Com o debate da “PL da mensalidade”, o Jornal Contexto traça um panorama atualizado do perfil dos estudantes das instituições públicas de ensino superior de São Paulo
por Camila Possente
Um estudo do IBGE revela que 56% dos estudantes de universidades públicas brasileiras pertencem às famílias que figuram entre os 20% mais ricos do país. Esse é o dado usado como argumento pelo deputado Léo Siqueira, do Partido NOVO, para defender a criação do Projeto de Lei n° 672 de 2024. Os números, apesar de assustadores, são verdadeiros – ou, ao menos, eram em 2004.
A última atualização do estudo divulgada pelo IBGE é de 2013 e, além de um declínio no número de estudantes pertencentes aos 20% mais ricos do país (de 56% em 2004 para 38,8%), apontou também um aumento no número de universitários pertencentes aos 20% mais pobres, que foi de 1,7% em 2004 para 7,2% em 2013.
Vinte anos depois do primeiro estudo, muita coisa mudou. A adoção do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) como forma de vestibular, a implementação do sistema de cotas raciais e sociais e a criação do Provão Paulista surgiram como formas de inclusão de estudantes de baixa renda nas universidades do estado de São Paulo, que, seguindo a tendência de 2013, ocupam cada vez mais espaço.
Para entender o perfil socioeconômico médio atual dos universitários paulistas, o Jornal Contexto acessou e sintetizou os dados mais recentes divulgados pela Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Universidade Estadual Paulista (Unesp) referentes ao questionário socioeconômico respondidos por alunos ingressantes.
Universidade de São Paulo (USP)
De acordo com o relatório QASE 2024, dentre todos os 8.674 estudantes convocados na primeira chamada, há equilíbrio na divisão por sexo: 54,1% são homens e 45,9% são mulheres. A maioria desses convocados, 70%, é branca, seguida por 17% pardos, 6,3% pretos, 5,9% amarelos e apenas 0,1% indígenas.
Rosa Baptista, coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes da USP, considera que a baixa diversidade racial é uma realidade omitida e pouco discutida pela reitoria e pela institucionalidade da Universidade de São Paulo.
“A USP tem esse discurso de que é diversa, de que tem gente de todos os gêneros, raças e classes, e até certo ponto é verdade, principalmente se compararmos com dados de dez, cinco anos atrás. Mas é um número muito pequeno ainda. Seria muito mais equilibrado se a composição dos alunos da USP refletisse a da população de São Paulo”, analisa.
No quesito econômico, de acordo com a classificação do IBGE e do Instituto FGV, predominam os alunos de classe média (45,3%), com destaque para os que possuem renda familiar entre três e cinco salários mínimos: estes correspondem a 17,8% do total. Assim, 12,3% dos convocados pertencem à classe baixa – ou seja, possuem renda familiar de até dois salários mínimos – e 11% pertencem à classe alta, com renda de 20 salários mínimos ou mais.
“Está no imaginário da população que universidade pública é pra quem é rico, mas porque não compreendem o que é ser rico. Nosso país é desigual demais e, pra quem é muito pobre, pessoas que têm dinheiro suficiente para viver confortavelmente são consideradas ricas. Os alunos da USP são, em maioria, pessoas que cresceram com alguma qualidade de vida, mas não são ricos. Os ricos de verdade nem estudam no Brasil”, diz Rosa, que considera a ideia de que a universidade pública é ocupada por milionários ultrapassada e sem comprovação na realidade.
Outro dado que chama atenção é a quantidade de estudantes cujos responsáveis possuem ensino superior completo – 64,3% para o primeiro e 53,5% para o segundo, somando os números das categorias ensino superior completo, pós-graduação incompleta e, a predominante, pós-graduação completa. Para Rosa, que considera difícil o vestibular que garante o ingresso na instituição, a Fuvest, dados como estes evidenciam que ter pais que estudaram pode fornecer apoio ao aluno e expandir suas ambições acadêmicas.
“Quando uma pessoa tem pais que fizeram faculdade, principalmente uma pública com algum renome, não tem só o anseio de trilhar o mesmo caminho, mas tem também o apoio pra estudar. A grande massa de estudantes de escola pública de periferia não consegue conceber a ideia de entrar na USP porque ninguém da família dela fez isso. Elas têm outras coisas com o que se preocupar”, pondera a coordenadora geral do Diretório Central dos Estudantes.

Praça do Relógio no campus da USP em São Paulo (Foto: divulgação)
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
Para analisar o perfil socioeconômico dos estudantes da Universidade Estadual de Campinas, a reportagem se utiliza de dados referentes ao questionário respondido pelos 3.452 alunos matriculados no ano de 2023.
Apesar de a Unicamp apresentar diferença ainda menor que a USP entre homens e mulheres convocados (52,8% e 47,2%, respectivamente), Kethlyn Kethriny, coordenadora geral do DCE Unicamp, considera que, dentro do corpo estudantil geral, esse equilíbrio não se sustenta. “Por mais que essas mulheres passem no vestibular e se matriculem, também são elas que possuem a maior taxa de evasão. Por uma questão de permanência, elas acabam mais suscetíveis a desistir da faculdade do que os homens”, revela.
Alunos brancos também compõem a maioria, sendo 62,5% dos matriculados. Apesar disso, os números indicam certa diversidade racial: 22,8% dos estudantes são pardos, 7,0% pretos, 3,9% amarelos e 3,4% indígenas. “Hoje a Unicamp é uma faculdade um pouco mais diversa porque nós lutamos muito, fizemos greve em 2019 pela implementação das cotas raciais, conquistamos o vestibular indígena, a cota para pessoas com deficiência e estamos pra aprovar as cotas trans também”, comenta Kethlyn.
Espelhando os resultados de 2024 da USP, a maioria dos matriculados na Unicamp também é de classe média (59,8%), ou seja, possui renda familiar entre dois e dez salários mínimos. As porcentagens das outras classes são 16,9 para a baixa, 15,4 para a média-alta e 7,6 para a alta. “Atualmente, as pessoas mais ricas estão na PUC, na Mackenzie, e em muitas outras universidades que elas podem pagar. Hoje, aqui, muita gente não tem dinheiro pra se sustentar. Não somos milionários, quem dirá bilionários. As pessoas de classe alta são minoria mesmo”, ressalta a coordenadora.

Unicamp, campus de Campinas (Foto: divulgação)
Universidade Estadual Paulista (Unesp)
Assim como a Unicamp, a Universidade Estadual Paulista não divulgou os dados referentes aos matriculados em 2024. A reportagem toma por base os números publicados em relatório pela Fundação Vunesp em 2023, referentes ao questionário respondido pelos 6.829 alunos ingressantes.
Apesar de também apresentar equilíbrio quanto ao sexo dos estudantes, a Unesp conta com um diferencial: ao contrário das universidades citadas anteriormente, os matriculados são de maioria feminina (52,3%).
Maria Clara Buchalla, delegada do curso de jornalismo, afirma que, embora o equilíbrio entre gêneros seja observado na universidade, muitas das não chegam a se formar. “Nós temos uma maioria feminina no número de ingressantes, mas temos que pensar que muitas delas não conseguem terminar a faculdade. Há casos de mulheres que engravidam e largam o curso, de muitas que precisam voltar para casa para cuidar da família. A permanência dessas estudantes é algo que precisa ser trabalhado”, analisa.
A diversidade racial, por sua vez, não é grande: de acordo com o relatório, 72,1% dos matriculados são brancos, 17,9% são pardos, 6,2% pretos, 3,7% amarelos e apenas 0,1% são indígenas.
A classe média lidera o quesito econômico novamente, atingindo a marca de 69,3% do total de estudantes. A Unesp também apresenta a menor porcentagem de alunos da classe alta: apenas 3%. As classes baixa e média-alta somam 14,1% e 13,6%, respectivamente.
“A Unesp está com uma política de tentar fazer com que metade de cada sala seja constituída por alunos de escolas públicas, o que é maravilhoso, mas é preciso também pensar na permanência. O Diretório Central dos Estudantes da Unesp, que estava desligado há muito tempo, acabou de ser refundado. Eu estava lá, e nós adicionamos ao estatuto muitas políticas de permanência estudantil para garantir que o apoio fornecido aos discentes de baixa renda vá além de passar no vestibular”, afirma Maria Clara.

Unesp, campus de Bauru (Foto: divulgação)
Balanço
Diante dos dados, é possível constatar que, se, há 20 anos, as elites dominavam as universidades públicas, atualmente, a classe média, especialmente com renda familiar entre dois e cinco salários mínimos, é maioria. Racialmente, apesar de haver avanços e as universidades buscarem aumentar a diversidade do corpo estudantil, a maioria branca prevalece.
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