Revelação é da Defesa Civil da cidade. O engenheiro florestal Otaviano Pereira fala sobre os desafios enfrentados no grave período das queimadas

Por Lucas Mello

Não é de hoje que as altas temperaturas e os constantes incêndios vêm impactando a população. Só no estado de São Paulo a área queimada de janeiro até setembro deste ano foi de 554 mil hectares, o que equivale a mais de 750 mil campos de futebol

Especificamente em agosto houve um aumento de 2.510% em relação à média dos últimos seis anos: foram 356 mil hectares queimados a mais do que no mesmo mês em anos anteriores, atingindo o número de 2300 focos num único dia, um novo recorde histórico segundo dados de mais de 3 décadas do Map Biomas. 

Dados divulgados pelo Inpe (instituto nacional de pesquisas espaciais) também apontam para o mês de agosto como o mês de maior número de queimadas de toda a série do Inpe, com 3.612 focos de incêndio. Com o recorde, o governo estadual instalou um Gabinete de Crise Emergencial para tratar sobre o assunto.

Em entrevista, Otaviano Pereira, engenheiro agrícola que recentemente assumiu a coordenação da defesa civil da cidade de Bauru, disse que no mês de agosto o índice de ocorrências em na cidade foi o dobro de todos os meses dos anos passados. Ele começa a conversa dizendo que a crise hídrica não foi exclusiva da região de Bauru.

“Foi o estado inteiro e grande parte do Brasil também”. E explicou que as temperaturas constantes na casa dos 35°C fazem com que a umidade relativa do ar fique muito baixa, o que favorece muito a propagação rápida do fogo. “Nosso inverno é seco, então todo ano nós temos queimada, mas não nessa intensidade”, acrescenta Otaviano.

E essa fala se reflete nos dados: segundo o Map Biomas em 2024 o Brasil perdeu mais de 22 milhões de hectares para as chamas – 13,4 milhões de hectares a mais que em 2023. O salto de um ano para o outro foi de 150%. Para se ter uma ideia do quanto isso é grave, se essa área queimada estivesse toda agrupada ela seria praticamente do tamanho do Reino Unido.

O engenheiro também comenta sobre o número recorde de ocorrências na cidade, que foi alcançado justamente nesse período mais crítico. “Nós batemos o recorde de 45 ocorrências de incêndio num único dia, isso só em Bauru”, afirmou.

Em relação às investigações sobre essas ocorrências e suas causas, Otaviano explica que eles não tiveram condições de fazer investigações aprofundadas, mas que não resta dúvida quanto à natureza dos incêndios. 

“Teve ação humana. Isso eu não vou nem dizer 99% porque é 100% de certeza. É muito raro acontecer um evento físico que seja causador do incêndio, como, por exemplo, uma cerca elétrica que deu curto”, afirmou Otaviano sem poder confirmar as motivações dos incêndios criminosos.

Brigadistas da defesa civil relatam que vários focos de incêndio ao longo da mata próxima do sambódromo começaram todos ao mesmo tempo. (Foto: Lucas Mello)

Sobre os incêndios residenciais, ele explica que na maioria dos casos eles acontecem por conta de curtos-circuitos, mas descuidos também podem custar caro. “Teve um caso em que a mulher dormiu com o cigarro aceso e pegou fogo no colchão. Esse foi de doer o coração porque a mulher tinha trabalhado a vida inteira pra ter a casa e o fogo destruiu tudo, só sobrou as paredes”, contou.

Durante a entrevista, Otaviano revelou um problema grave que existe na cidade e que poucas pessoas têm conhecimento: a falta de uma brigada de incêndio formalizada. “Nós não temos em Bauru uma brigada municipal de incêndio. Nós temos alguns setores que contam com uma equipe de brigadistas por lei como no jardim botânico e nas reservas que tem brigadistas formados, só que a área de atuação é muito extensa, então às vezes também deixa a desejar”, disse.

Ele explica ainda que a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) também tem uma equipe que foi melhorada recentemente. Otaviano acrescenta que a defesa civil pretende melhorar a equipe para que eles estejam preparados para ajudar os bombeiros nos meses mais críticos. 

“O bombeiro pode estar apagando o fogo em mata, mas se surge um fogo residencial ele tem que dar prioridade, então nossa ajuda é muito importante”, ressaltou.

Como não há estrutura para que uma fiscalização efetiva seja feita, Otaviano explica uma ideia para tentar contornar essa situação, que é baseada em uma lei que já funciona. “Na legislação que proíbe fumar em ambientes fechados a multa vai para o dono do estabelecimento e não para quem está fumando. Então o próprio dono do lugar passou a ser o fiscal. Por isso que funcionou”. A ideia é justamente criar uma legislação parecida no caso de um terreno que pegou fogo. “O fogo pegou no lote da rua tal, então não importa quem pôs o fogo, é o dono que vai ser autuado”, explicou.

Casos que chamam atenção

Ele contou sobre um caso recente que ficou famoso na cidade: um morador do Vale do Igapó perdeu toda a casa, que ele mesmo construiu, em um incêndio. O morador, Etelvino Zacarias Martins (Téo), é mestre de obras da cidade e frequentemente visita a sede da defesa civil. Otaviano explicou que a casa de Téo era feita de madeira e tinha vegetação seca ao redor, fatores que aumentam muito a probabilidade de um incêndio acontecer. Por sorte Téo não estava em casa então ninguém se feriu.

Em entrevista dada à rádio 96FM de Bauru, Téo afirmou à época: “Estou no vale do igapó há 25 anos e é uma prática colocar fogo porque tem a restrição ambiental e eles colocam fogo pra poder comercializar o lote”, disse Téo, abalado com os restos de sua casa ainda soltando fumaça. Por fim, ele complementou: “Neste momento, eu não tenho nem roupa para pôr. Eu, que sempre ajudei todo mundo nestes momentos, agora estou sentindo na pele”, finalizou.

Moradores do Vale do Igapó fizeram campanhas nas redes sociais para ajudar Téo a recomeçar. Uma rifa solidária foi realizada por meio da loteria federal e todo o dinheiro arrecadado foi para ajudar Téo e sua família.

O Vale do Igapó foi um dos bairros que mais sofreu com as queimadas esse ano. Sobre isso, Reinaldo Dutra, servidor de vigilância da Unesp há 26 anos e também morador do vale do igapó conta sobre os casos de incêndio que viu. “O fogo já chegou próximo da minha casa e eu tive que combater o incêndio porque o bombeiro demorou muito tempo pra chegar”, conta.

Reinaldo teve inclusive que ajudar a retirar uma idosa de uma casa que corria risco de pegar fogo. “Recentemente houve um incêndio bem grave. Vários lugares pegaram fogo ao mesmo tempo e foi perto das casas. Uma senhora gritava. Eu e meu enteado entramos para tirar ela de lá”, relatou.

Sobre a frequência e a origem dos incêndios, Reinaldo comenta: “pelo que parece é criminoso, porque sempre começa em terreno que tem árvores. Geralmente tacam fogo pra depois limpar pra poder vender ou construir”, disse.

Em relação à tragédia na casa de Téo, ele comenta que se surpreendeu com a rapidez dos bombeiros e a quantidade pessoas. “Me surpreendeu porque estava a Semma, bombeiros, helicópteros. Normalmente demora, mas dessa fez foi muito rápido”, conta.

Atualmente a Defesa Civil conta com 6 brigadistas, 2 veículos e 3 caminhões-pipa, sendo um deles efetivo, outro da Semma e outro do DAE (Departamento de Água e Esgoto), além dos contratados quando há demanda necessária para tal. Os brigadistas precisam estar fisicamente aptos para o combate e são treinados pelos bombeiros, afirmou Otaviano.

Recomendações

Por fim, Otaviano deixa algumas recomendações para os próximos meses. “Agora as queimadas começam a diminuir e os temporais passam a ser o principal fator de alerta. Em caso de temporal deve-se procurar abrigo seguro e não sair de casa sem necessidade, além de evitar as vias da cidade que frequentemente são inundadas, como a Av. Nações Unidas”, finalizou.

Uma outra recomendação que pode literalmente salvar vidas é fazer o cadastro para receber os alertas da defesa civil da sua região em tempo real pelo celular. Assim você é avisado em primeira mão sobre o risco de temporais, ventos ou alagamentos.

Para fazer o cadastro é bem simples, basta enviar um SMS para o número 40199, com o CEP da área de interesse ou diretamente pelo whatsapp no link https://wa.me/556120344611

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