O retorno de tendências de moda e de métodos arriscados de emagrecimento são alguns dos fatores que trazem à tona o debate sobre a diversidade de corpos

Por Esther Chahin
O ano era 2018, e o Victoria’s Secret Fashion Show acontecia, até então, pela última vez. O que tornava aquele o último desfile das modelos esquálidas em lingeries vestindo asas suntuosas eram as polêmicas e a baixa na audiência. Embora recebessem críticas pela falta de diversidade na identidade da Victoria’s Secret, os CEO e CMO da marca à época, Les Wexner e Ed Razek, recusavam-se a aderir às mudanças sociais do período.
Entretanto, aquele não era, de fato, o fim do tradicional evento de moda. Em 2024, seis anos após a última edição, celebridades reuniram-se novamente no Pink Carpet, performers em alta nas paradas musicais embalaram a passarela com suas canções e, principalmente, cerca de 50 modelos desfilaram pela Victoria’s Secret – dentre as quais, apenas cinco eram plus size.
“Os corpos reais do nosso dia a dia não estão sendo representados pela mídia. O capitalismo precisa construir um protótipo de corpo para que todo mundo se sinta insatisfeito com o próprio e consuma. A grande maioria da população não possui esse padrão e não vai alcançá-lo por mais que se esforce. Quem consegue são poucas pessoas, com muito dinheiro”, explica Malu Jimenez, filósofa, pesquisadora, ativista e idealizadora do projeto ‘lute como uma gorda’.
Ozempic e ovos de tênia
Para além do ressurgimento da grande marca de moda íntima, outros acontecimentos recentes denunciaram a hipervalorização do corpo magro.
O Ozempic, medicamento indicado no tratamento de pacientes portadores de diabetes tipo 2, é conhecido por ampliar a sensação de saciedade e induzir à perda de peso. O remédio viralizou nas redes sociais após celebridades e influenciadores – como Jojo Todynho, Dayanne Bezerra e Oprah Winfrey – revelarem o uso da medicação. Em agosto de 2023, a Novo Nordisk, fabricante do Ozempic, tornou-se a empresa mais valiosa da Europa, com valor de mercado em torno de 425 bilhões de dólares.
Nesse sentido, a nutricionista comportamental Mariana Ferrari ressalta: “Hoje, algumas pessoas falam sobre a romantização da obesidade, o que na verdade não existe. A gente tem uma romantização da magreza, e não paramos para identificar o que isso está causando na vida de um indivíduo”. A profissional afirma que, em alguns casos, a magreza pode ser base de transtornos alimentares, privação alimentar e saúde mental debilitada.
Neste ano, contudo, o uso inadequado de Ozempic não foi o único método de emagrecimento perigoso estampando as manchetes. Em agosto, o médico oncologista estadunidense Bernard Hsu publicou em seu canal do YouTube, Chubbyemu, um vídeo no qual relata o caso de uma paciente, identificada pelo pseudônimo “TE”, que ingeriu propositalmente comprimidos contendo ovos de tênia com o objetivo de perder peso.
Entretanto, para além do vídeo publicado pelo médico-criador de conteúdo, não há outras informações que comprovem a veracidade do caso. A proposta do canal de YouTube Chubbyemu é compartilhar histórias de pacientes que Bernard Hsu ou seus colegas presenciaram, não havendo maiores detalhes. Ainda assim, é importante o alerta sobre os riscos de métodos de emagrecimento sem comprovação científica ou sem a indicação de profissionais de saúde.
Magreza e saúde
Embora o corpo magro seja popularmente relacionado à saúde, Mariana aponta que, quando se fala em vida saudável, os chamados fatores protetivos são mais importantes do que o peso, conforme indicam estudos.
“Quando fatores protetivos – como alimentação contendo frutas e verduras, prática regular de atividades físicas e não ingestão de bebidas alcoólicas – foram incluídos no estilo de vida de indivíduos eutróficos, com sobrepeso e obesos, a taxa de mortalidade entre os três igualou-se. Ou seja, se tornou a mesma para a pessoa eutrófica e obesa”, detalha.
A nutricionista ainda afirma: “isso mostra para gente que não é sobre o peso da pessoa, o corpo da pessoa, mas sim o estilo de vida que ela tem”.
Camila Lodi, nutricionista de emagrecimento, diverge. “Uma pessoa magra, na minha opinião, é alguém que está com todos os seus exames bons. É um indivíduo que consegue fazer todas as suas atividades do dia a dia de uma forma leve e tranquila. É uma pessoa que está bem psicológica e emocionalmente”, expõe a profissional.
A entrevistada prossegue afirmando que existem pessoas aparentemente magras, mas que a saúde, em geral, não está “boa”. Camila enfatiza que, nesse caso, o indivíduo não emagreceu, ou seja, tecnicamente não está magro de uma forma correta.
Sobre os riscos da magreza, Lodi, contudo, diferencia: “uma coisa é buscar emagrecer pela própria vontade, para melhorar a saúde. Agora, outra é você estar em uma sociedade que te impõe essa magreza e começa a trazer métodos como medicamentos e dietas da moda. Isso pode desencadear diversos transtornos e prejudicar tanto a saúde física quanto mental do indivíduo”, ressalta.
A pluralidade de corpos ao longo do tempo
Diferentemente do que se observava nas calças de cintura baixa e camisetas baby look dos anos 2000, em meados de 2015, a magreza já não era tão cultuada assim. À época, influenciadores movidos pelos valores do movimento body positive – como a brasileira Alexandra Gurgel e a norte-americana Ashley Graham – aumentaram o seu alcance.
Além disso, em março de 2017, por exemplo, a Nike, gigante marca de artigos esportivos, inovou ao lançar a sua primeira linha de produtos voltados ao público plus size.
Entretanto, Malu Jimenez, quem ressalta que as reivindicações do ativismo gordo vão muito além da auto-aceitação, critica a efemeridade dos chamados movimentos body positive. “Com o retorno da supervalorização da magreza, as pessoas que, inclusive, representavam esses movimentos corpo livre, body positive, começam a fazer dietas, vender produtos de emagrecimento, mostrando que não era um movimento social, era muito mais um hype (tendência), o que, naquele momento, dava curtidas e seguidores”, observa.
Ainda que acontecimentos recentes denunciem a volta do culto à magreza ao imaginário social, Mariana Ferrari sugere ações para contornar o cenário: “trazer questionamentos e perguntar se estamos retrocedendo é exatamente o caminho. Tantos anos se passaram e será que nada mudou? Tanto se falou sobre diversidade, tamanhos de corpos, qual deve ser a continuidade disso?”, indaga.
