Apesar da criação de campanhas e de medidas que punem os clubes,
além da lei que classifica a homofobia como crime, o preconceito com as pessoas LGBT’S continua muito presente nos estádios.
Por Maria Clara Coelho
Historicamente, o futebol sempre foi um esporte muito heteronormativo e preconceituoso. Com o passar dos anos, apesar da evolução, ainda continua sendo um ambiente hostil para a comunidade LGBTQIAPN+. Anualmente, o Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+ realiza um relatório com todos os casos de homofobia que aconteceram no futebol brasileiro. No documento referente ao ano passado (2023), foram registrados 69 quadros de LGBTfobia nos estádios.
Apesar da criação de campanhas contra a homofobia e de medidas que punem os clubes. E até mesmo depois de ser sancionada uma lei no Brasil que configura a homofobia como crime, o preconceito com as pessoas LGBT’S continua muito presente. A CBF possui quatro sanções previstas aos clubes para os casos de homofobia nos estádios. As medidas visam acabar com os inúmeros acontecimentos. São elas: advertência; multa de até R$500 mil com o valor a ser revertido em prol de causas sociais; impedimento de registro e transferência de atletas e perda de pontos.

Na opinião de Gustavo Berton, da ESPN, as sanções criadas pela CBF trazem resultados positivos e já são um caminho para a diminuição desse problema. “Talvez não sejam as mais eficazes, mas tínhamos que começar por algum lugar”. Ele ainda completadizendo que agora deve-se continuar criando medidas, mas pensando principalmente na conscientização da sociedade. “Enquanto não houver conscientização, isso não vai parar”, afirma o jornalista.
Hoje, existem muitos torcedores de futebol que possuem relacionamento homoafetivo, porém os mesmos ainda têm medo de frequentar os estádios e acabar sofrendo algum tipo de violência.
Tayna Fiori, repórter da Rede Globo, comentou sobre as medidas a serem tomadas pelos clubes para diminuir a homofobia nas arquibancadas. “É um problema enraizado no futebol, acredito que devem ser criadas campanhas para tentar educar as pessoas de alguma maneira para tirar isso da cultura delas”. Ela ainda ressalta a importância de identificar o torcedor e puni-lo rapidamente. “Enquanto você não pune o torcedor que faz isso, eles continuam tendo abertura e entendem que podem continuar fazendo”, comentou.

Tayna Fiori durante cobertura da final do Brasileirão Feminino 2024 (Reprodução/Redes sociais: taynafiori)
A jornalista também falou sobre como é ser uma pessoa LGBTQIAPN+ e trabalhar com o futebol. Ela disse que nunca teve nenhum problema em relação à sua sexualidade, sempre foi muito respeitada dentro da sua profissão. “Nunca sofri nada, todo mundo me respeita e lida com isso muito bem”. E reforçou que gosta de ser uma pessoa ativa nesse assunto. “Gosto de ser uma pessoa de se posicionar diariamente, mas principalmente quando necessário”.
Os casos mais comuns de LGBTfobia dentro dos estádios são os cantos de algumas torcidas. E também quando o goleiro vai cobrar o tiro de meta, e alguns gritam “bicha” quando ele chuta a bola. Gustavo disse que já cobriu jogos em que aconteceram essas coisas e não foi feito nada a respeito. “Quem se sente atingido, reclama, mas não é feito nada concreto para que isso termine”. E diz que hoje os casos de racismo são muito mais debatidos mas que são crimes de igual gravidade. “Precisamos amadurecer para tratar os casos de homofobia com a gravidade que merece”, finalizou.
No futebol masculino, enxerga-se a falta de jogadores (em atividade) assumidamente LGBTS, principalmente no Brasil, apesar de ser o país do futebol. O ex-jogador Richarlyson declarou ser bissexual somente após a sua aposentadoria. Em entrevista, Gustavo disse que acredita que eles têm medo de como será a projeção disso nas suas carreiras, os tipos de restrições que podem acontecer. “No mundo árabe, por exemplo, é um país que paga muito dinheiro a esses atletas, mas são muito radicais quando se trata da união homoafetiva”, disse o jornalista.
Além disso, também é muito raro vermos os jogadores falarem quando acontece alguma situação preconceituosa em determinado jogo, mesmo se estivessem jogando. Tayna Fiori disse que já viu pouquíssimos jogadores se manifestando e geralmente são ex-jogadores, o que acaba não gerando muito impacto, mas, mesmo assim, é muito importante que eles falem.
“Eu acho que cada vez que isso acontece, um pouco disso é desconstruído, tem uma leve mudança, de uma maneira positiva”. E finaliza dizendo que é importante que eles se posicionem, principalmente quando se trata do cenário do futebol masculino, porque no feminino isso já é comum.
Conforme o anuário do Coletivo de Torcidas Canarinhos LGBTQ+, houve 69 casos de homofobia dentro do futebol brasileiro. Mas será que a mídia falou sobre todos eles? Gustavo disse que acha que o tema não é debatido de forma suficiente na imprensa esportiva. “Quando acontece um caso, há uma discussão. Mas ela não pode ser feita só quando acontecem casos específicos, de forma superficial”. E reforça que os casos precisam ser analisados de maneira mais profunda. “À medida que essa discussão for avançando, vamos conseguir chegar a medidas que vão abolir isso dos estádios”
Tayna também concorda que esse assunto não é discutido suficientemente. A repórter também disse que a discussão só acontece quando ocorre algum episódio de violência. “A partir do momento em que você precisa ter um problema para tratar uma solução, ele não é debatido corretamente”, disse a jornalista.
O futebol evoluiu muito desde a sua popularização no nosso país, inclusive a própria imprensa esportiva. À medida que o esporte foi evoluindo, o que é relacionado a ele foi evoluindo junto. Os entrevistados disseram se eles notaram mudanças ou não na narrativa em relação à homofobia no futebol nos últimos anos. Para Gustavo, houve uma mudança na discussão sobre o assunto. “Antigamente, víamos casos explícitos de homofobia nos estádios e nada era feito. Hoje, sabemos que é errado e discutimos o fato quando ele ocorre, mas a discussão está muito longe de ser concluída”, ressaltou.
Ao contrário de Gustavo, Tayna disse que essa narrativa ainda continua muito ruim e falou sobre os medos que as pessoas que sofrem com a homofobia ainda sentem. “A gente continua tendo medo de se assumir, frequentar estádios e abraçar ou beijar a pessoa que você gosta, principalmente quando há uma torcida organizada perto”. E falou que a cultura violenta do futebol ainda se mantém no Brasil. “Ela é uma cultura muito machista e muito homofóbica. Então acho que se manteve assim, porque a gente já tinha de muito ruim”, afirmou.
Portanto, percebe-se que o preconceito está muito presente no meio futebolístico. E torna-se imprescindível a criação de novas medidas e campanhas de conscientização para acabar com este problema todos os dias.
