Mais do que incêndios criminosos, as queimadas no Brasil em 2024 são resultado das crises climáticas no mundo.

Por Beatriz Marrancone

Com um saldo de 22,38 milhões de hectares queimados, perda significativa da biodiversidade, mais de 31 milhões de toneladas de gás carbônico emitidos na atmosfera, chuva preta, fuligem e uma queda drástica na qualidade do ar, as queimadas de 2024 já se tornaram uma das maiores crises ambientais das últimas décadas no Brasil.

Os incêndios florestais, que tiveram seu ápice nos meses de julho a agosto, já somam despesas bilionárias para os municípios brasileiros e especialistas apontam as mudanças climáticas como principais agravantes da situação.

As queimadas no Brasil são uma prática antiga, utilizada na sua grande maioria para a renovação do pasto após a agricultura ou para limpar terrenos para essa mesma prática. Contudo, a frequência e a intensidade com que elas vêm acontecendo aumentaram drasticamente nos últimos anos, ganhando uma notoriedade especial no ano de 2024.

Com um aumento de 150% em relação ao ano passado, 2023, segundo um levantamento feito pelo Monitor do Fogo MapBiomas, os focos de incêndio tiveram sua maior concentração em estados do norte e centro-oeste do Brasil, como Mato Grosso, Pará, Amazonas, Mato Grosso do Sul e Tocantins. Contudo, afetaram o país como um todo e trouxeram consequências espantosas para a vida da população.

Mas afinal, por que isso está acontecendo?

Você já deve ter ouvido falar sobre as mudanças climáticas, o efeito estufa e o aumento na temperatura média no planeta. Em resumo, essas são as principais causas da mudança na dinâmica ambiental dos biomas brasileiros. Essa variação no clima tem feito com que áreas onde incêndios florestais sem interferência humana eram raros passem a registrar ocorrências; e outras, onde esses incêndios já eram comuns, apresentem uma frequência alarmante.

O biólogo e mestrando em biodiversidade e conservação, Luan Pasquetta, comentou o assunto. “A Amazônia é um bioma onde a taxa de umidade é muito alta, proveniente principalmente da água dos rios da região. Então, um incêndio natural na Amazônia é algo quase impossível”, explicou.

Contudo, segundo o biólogo, a seca resultante das mudanças climáticas ainda pode potencializar incêndios criminosos. “A seca faz com que os rios recuem bastante, como se fosse uma ressaca marinha. E com a diminuição da área de influência desse rio, a mudança da calha e do volume total, a taxa de umidade também diminui. O que faz com que os incêndios criminosos acabem tendo uma proporção muito maior”, disse.

No Cerrado, bioma onde as queimadas já são algo comum de acontecer em meses de estiagem, período que vai de maio a setembro, a dinâmica da seca também é bem parecida. “O Cerrado já tem incêndios naturais, mas com o aumento da seca, isso potencializa o fogo. Essa vegetação seca vai fornecer combustível para o fogo continuar”, explica Luan.

A Mata Atlântica, predominante no litoral do sudeste brasileiro, tem um clima parecido com o amazônico, mas que, diferente dele, tem ocorrido incêndios onde a causa deixou de ser apenas humana, muito por conta da urbanização presente na região, como conta Pasquetta. “Como a gente tem muita urbanização, a gente tem incêndios provenientes da alteração climática”.

Por fim, na região do Pantanal, onde o número de focos de incêndio em agosto foi de 4.111 registros, a taxa mais alta desde 2005 referente ao mesmo mês, o mestrando aponta para o fato da região ser em sua maioria usada para pastagem, o que aumenta o número de incêndios criminosos.

O pecuarista e engenheiro agrônomo mineiro, José Custódio Pinto Costa, de 77 anos, relatou em entrevista a possível origem do incêndio ocorrido em suas terras no ano passado. “Suspeitamos que o incêndio foi iniciado por conta de uma bituca de cigarro de um caçador de pássaros na mata”, e completou, dizendo: “é evidente que a estiagem prolongada na região aumenta o risco de incêndio e prejudica a pastagem.”

Felizmente, o incidente não teve um grande impacto na sua vida pessoal, o que não reflete a realidade de todos os brasileiros acometidos por isso. Todavia, o pecuarista informou que ainda assim houve consequências. O fogo “matou muitas árvores e animais silvestres”, além da destruição das pastagens e consequente redução da produtividade pecuária, relatou ele.

José Custódio, morador de Passa Quatro, cidade mineira que fica próxima à divisa com São Paulo, alertou para a importância de “ficar mais vigilante e cuidadoso com o fogo”. Este é apenas um dos casos de incêndios que vêm sendo causados pelas mudanças climáticas nos últimos anos e afetando a vida de agricultores e pecuaristas Brasil afora.

Nas grandes cidades, a situação não é muito melhor que no campo. Luan detalha como as dinâmicas de chuva funcionam no Sudeste, e principalmente em São Paulo. “80% a 90% das chuvas daqui (São Paulo e região) são provenientes das chuvas amazônicas”. Além disso, ele atenta para os eventos extremos provocados pelas mudanças climáticas.

Então, além dos longos períodos de estiagem, “nos períodos de chuvas, temos semanas, meses chuvosos. Chove 60 mm ao longo de duas semanas, dando tempo para o solo absorver essa água, as plantas têm tempo de incorporar, tem tempo de recarregar os lençóis freáticos. Só que o que acontece são eventos extremos, então ao invés de chover 90 mm ao longo de duas, três semanas, chove isso em um dia”, ele explica.

Ele completa que nesse segundo cenário, que atualmente estamos vivendo, as consequências de um grande volume de chuva de uma só vez são que “o solo não vai ter tempo de absorver (a água), vai acontecer lixiviação, que é quando a chuva arrasta os recursos do solo. Além de erosão e danos aos moradores.”

Diante de um cenário tão alarmante, Luan confessa, que o que mais o preocupa é o pós-queimada. Ele aponta que a longo prazo, as consequências se dão principalmente na diminuição da cobertura vegetal. “As áreas florestadas acabam diminuindo significativamente e o poder público acaba não interferindo nisso da maneira que deveria, ao invés de replantar a mata perdida, essas áreas queimadas vão para a pastagem de gado”, falou.

Por fim, Pasquetta problematiza: “então, se já temos períodos longos de estiagem, com a diminuição da cobertura vegetal, temos períodos ainda maiores”. E alerta para o perigo da perda da biodiversidade e área florestada. “Florestas do tamanho da Amazônia afetam o clima do Brasil inteiro”, declarou.

Os incêndios que aconteceram no Brasil e deixaram estados inteiros encobertos sob a fumaça do fogo acontecem há anos, mas este ano ganharam notoriedade e deixaram a população em alerta. Porque, no fim, as mudanças climáticas não são nada mais do que as consequências da exploração desenfreada dos recursos naturais do planeta.

O destino das terras queimadas, muitas vezes, é a conversão para pastagem, perpetuando um ciclo de degradação ambiental que precisa ser interrompido para garantir um futuro sustentável.

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