Ascensão do formato mostra que o público brasileiro consome cada vez mais as produções, que se estabelecem como uma nova forma de “companhia sonora”

Por Geovana Menussi

A popularidade dos podcasts no Brasil é um fenômeno recente, mas sua origem já conta com quase duas décadas. Esse formato de áudio digital, acessível em diversas plataformas, tem transformado a forma como o público consome conteúdo jornalístico e de entretenimento. Com dados que mostram o crescimento significativo dos ouvintes, o podcast se destaca como uma das mídias mais promissoras, especialmente em um cenário onde a audiência migra para formatos mais descomplicados e personalizados nessa nova era completamente digital.

Surgiu em 2004 o primeiro podcast no Brasil, mas o grande boom ocorreu a partir de 2017, com os serviços de streaming de música, quando meios tradicionais de comunicação passaram a dar mais visibilidade aos podcasts. Esse movimento ganhou força com a criação de programas exclusivos em áudio, produzidos por veículos como Folha de S. Paulo, Estadão e outros jornais de grande circulação, que viram no formato, uma forma de atualizar sua audiência. 

Ambos incluíram, em 2017 e 2018, em seus portais online e em plataformas como o Spotify, espaços dedicados exclusivamente a podcasts diários – no caso da Folha, o Café da Manhã, e, do Estadão, o Estadão Notícias (que hoje se transformou em Estadão Analisa).

Nos EUA, o The New York Times, lançou também em 2017 o The Daily. Podcasts esses que estrearam a categoria de conteúdo jornalístico diário em uma mídia “mesclada”, alternativa ao rádio tradicional e ao jornal impresso.

Podcasts: Café da Manhã, Estadão Notícias e The Daily (Fotos: Divulgação)

Em entrevista exclusiva, a produtora dos podcasts “Café da Manhã” e “Boletim Folha” e repórter da Folha, Paola Ferreira Rosa, explica que “o jornalismo, assim como a sociedade, é uma coisa viva. Então conforme a sociedade vai amadurecendo, trocando os gostos, o jornalismo acompanha isso. O podcast se tornou um meio para o fazer jornalístico”. 

A jornalista completa que quando a Folha era um jornal exclusivamente impresso, houve épocas em que três tiragens eram realizadas ao dia, devido a demanda de trazer informação ao público, sendo o jornal como uma das mídias principais da época. E hoje, o papel ocupa um certo lugar de curadoria, visto que todo o material do jornal vai primeiro para o site e apenas algumas matérias selecionadas vão para o impresso. Ao ser questionada se o podcast foi uma forma dos veículos tradicionais, como a Folha, se atualizarem, Paola discorda: “não acho necessariamente que atualizou, mas sim, acompanhou a sociedade, sendo uma plataforma que completa a experiência do jornalismo”, afirma.

São Paulo SP 11.10.2023. Paola Ferreira Rosa, repórter da Folha, é finalista do prêmio +Admirados Jornalistas Negros e Negras da Imprensa Brasileira (Foto: Clauber Larre/Folhapress)

A chegada dos podcasts despertou preocupações e debates sobre o impacto que poderiam ter nesses veículos tradicionais, especialmente no rádio, com o qual compartilha características, sendo até mesmo entendido por algumas pessoas como a versão virtual do mesmo.

“Esse novo formato vem como uma alternativa para o público consumir o conteúdo da forma que preferir. Não necessariamente porque a pessoa não quis ler alguma matéria, até porque o podcast não vai ler essa matéria, ele vai aprofundar o assunto, trazer especialistas sobre, resolver dúvidas específicas”, explica a produtora.

Paola no estúdio gravando o Boletim Folha  (Foto: arquivo pessoal)

“Companhia auditiva” 

Pesquisas revelam que o público de podcasts busca a mesma companhia sonora para realizar atividades cotidianas que, antes, era um papel desempenhado quase exclusivamente pelo rádio. Segundo uma pesquisa da Associação Brasileira de Podcasters (ABPod) em parceria com a Rádio CBN, 54,2% dos ouvintes de podcasts afirmaram escutá-los durante tarefas domésticas, mostrando que o podcast se estabeleceu como uma nova forma de “companhia auditiva”. 

Nesse ano, a PodPesquisa 2024/2025, conduzida também pela ABPod, investigou os hábitos dos ouvintes, o perfil demográfico e os desafios enfrentados pelos produtores, além de identificar tendências para o futuro dessa mídia. Os resultados apontam que o Brasil possui cerca de 31,94 milhões de ouvintes de podcasts, um crescimento notável que consolidou o formato como uma parte essencial do dia a dia dos brasileiros. A maioria dos ouvintes (40,23%) consome podcasts diariamente, enquanto 23,56% ouvem mais de uma vez por dia. Esse aumento na audiência acompanha a expansão da produção de podcasts, tanto no formato tradicional quanto em videocasts, que já representam 40,96% de toda a produção.

Quanto às plataformas de streaming preferidas pelos ouvintes brasileiros, o Spotify lidera disparado, com 49,71% da preferência, seguido pelo YouTube, com 25,57%. Outras plataformas como Apple Podcasts, Deezer e Orelo somam menos de 10% do consumo total. Além disso, os gêneros mais consumidos são notícias (23,79%) e entretenimento (23,07%), destacando o apelo crescente do podcast nesses segmentos.

O interesse crescente

Tal crescimento do público de podcasts no Brasil é evidenciado por dados como os do Ibope, que, anos atrás, em 2019, divulgou que quatro em cada dez internautas brasileiros já haviam ouvido algum podcast, o que representava pelo menos 50 milhões de pessoas. Embora ainda houvesse uma parcela do público que desconhecia o formato – cerca de 32% dos entrevistados pela pesquisa – a taxa de crescimento é expressiva e coloca o Brasil entre os maiores consumidores de podcasts no mundo.

Essa ascensão do podcasting e do interesse por parte do público pode ser observada também a partir do interesse dos alunos do curso de Jornalismo. A jornalista e professora da disciplina Jornalismo Sonoro na Unesp Bauru, e orientadora do projeto extensionista RUV Podcasts, Karina Woehl, aponta que “na minha chegada aqui na Unesp pouca gente ouvia [podcast]. Por mais que a gente tenha um projeto tão importante quando a RUV, ainda não temos uma maioria ouvindo podcast, mas vejo uma mudança significativa de uns anos pra cá”.

Jornalista e professora Karina Woehl (Foto: arquivo pessoal)

Explica também que os estudantes estão se adaptando e explorando esse novo formato para o fazer jornalístico. “Ao mesmo tempo que não há uma maioria ouvindo, estamos em uma crescente, porque como conseguimos associar jornalismo na disciplina de mídia sonora, eu acho que isso encanta quem tá aqui para aprender jornalismo, e antes tinha um certo estigma em relação ao formato”, completa.

Mas e além do conteúdo jornalístico? 

Nos últimos anos, podcasts com conteúdos diversos, como o true crime, storytelling ou simplesmente assuntos do cotidiano têm ganhado muita força. A exemplo disso, a categoria de podcasts feitos por e para o público feminino tem aumentado bastante. O “gostosas também choram” de Lela Brandão e o “Bom dia, Obvious” de Marcela Ceribelli são atualmente os mais fortes do tipo. Explorando a mente feminina de uma forma em que colocam na mesa assuntos considerados tabus, aproximam a ouvinte de uma forma que o podcast tem como característica única. 

Ambos se destacam por sua abordagem autêntica. Lela compartilha suas experiências pessoais de forma sincera e próxima, abordando temas como ansiedade, inseguranças e a busca por autoconhecimento, humanizando as experiências femininas, e mostrando que é normal sentir diversas emoções, mesmo que a sociedade imponha certos padrões. Já no “Bom dia, Obvious”, Marcela entrevista especialistas sobre esses assuntos, trazendo para nós, ouvintes, um certo conforto de representatividade.

Podcasts: Gostosas também choram e Bom dia, Obvious (Fotos: Divulgação)

Expectativas para o futuro do Podcast

Como os estudos citados anteriormente apontaram, o podcast se adapta bem à rotina multitarefa, oferecendo aos ouvintes uma maneira de consumir conteúdo enquanto realizam outras atividades. A qualidade do conteúdo produzido no Brasil, juntamente ao rápido desenvolvimento da área durante a pandemia, tem sido um  diferencial para o engajamento. 

À medida que os podcasts ganham mais espaço na rotina dos brasileiros, a tendência é que novos formatos e narrativas continuem a surgir, fortalecendo o mercado e atraindo cada vez mais investimentos. Com a popularização das plataformas de streaming e o interesse do público por conteúdos mais profundos e personalizados, o podcast tem tudo para se consolidar como uma das principais formas de comunicação digital dos próximos anos. 

Ao mesmo tempo, pode surgir o questionamento de que “qualquer um pode fazer podcast?”, e a resposta varia muito, mas essa acessibilidade da podosfera e a facilidade inicial de fazer um podcast, desde uma conversa entre amigos até algo mais especializado, com responsabilidade, acaba respondendo. O cenário sugere que os podcasts seguirão se expandindo, oferecendo a cada ouvinte a oportunidade de moldar seu próprio consumo de conteúdo e estabelecendo uma nova era para o jornalismo e a produção sonora no país.

Para conhecer: 

Café da Manhã – Levante da cama com notícias e análises quentinhas no Café da Manhã, o podcast mais importante do seu dia. Em uma parceria entre Folha de S.Paulo e Spotify, os jornalistas Magê Flores, Gabriela Mayer e Gustavo Simon trazem nas manhãs de segunda a sexta, de forma leve e simples, o fundamental sobre os assuntos do momento no Brasil e no mundo. Confira aqui

Boletim Folha – As notícias do Brasil e do mundo em cerca de 5 minutos. Confira aqui

Gostosas também choram – uma jovem adulta compartilhando suas reflexões, questionamentos e ideias em uma conversa de mais de 15 segundos, graças a deus. aqui, qualquer tema que você levaria pra um café com uma amiga é válido. sem roteiros, sem produção, só você e a lela por alguns minutos refletindo sobre alguma questão de extrema importância. ou não. novos episódios toda terça :). Confira aqui

Bom dia, Obvious – Marcela Ceribelli, CEO e diretora criativa da Obvious, recebe convidadas para conversas abertas sobre assuntos atuais do universo feminino: saúde mental, autocuidado, carreira, autoestima, novas curas, relacionamentos e outros. Confira aqui

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