A cobrança de mensalidade nas instituições de Ensino Superior de São Paulo é uma realidade próxima? Entenda
Por Bruna Tímaco Sun

No dia 17 de setembro, o deputado paulista Leonardo Siqueira (do Partido NOVO) apresentou na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) o PL nº 672/2024, que prevê a cobrança de mensalidade para os estudantes das Instituições de Ensino Superior públicas do estado de São Paulo.
No projeto, o parlamentar propõe a criação do Programa SIGA (Sistema de Investimento Gradual Acadêmico), que autoriza o apoio financeiro aos discentes para que as restrições financeiras não impeçam a conclusão do ensino superior.
O que diz a lei
O projeto estabelece que o valor a ser pago mensalmente será definido pelas Universidades Estaduais Paulistas (USP, Unesp e Unicamp). Além disso, a proposta, gerida por meio de apoio financeiro do Governo Estadual, aborda duas modalidades: empréstimo com amortizações contingentes à renda (ECR), que permite que os pagamentos sejam distribuídos ao longo da vida do mutuário, com parcelas ajustadas conforme sua renda futura; e outra que define a quantia do empréstimo baseada na renda de trabalho atual do estudante.
Segundo o texto, o objetivo é estabelecer uma maior sustentação para a infraestrutura das universidades. Como justificativa, o deputado argumenta, pelas articulações, que países desenvolvidos já se apropriam da cobrança de mensalidade nas universidades públicas, indicando que a implementação desse projeto é essencial para garantir maior eficiência.
Portanto, o PL afirma que, com tais medidas, o país se aproxima das melhores práticas internacionais de ensino, combatendo a exclusão da população mais pobre e a alta dependência das receitas do Estado para seu funcionamento. Leonardo Siqueira alega, ainda no documento, que esse modelo possibilitaria a expansão do número de vagas, permitindo a entrada de mais alunos nas instituições.
Em entrevista, a advogada Marcela de Rosa rebate os argumentos contidos na proposta. “Leonardo faz uma referência aos países desenvolvidos. Acredito que não tem como comparar o ensino e toda a estrutura desses países com o Brasil”, analisa. Marcela ainda critica o PL ressaltando que, caso aprovado, dificultaria o acesso dos estudantes de baixa renda às universidades públicas.
Kelli Fauth Claro, professora de língua portuguesa da educação básica, concorda com essa ideia. “Os dados levantados não condizem com a nossa realidade. O Brasil é um país subdesenvolvido”, pondera.
O programa SIGA
O projeto, protocolado a fim de custear investimentos no ensino público, apresenta critérios para a sua implementação, como: adição de uma sobretaxa de 25% ao montante inicial do empréstimo e a correção do empréstimo pela Taxa de Longo Prazo (TLP) e pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo. Ademais, as articulações ainda impõem a penalidade para o descumprimento das obrigações assumidas na lei pelo Poder Executivo.
Segundo a educadora, a questão da preocupação econômica envolvida na lei é compreensível, e ressalta a importância do impulso financeiro para a educação brasileira. “Nós temos, no estado de São Paulo, universidades riquíssimas e desenvolvemos muito a ciência. Não é só a universidade e os cursos, mas é pesquisa e extensão, então precisa de investimento”, explica. No entanto, Kelli argumenta que o impactante retorno social que as universidades proporcionam ao Brasil torna o projeto de lei inviável em meio às circunstâncias do país, entendendo, então, que “mexer com a educação não seria o certo”.
Para a advogada, a proposta não apresenta pontos positivos, e declara que, com a adoção prática do programa, “o estudante entra na universidade e já fica endividado”.
Tentativa de implementação
Em maio de 2022, a tramitação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que também visava a cobrança de mensalidades em universidades públicas brasileiras foi paralisada na Comissão de Constituição e Justiça. A PEC nº 206/2019, de autoria do deputado federal General Peternelli (União Brasil), diferente do PL atual, não previa a cobrança dos estudantes sem recursos suficientes, mantendo a gratuidade para estes. Porém, o corte de renda aos pagantes seria definido pelo Poder Executivo. Além disso, a proposta, que foi duramente criticada pelos oposicionistas, estava prevista para votação ainda em maio de 2022, mas foi retirada de pauta por conta da ausência do relator, deputado Kim Kataguiri (União-SP). Sem o adiamento de uma audiência pública, a PEC não obteve progresso.
Quando perguntada sobre o fator que ocasionou o ressurgimento de um projeto como este, Marcela de Rosa retomou os pontos contidos no recente: “Na justificativa, o deputado fala que a grande maioria da renda das universidades públicas vem através dos impostos. 89% [da renda] têm origem no ICMS (no caso da USP), então acredito que seja por isso”, apontou, explicando também a possibilidade da má sustentação financeira proposta pelo deputado do partido NOVO. Em seguida, a advogada insiste que não concorda com o argumento.
Processos judiciais
Após a publicação no Diário da Assembleia, a propositura tramita exclusivamente na Alesp Sem Papel e recebe, no dia 20 de setembro, sua primeira Emenda de autoria de Ediane Maria. A deputada do PSOL argumenta então que a aprovação do projeto excluiria a população mais pobre da sociedade, negligenciando a educação desse grupo. No documento, Ediane reforça a proibição da cobrança de mensalidade nas universidades públicas, considerando o aspecto inconstitucional do PL nº 672/2024.
Posteriormente, no mesmo mês, o deputado Luiz Claudio Marcolino (PT) apresentou um Substitutivo para o projeto. Marcolino propõe uma alteração no SIGA: em vez de estabelecer a cobrança de mensalidade, o programa concederia aos estudantes um apoio financeiro no valor de um salário mínimo paulista (atualmente de R$1.550,00). Em seu documento, que reformaria a proposta inicial, o parlamentar justifica dizendo que o texto substituto é necessário para reduzir as desigualdades sociais e garantir a conclusão plena do ensino superior por estudantes em situações economicamente vulneráveis.
A advogada explica, ainda em entrevista, que o texto Substitutivo, assim como a Emenda, pode significar um impedimento para a adoção do PL. “Acredito que ele [Marcolino] vai contra porque realmente tem falhas nesse projeto”, acrescenta.
Por fim, o autor do PL adicionou outra Emenda no dia 25 de setembro. Nesse novo texto, Leonardo altera sua proposta original, excluindo da cobrança os estudantes com renda inferior a 20 salários mínimos. O documento inclui também a criação de um fundo de apoio à permanência e formação estudantil, voltado àqueles provenientes de famílias de baixa renda.
Até a última atualização, o PL e seus documentos acessórios foram encaminhados ao deputado Carlos Cezar, membro da Comissão de Constituição, Justiça e Redação (CCJR).
As implicações
Leonardo Siqueira, em seu texto, traça um perfil dos estudantes brasileiros das universidades públicas, com um dado que diz que 56% desses estão entre os 20% mais ricos do país. Porém, segundo a professora, esse levantamento não justifica a formação da lei. “Esse recorte é muito reduzido à classe que têm poder aquisitivo, e não à população de modo geral, e quando ele fala em cobrar essa mensalidade, vai afetar a população de um modo geral”, afirma Kelli. Além disso, a especialista esclarece que a cobrança da mensalidade constituiria uma barreira de impedimento tanto para o acesso ao ensino superior como para a continuidade dos estudos.
Para Marcela, a adoção da lei afetaria de forma direta os estudantes de baixa renda ingressos nas universidades públicas. “Muitas pessoas vão abandonar os estudos porque não teriam condição de pagar”, lamenta.
Por um outro lado, quando questionada acerca dos impactos sociais da possível aprovação do PL, Kelli Fauth opina que isto não prejudicaria exclusivamente os discentes, mas sim os futuros ingressantes. Dada a sua especialização em vestibulares, explica que o processo seletivo da universidade é focado no perfil dos estudantes que terão acesso a este espaço, logo, pode-se esperar certas alterações nos vestibulares, uma vez que a lei prevê um recorte diferente de estudantes nas instituições estaduais.
Próximos passos
No dia 19 de setembro, o portal de notícias da Unicamp se posicionou frente ao Projeto de Lei nº 672/2024, com argumentos trazidos pelo reitor, pró-reitor e outros docentes da Universidade. Assim como propõe a educadora, a instituição já inicia um processo de manifestação contra a cobrança de mensalidades. “Eu acredito que nós precisamos nos pronunciar, fazer uma manifestação pública de indignação ou de mostrar a justificativa que temos de que isso não procede, não vai ser bom para a realidade atual do Brasil”, aponta Kelli Fauth, também egressa de uma das maiores universidades públicas do país, a Unesp.
A advogada, por sua vez, conclui: “Eu acredito que esse projeto não vai ser aprovado porque, ao meu ver, é totalmente inconstitucional”. Kelli também levanta a questão da inconstitucionalidade da proposta. “A Carta Magna fala que a gratuidade é um direito assegurado pelo Estado. O artigo 206 da Constituição Federal discorre sobre a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais”, reitera.
Por fim, um debate sobre a mercantilização do ensino no Brasil também surge e se faz necessário a partir dos acontecimentos recentes.
