Eleição de Lucas Pavanato para a Câmara dos Vereadores de São Paulo reacende o debate sobre o uso da pauta antitrans como plataforma política
Por Luiza Lima
As eleições municipais de 2024 revelaram um possível inimigo que, por muito tempo, esteve camuflado: a ameaça conservadora contra a comunidade LGBTQIAPN+, principalmente com alvo nas pessoas trans e travestis.
Em São Paulo, vimos que, além de Amanda Paschoal (PSOL) – a quinta vereadora mais votada e a única mulher trans eleita na capital paulista –, o eleitorado elegeu Lucas Pavanato (PL) para a Câmara Municipal.
Lucas Pavanato de Oliveira está envolvido com política desde 2013, quando participou dos protestos contra o aumento da tarifa dos ônibus durante o Governo Dilma. Em 2018, com 20 anos, foi estagiário de Fernando Holiday, ex-coordenador do Movimento Brasil Livre (MBL), e se tornou conhecido por ser um “LGBT de direita”. Já em 2022, Pavanato concorreu ao cargo de deputado federal. Com 36 mil votos, não se elegeu, mas alcançou um lugar como suplente.

Em entrevista ao Jornal da Gazeta, Lucas Pavanato diz que o deputado federal Nikolas Ferreira o ajudou nas eleições para que pudesse se tornar um braço na luta pelo conservadorismo.
Apoiador do ex-presidente Jair Bolsonaro e do então candidato à prefeitura de São Paulo Pablo Marçal, Lucas Pavanato tem forte presença nas redes sociais, que são as principais ferramentas para sua campanha vitoriosa. Essa estratégia é utilizada por outros candidatos de direita para dar voz às políticas conservadoras. Com 1,2 milhão de seguidores no Instagram e 1,3 milhão no TikTok, Pavanato espalha discursos machistas, homofóbicos e transfóbicos por meio de ridicularizações disfarçadas de piada.
Com apenas 26 anos, o vereador eleito mostra como a juventude tem se alinhado a pautas conservadoras e que recorrem a plataformas de grande popularidade, fácil acesso e disseminação para serem aceitas. No podcast Flow News, Pavanato pôde falar sobre sua perspectiva desse cenário. “Em São Paulo, temos a chance de levar jovens em grande escala a se interessarem por política e estarem do lado da direita, assim como o Nikolas Ferreira fez em Belo Horizonte”, analisa.
“Os políticos conservadores se utilizam de símbolos que marcam o espírito da juventude, como o esporte vinculado a uma visão patriótica e nacionalista. E é algo muito forte e muito atraente porque a juventude brasileira se vê no esporte, no futebol”, explica o cientista do estado Rojú Soares.
De acordo com o profissional, no cenário atual, a juventude vem crescendo em um mundo que passa pelo que chama de “crise de referência”, isto é, uma incerteza a respeito do que seguir ou em quem se espelhar. “Quem consegue entender que existe um espírito revolucionário e contestatório que é próprio e latente dessa fase da vida compreende qual é o tipo de linguagem que deve se usar para disputar as mentes dos mais novos. E esses políticos de extrema-direita, como Pablo Marçal e Pavanato, entenderam essa linguagem e utilizam isso muito bem. Só que não de forma ética”, reflete.
AS PROPOSTAS DE LUCAS PAVANATO
À Revista Oeste, Pavanato diz que não consegue defender sua opinião sem ser considerado preconceituoso. “Quando dizemos que homem é homem e mulher é mulher, somos taxados de preconceituosos e transfóbicos. Na verdade, isso é o óbvio e eu farei com que o óbvio seja praticado”, defende o vereador eleito.
Em seu panfleto de propostas, Pavanato diz que pretende proibir que mulheres trans utilizem o banheiro feminino. Além disso, o vereador declara a intenção de impedir a redesignação sexual, termo que se refere à cirurgia para mudança de sexo conforme a identidade de gênero do individuo. O ataque à comunidade trans – e LGBTQIAPN+ em geral – é um ponto forte para sua campanha e, como em outras, é embasado no pânico moral que coloca mulheres/pessoas trans como uma ameaça à infância e inocência das crianças.
Para fundamentar sua proposta, Pavanato ressalta que permitir que mulheres trans e mulheres cisgênero frequentem o mesmo banheiro é incentivar uma situação de risco e vulnerabilidade. “Existem muitos casos de homens biológicos que se identificam como mulheres e se acham no direito de usar o banheiro feminino. Se permitirmos esse tipo de coisa, estaremos contribuindo para a violência contra a mulher”, alega o vereador eleito por meio de suas redes sociais.
“É possível, sim, passar uma legislação nesse sentido. Agora, se a decisão se sustenta na Constituição Federal? Não. Isso porque a carta magna coloca como fundamento da República a dignidade da pessoa humana e os tratados de direitos humanos. Assim, todos têm o mesmo nível na nossa Constituição”, explica a advogada formada pela Universidade de São Paulo (USP) e mestranda em Direito em Harvard Victória Dandara.
Diante do teor da campanha, a candidata a vereadora Carol Iara (PSOL) entrou com uma representação no Tribunal Regional Eleitoral (TRE-SP) contra Lucas Pavanato sob o argumento de transfobia em seus materiais de veiculação e divulgação. O TRE-SP analisou o caso e manteve o material em circulação, alegando defesa da liberdade de expressão do, até então, candidato Lucas Pavanato.
A campanha do vereador eleito e o seu plano de governo são pautados no combate à ideologia de gênero, defesa à vida e aos princípios e valores conservadores. Durante entrevista à Jovem Pan, Pavanato identificou esses princípios em seu eleitorado. “Quem votou em mim foram os eleitores conservadores da cidade de São Paulo, que se identificam com o perfil do Nikolas Ferreira, combatendo a ideologia de gênero, defendendo a família e a vida”, comentou.
Para Rojú Soares, os partidos de direita têm conseguido afetar e manipular a subjetividade e os príncipios das pessoas por meio da religião. “Nós, brasileiros, somos um povo muito religioso. Assim, nesse diálogo, esse grupo coloca um sentido conservador e reacionário que beneficia o projeto político que representa. Eles utilizam a demonização das populações LGBT+, do movimento feminista, do comunismo, da educação, da ciência, do negacionismo da crise climática para manipular as pessoas”, analisa.
O PANORAMA DAS ELEIÇÕES
A eleição de Lucas Pavanato pode significar o fortalecimento dos ideais de direita e o alinhamento do eleitorado paulista com os princípios, valores e políticas conservadoras. “Quando a gente está falando de figuras alinhadas com a extrema-direita, falamos de um setor que se encontra muito preocupado e coordenado para disputar os sentidos das coisas no senso comum. Ou seja, os significados das nossas tradições enquanto sociedade”, pondera Rojú Soares.
Nos pleitos municipais de 2024, incluindo Lucas Pavanato, 469 candidaturas com “identidade religiosa” foram eleitas no primeiro turno, comprometidas com “seus valores e princípios”. Este levantamento exclusivo foi elaborado pela Nexus – Pesquisa e Inteligência de Dados, da FSB Holding, a partir de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“O discurso religioso manipulado se utiliza de referências que são muito importantes e sensíveis da coletividade no Brasil para fazer as parcelas mais amplas da sociedade se aproximarem de agendas muito reacionárias”, explica Rojú Soares. “O ódio acaba fazendo com que as pessoas excluam umas às outras, se vejam como inimigas a serem combatidas. Isso não tem nada a ver com o que a religião deveria trazer para a gente. Existe uma manipulação muito cruel”, acrescenta.
Já para Lucas Pavanato, é a esquerda que tem deturpado os meios para chegarem ao poder. “Se for necessário que passem por cima da moral e ética para ganhar o público, assim farão. Diferentemente de alguém que tem valores cristãos e acredita em uma moralidade objetiva, do certo e errado. Então, não vale tudo para chegar ao poder”, ressalta o vereador em declaração à Jovem Pan.
Sobre os resultados das Eleições Municipais de 2024, Victória Dandara se diz muito contente com a vitória de Amanda Paschoal em São Paulo e com a reeleição de Benny Briolly em Niterói, no Rio de Janeiro. “Mas, ao mesmo tempo, acho muito preocupante o cenário dessas candidaturas: em meio a um poço de conservadorismo. Temos a Amanda, mas temos também candidatos que falam abertamente que vão caçar os direitos das pessoas trans”, opina a advogada.
A oposição entre os eleitos e suas propostas mostra que muitas discussões e debates acontecerão na Câmara Municipal. “Vou estar aberto para conversar, mas sem abrir mão dos meus princípios. Serei a maior pedra no sapato do PSOL e sua agenda ‘Woke’, que tenta avançar na cidade de São Paulo “, esclarece Pavanato ao UOL.
Ainda como o terceiro vereador mais votado da história da cidade de São Paulo, surge como um sinal de alerta às suas companheiras de Câmara Municipal e aos cidadãos. “Quem vai garantir que elas [mulheres trans eleitas] estejam ali, protegidas, que não vão ser atacadas, que não vão ser violadas? Isso, para mim, é preocupante porque esses candidatos conservadores chancelam um discurso que está em voga na nossa sociedade. E aí, cabe a nós disputar para que esse discurso não seja hegemônico”, analisa Victória Dandara.
ESQUERDA X DIREITA
Para Lucas Pavanato, de acordo com declarações feitas ao canal Brasil Paralelo, a esquerda política brasileira é um movimento de engenharia social totalitário, que manipula por meio de mudanças da linguagem e debates públicos. Por outro lado, o vereador aponta a direita política como forma de “endireitar” São Paulo por meio da defesa de princípios, ocupação de cargos dignos e disputa dos espaços de poder que antes eram direcionados somente à esquerda.
A Pesquisa sobre o Panorama Político 2024, feita pelo DataSenado em parceria com a Nexus, revela que a maior parte dos brasileiros diz ser de direita. Em linhas gerais, os entrevistados se identificaram como: 29% de direita, 15% de esquerda, 11% de centro e 45% não sabiam ou não se identificavam com nenhum posicionamento político.
O resultado do levantamento mostra uma realidade que tem sido pouco discutida.
Conforme interpretam ambos os entrevistados, a esquerda política, em geral, assume papel fundamental na defesa dos direitos de grupos minoritários, mas acaba sendo vista como moderada e que se abstém de posicionamentos mais fortes. “Sempre na defensiva e se pautando pelo outro lado. Essa esquerda se limita a defender e atuar dentro dos instrumentos e instituições da democracia liberal, mas isso não é suficiente para disputar as consciências e os significados que as pessoas têm com relação às questões da vida”, critica Rojú Soares.
A advogada, por sua vez, entende que há a necessidade de um projeto de esquerda mais radical e sem medo de defender abertamente travestis, transexuais e muitas outras pautas consideradas tabus. “Muito pelo contrário, que a gente use disso para disputar consciências, para conscientizar a população e fazer pressão popular para que esses projetos nem sequer sejam aprovados”, examina.
Para Victória Dandara, existe um quadro generalizado de todas as formas de discriminação. Por isso, em sua visão, torna-se necessário um movimento popular que cobre as entidades responsáveis por políticas de justiça e segurança capazes de proteger os alvos dessa violência. “Porque esse é o ponto. Quando o questionamento é se a gente [pessoas trans] pode ou não usar um banheiro, pode ou não praticar esporte, pode ou não fazer uma cirurgia, no fim do dia, a pergunta é: podemos ou não existir?”, finaliza a advogada.
