No ano de 2024, 27 vereadores transexuais foram eleitos no Brasil, número menor do que no pleito de 2020

Por Melissa Inoue

Em 2023, houve 155 mortes de pessoas trans no Brasil, sendo 145 casos de assassinatos e dez de suicídios após violências ou devido à invisibilidade, segundo o dossiê “Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras” publicado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Apesar disso, a luta desse grupo tem conquistado espaço, mesmo que pequeno, nos cargos políticos por todo o país. Em 2020, houve o maior número de pessoas trans eleitas no Brasil, com 30 candidatos entre prefeitos e vereadores. Além disso, Erika Hilton foi a vereadora mais votada e primeira mulher trans a ocupar uma cadeira na Câmara Municipal de São Paulo. 

Por mais que essa representatividade seja imensamente menor em comparação a quantidade de cisgêneros que atuam no setor político, trata-se de um grande avanço, considerando que a primeira pessoa trans da história da política brasileira foi eleita em 1992, ou seja, apenas três décadas atrás. 

Kátia Tapety, ex-vereadora e vice-prefeita do município de Colônia do Piauí, atualmente tem 75 anos e está aposentada, mas já foi também parteira e dentista, bem como presidenta da Câmara Municipal. “Sempre dividi tudo o que tive: remédio, roupa, comida e enxada. Isso fez com que as pessoas me vissem como uma espécie de liderança comunitária. A Colônia do Piauí deixou de ser povoado de Oeiras em 1992 para virar cidade. Não demorou muito para pedirem que eu fosse vereadora, o que achei fabuloso. Parecia uma ironia do destino: eu, que passei a vida sendo escondida, agora ia representar o povo”, conta a pioneira em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo. 

Kátia Tapety, primeira pessoa trans a se eleger para um cargo na política brasileira (Foto: Reprodução/Facebook/@katia.tapety)

Diante desse contexto, qual seria o motivo da queda de candidatos eleitos em 2024 – de 30 para 27 – mesmo com tanto avanço contra o preconceito nas últimas três décadas de luta da comunidade transexual? A violência de gênero na política e a falta de apoio dos partidos são colocados como principais fatores que dificultam o ingresso e a permanência das pessoas trans em cargos políticos.

Segundo Isabelly Carvalho, mulher trans e vereadora de Limeira pelo Partido dos Trabalhadores (PT), a violência política de gênero é muito pesada, principalmente para as mulheres trans e travestis. “Combater exclusão, discriminação, invisibilidade, difamação, enfim,  faz parte da resistência diante de um conjunto que nos quer ver fora dos cargos políticos”, declara.

Isabelly Carvalho (PT), primeira vereadora trans eleita em Limeira (Foto: Divulgação)

Para a parlamentar, a forma de enfrentar o preconceito é respondendo a altura. “A gente utiliza os mecanismos a partir do grau de violência que recebe. Por exemplo, em Limeira, houve uma época em que grupos se organizaram para atacar meu mandato, o nosso mandato, com ameaças, xingamentos e transfobia, publicamente e via deep web. E então nós nos organizamos, montamos um dossiê e levamos para o poder judiciário e a polícia, para que o caso fosse investigado, e os responsáveis identificados e punidos”, relata. 

Isabelly acrescenta que os movimentos sociais têm sido o principal fator para o crescimento de candidaturas de pessoas LGBTQIAPN+, e que ela mesma participou desses coletivos.

Apoio a pessoas transexuais no Brasil

Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Imagem: Divulgação/Antra) 

A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) é uma rede que tem instituições em todo o país e realiza ações para promoção da cidadania dessa população. A organização existe há mais de 20 anos e, atualmente, tem 127 pontos ativos. 

A premissa defendida é que pessoas transexuais e travestis precisam do apoio da sociedade e de garantia de direitos básicos, assim como quaisquer outras, por isso, precisam ser ouvidas e acolhidas. Logo, ter representantes dentro da política para dar visibilidade às suas causas é essencial, mas não são todos que concordam com essa afirmação. “Política não é a identidade de gênero dos representantes. Na minha visão, não seria necessário eleger representantes trans na política, pois qualquer político, independentemente de sua identidade, pode trabalhar em favor dos direitos de todas as pessoas, incluindo as transexuais”, opina o estudante de agronegócio Matheus Basílio.

Em geral, a transfobia e o preconceito com a comunidade LGBTQIAPN+ , no Brasil, atingem níveis alarmantes. Os dados são apontados pelo painel do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDH), que divulga indicadores sobre violações de direitos humanos no país. No primeiro semestre de 2024 (janeiro a maio) foram registrados 33.935 mil casos de violência contra pessoas que se autodeclaram LGBTQIAPN+.

Segundo o levantamento do Antra, cerca de 90% da população transexual brasileira possui a prostituição como fonte principal de renda, sendo, assim, marginalizada. 

O Brasil foi o país que mais matou pessoas transexuais em 2023, pela 15º vez consecutiva, segundo dados do dossiê “Assassinatos e Violências Contra Travestis e Transexuais Brasileiras”, ultrapassando até números de nações nas quais há a criminalização da população LGBTQIAPN+, como a Arábia Saudita. 

Mesmo a transfobia sendo classificada como crime no Brasil, trata-se de uma realidade presente em todo o território nacional. Erika Hilton, em uma entrevista ao programa “Mais que 8 minutos”, do canal do YouTube “Rafinha Bastos”, conta que, quando era adolescente, foi expulsa de casa porque sua mãe foi influenciada por pessoas da igreja a acreditar que ser transexual era errado aos olhos de Deus. A deputada entende que as pessoas “insistem em criar uma guerra entre a igreja e as pessoas LGBTQIAPN+”. 

Dentro da política, esse discurso de ódio em nome de “Deus” é muito comum. Érika afirma também que o Deus que ela segue e acredita não espalha ódio e ataca pessoas que são discriminadas pela sociedade. 

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