Na última quarta-feira (6), Donald Trump foi eleito para seu segundo mandato. Foco na economia, pautas ideológicas e uso das redes sociais impulsionaram sua campanha
Por João Pedro Coelho
Antecessor de Joe Biden entre 2017 e 2021, o republicano Donald Trump retorna ao cargo a partir de 2025 depois de vencer Kamala Harris nas eleições presidenciais americanas na última terça-feira (5).
As campanhas foram movimentadas para ambos os lados, a começar pela mudança de candidato por parte dos democratas. Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, desistiu em julho da corrida eleitoral, pressionado após mal desempenho nos primeiros debates, que levantaram dúvidas em relação a sua saúde e aptidão para o cargo para os próximos anos.
Em seu lugar, Kamala Harris assumiu a frente da campanha democrata. As pesquisas apontavam uma eleição acirrada, mas a atual vice-presidente dos EUA não foi capaz de conquistar votos nos estados chave, também conhecidos como swing states, fundamentais ao longo da votação.
Donald Trump conquistou maioria em todos os sete swing states, obtendo dessa forma 312 votos do colégio eleitoral, uma boa margem em relação aos 226 de Harris.
Nos EUA, as eleições têm um formato diferente em relação ao Brasil e diversas outras democracias. Os norte-americanos possuem um sistema chamado de colégio eleitoral, que torna sua corrida presidencial única. Nesta estrutura, é possível que um candidato vença mesmo sem ter a maioria dos votos, como ocorreu em 2016 na disputa entre Hillary Clinton e Donald Trump. Na ocasião, a democrata obteve quase 3 milhões de votos a mais no total, mas foi vencida dentro do sistema de colégio eleitoral.
Neste modelo, a eleição ocorre da seguinte maneira: cada estado americano possui um número de delegados, e são esses que os candidatos procuram obter. Sendo assim, após apuradas as urnas em um estado específico, o candidato com mais votos vence as eleições naquele lugar e com isso obtém o número de delegados correspondentes do local. O número de delegados varia entre estados de acordo com sua população, tendo em total 538 delegados no país, portanto os candidatos buscam atingir 270 delegados para serem eleitos.
A exemplo, o estado da Califórnia tem o maior número de delegados com 55. Em 2020, Biden venceu as eleições no Golden State com 63,5% dos votos. Independentemente de mais de 6 milhões de pessoas terem votado em Donald Trump naquele estado, todos os 55 votos no colégio eleitoral vão para o democrata, num formato conhecido como winner takes all.
Segundo a professora e coordenadora do Mestrado Profissional em Relações Internacionais da FGV, Carolina Moehlecke, este formato acaba concedendo mais peso aos eleitores de estados menores e com características mais rurais. “O exemplo mais comum é aquele que mostra que o voto de um eleitor do Wyoming tem um peso quatro vezes maior que o de um eleitor na Califórnia. Esse tipo de cálculo é obtido dividindo a população do estado pelo seu número de delegados”.
Além da conquista dos estados pêndulo, Trump, aos seus 78 anos, é o primeiro republicano nas últimas duas décadas a vencer também no voto popular. Os mais de 74 milhões de votos a seu favor demonstram sua força no cenário político e popularidade entre os eleitores.

Conforme a professora da FGV, “Trump soube conduzir uma campanha que tocou em aspectos muito importantes para qualquer eleitor em qualquer lugar do mundo: inflação e emprego”, comenta.
Carolina ressalta como o índice de inflação ao longo do mandato de Biden deixou os norte-americanos insatisfeitos com seu governo e que mesmo sem uma alta taxa de desemprego, a alta nos preços faz o americano questionar a qualidade dos empregos e seus salários. Além disso, a professora também aponta como “a retórica de America First, que culpa o mau estado da economia à competição com a China e outros fatores associados à globalização econômica, é extremamente potente”.
Em entrevista ao Jornal Contexto, eleitores americanos retratam seu ponto de vista em relação aos problemas nacionais. Paul Kohler, 57, de Wisconsin considera a questão econômica uma das prioridades a serem resolvidas, e acredita que Donald Trump seja capaz de melhorar a situação.
“Esse é o seu background, finanças. Ele fez seu dinheiro entendendo como a economia funciona”, ele comenta. Paul pondera como Trump lidou com a economia em seu primeiro mandato e critica o déficit externo do país, mas ainda acredita no republicano como a melhor escolha nesse quesito. “Ele não tem todas as respostas, mas certamente tem mais que Biden ou Harris”, afirma.
Por outro lado, David Steffen, 86, de Minnesota não crê que Trump seja capaz de solucionar o assunto, uma vez que a maior dificuldade está num congresso pouco ativo. “O congresso é tão polarizado que nada acaba sendo feito, antigamente haviam senadores americanos, hoje são senadores democratas ou republicanos”.
No que se refere à economia, David diz que os estadunidenses já tiveram situações financeiras melhores, mas que também já passaram por tempos muito mais críticos. Além disso, entende que os 2,5% de inflação nos Estados Unidos não são tanto se comparados à situação de inúmeros outros países, e que os norte-americanos passaram a ser uma nação de “reclamantes”.
Vale notar que as eleições de 2024 tiveram a segunda maior participação estimada em termos de porcentagem, com aproximadamente 64,5% dos eleitores aptos participando da votação. Tal estatística fica atrás somente das eleições de 2020, em que houve uma participação próxima a 66%. A coordenadora do mestrado em relações internacionais da FGV indica que tanto as mudanças promovidas por vários estados para facilitar o comparecimento dos eleitores desde a pandemia de COVID-19, quanto a popularidade dos candidatos participantes, como a de Donald Trump nesse caso, são elementos importantes nesse quesito.
David, que trabalhou como fiscal eleitoral por 23 anos, considera que o envolvimento da população mais jovem na política também pode ser uma das causas dessa crescente.
Sobre isso, em entrevista ao Jornal Contexto, estudantes da Washington University in St. Louis, explicam que de fato há um maior engajamento político entre os mais jovens, e parte disso se deve às redes sociais.
Luana Ferzola, 18, brasileira estudante da universidade, conta como a partir das mídias sociais e internet passa-se a ter mais contato e proximidade com os problemas e assuntos políticos, além de que essas ferramentas facilitam a organização de massas que passam a incentivar cada vez mais o voto. Quanto à popularidade dos candidatos, as estudantes reconhecem que a figura de Joe Biden já não tinha uma boa imagem mesmo dentre os democratas, e que por estar diretamente atrelada ao atual presidente, Kamala teve sua popularidade afetada. O grupo comentou também como a eleição de uma candidata mulher já é por si só mais difícil, uma vez que uma mulher jamais foi eleita presidente nos Estados Unidos. Paul Kohler, por outro lado, pressupõe que o sucessor de Biden construiu uma melhor reputação e “atingiu mais eleitores ao se expor em diferentes veículos da mídia, mesmo naqueles que divergiam de suas ideologias, coisa que Kamal não fez”. Portanto, em termos de popularidade, fica evidente que Trump é um candidato extremamente atrativo para os republicanos, enquanto Harris divide opiniões entre os próprios democratas.
No mais, Carolina Moehlecke aponta também como o próximo presidente teve mais adesão no que diz respeito às suas pautas ideológicas, enquanto os democratas encontraram resistência às ideologias mais liberais propostas. Um dos temas que o candidato republicano encampou, e que atraiu votos de muitos eleitores, é no que concerne à imigração no país. Segundo o site “Statista”, este é o segundo tópico mais importante a ser tratado para os americanos, atrás somente da inflação. Donald Trump afirma que mais de 21 milhões de imigrantes ilegais cruzaram a fronteira sob administração Biden, embora sem apresentar fontes para esses números. De qualquer maneira, diversos eleitores aderiram ao discurso de Trump e admitem como prioridade abordar a questão imigratória.
Luana, dentre outras imigrantes que estudam na WashU, se preocupa com a possibilidade de políticas mais estritas no futuro, mas a real preocupação é a crescente de um sentimento de aversão aos imigrantes, independentemente de serem ilegais ou não. Ela conta como o discurso de combate às imigrações ilegais acaba sendo generalizado e respalda mesmo sobre aqueles que possuem o direito de viver no país. “O jeito como te tratam, como te veem, infelizmente se essa é a narrativa do presidente acaba-se abrindo portas para que mais pessoas sejam preconceituosas”, relata a estudante.
Outras consequências que os brasileiros podem enfrentar se encontram no campo econômico, já que as relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos podem sofrer alterações.
A professora Carolina Moehlecke explica: “O primeiro impacto tem relação com a questão inflacionária, com um provável aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, a taxa deve subir no Brasil também”.
Além disso, o Brasil mantém importantes laços comerciais tanto com a China, quanto com os EUA. Ao intensificar a rivalidade com o oriente “é possível que Trump acabe pressionando o Brasil, direta ou indiretamente, para tomar um lado na disputa, e quanto mais acirrada fica a disputa entre Estados Unidos e China, mais difícil para o governo brasileiro manter essa postura de equilíbrio”, analisa Carolina.
Por fim, a especialista também destaca a política doméstica, já que a vitória do republicano foi muito comemorada por Bolsonaro e seus apoiadores da direita. Ela ressalta, “não é claro como isso pode influenciar o pleito de 2026, mas é um desdobramento que energiza a extrema direita e que pode fomentar a já acentuada polarização no país”.
