminina em espaços culturais considerados “não convencionais” para elas — como os fã-clubes e fandoms. Quando mulheres, especialmente adultas, demonstram entusiasmo e dedicação por artistas, séries, filmes ou bandas, muitas vezes são alvos de estereótipos, sendo retratadas como “imaturas”, “obcecadas” ou até mesmo “ridículas”. Esse olhar depreciativo revela um cruzamento entre o machismo e o etarismo que ainda permeia a sociedade e a mídia.
A jornalista Mariana D’ Abril, em entrevista ao Jornal Contexto, destaca que “tudo o que é tido como feminino é menosprezado e não importa se é feito por uma mulher, homem, ou qualquer outro gênero.” Ela prossegue discorrendo sobre como pontos da LGBTfobia estão atrelados a misoginia, visto que muitas pessoas não entendem que o homem gay, bissexual ou pan, é tão “homem” como alguém hétero, independentemente de acompanhar um(a) artista, filme ou série. “Muitos sofrem ataques, justamente por terem gostos associados a mulheres. Ou seja, a mulher ‘mesmo fora da equação` é atacada e tratada como inferior” finaliza a mesma.

Da esq. para a dir. Maria Clara Dias Santos, Maria Eduarda da Costa Farias, Clara Ferreira de Morais e Matheus Coutinho Bonina no Festival Lollapalooza 2025
Foto: Clara Morais
A figura da “fã histérica” é um estereótipo antigo, com raízes no caráter biológico da emoção feminina. Esse termo ignora a profundidade da experiência emocional, a conexão com a arte e a capacidade organizativa de muitas dessas mulheres, que lideram comunidades inteiras com competência, criatividade e afeto.
No entanto, quando essas mesmas práticas são desempenhadas por homens — como colecionar camisas de times ou frequentar torcidas organizadas — são frequentemente vistas como hobby legítimo ou até como uma forma de expertise cultural.
A mídia muitas vezes reforça esse preconceito ao ridicularizar mulheres adultas envolvidas com fandoms, tratando o comportamento como algo fútil ou como um resquício de uma adolescência mal resolvida. Além disso, o etarismo se manifesta na cobrança social para que mulheres “cresçam” e abandonem interesses considerados jovens demais para sua idade, como se a paixão por arte, música ou cultura pop tivesse data de validade.
Esses discursos não apenas invalidam o prazer e a identidade dessas mulheres, mas também reforçam uma estrutura que limita a liberdade feminina de ocupar espaços de maneira autêntica. Os fandoms são, para muitos, espaços de acolhimento, empoderamento e troca intelectual, locais onde se articulam redes de apoio e criatividade, muitas vezes invisibilizadas pelo preconceito social.
É necessário, portanto, repensar como a sociedade e a mídia retratam as mulheres nos fandoms. Validar suas experiências é também validar sua autonomia, sua capacidade de escolha é sua paixão como algo legítimo, digno e potente. Questionar o olhar etarista e retrógrado é um passo fundamental para garantir que todas as expressões de afeto e pertencimento cultural sejam respeitadas — independentemente do gênero ou da idade.
“Quando descobri meu carinho e admiração pelo BTS (grupo de KPOP) não só ganhei ídolos para uma vida, mas amizades para compartilhar experiências incríveis. Graças aos fã clubes, pude conhecer pessoas que dividem o mesmo sentimento por eles que eu, e entendem a importância e diferença que esse grupo trouxe para a minha vida”, explica Giovanna Lareglia, que há dez anos é fã do BTS. Isso comprova que não existe data de validade para exercer aquilo que te faz vibrar.

Foto: Giovanna Lareglia/ Filme do Show “Permission to Dance” do BTS em 2022)
