Em parceria com Rick Azevedo e o movimento Vida Além do Trabalho, a deputada é autora da PEC que pede o fim da escala 6×1
Por Lucas Marengoni
O primeiro dia de maio traz consigo um importante significado. A data que celebra e homenageia os trabalhadores teve sua origem em 1886, na cidade de Chicago, quando operários iniciaram uma greve para reivindicar um máximo de oito horas para as jornadas de trabalho.
No feriado deste ano, a deputada Erika Hilton (PSOL) aproveitou a ocasião para anunciar sua nova PEC, na qual pede o fim da escala 6×1. Sob apoio das massas e alvo de críticas dentro da Câmara, a decisão pode alterar – assim como em Chicago – o expediente dos funcionários em todo o Brasil.
Utilizada em restaurantes, indústrias e serviços que necessitam de operações contínuas, a escala 6×1 é um modelo de trabalho que exige as atividades do empregado por seis dias consecutivos, seguido pela folga em apenas um. Considerada “desumana” por Hilton em vídeo publicado nas redes sociais, a parlamentar afirma que a escala em questão “tira do trabalhador o direito ao lazer e à qualidade de vida”.
PEC é o termo abreviado para Proposta de Emenda à Constituição. A partir dela, é possível modificar as normas vigentes. Entretanto, para que a extinção da escala 6×1 possa ao menos tramitar no Congresso, é preciso 171 votos favoráveis dentre os 513 deputados.
Nos últimos dias, usuários do X (antigo Twitter) puseram a proposta no centro do debate, figurando a tag “FIM DA ESCALA 6×1” no primeiro lugar dos assuntos mais comentados da plataforma. É também pela rede que Erika Hilton, Rick Azevedo e o movimento VAT (Vida Além do Trabalho) publicam quase que instantaneamente atualizações e incentivam os internautas a cobrarem posicionamentos dos representantes.
Dentro da Câmara, a resistência maior tem sido partidária. No último sábado, 09, o próprio deputado Fernando Rodolfo, por meio de publicação no Instagram, confirmou seu apoio à emenda. O parlamentar pernambucano é filiado ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro e grupo de forte oposição ao que sugere a deputada psolista. Sendo o único de seu partido a votar a favor até o momento, Fernando declarou que “o interesse do povo deve estar acima”.
Até a finalização desta reportagem, a contagem de assinaturas favoráveis à PEC se encontrava em 134, de acordo com os dados divulgados por Erika Hilton via X.
Rick Azevedo e o VAT
A atenção direcionada à PEC se deve, também, ao nome de Erika Hilton como autora da proposta, uma deputada influente no cenário político e, principalmente, midiático. Contudo, a movimentação pelo fim da escala 6×1 é mais antiga e encabeçada por outra figura: Rick Azevedo.
Antes de concorrer pelo cargo de vereador do Rio de Janeiro, eleição na qual saiu vitorioso com mais de 29 mil votos, Rick trabalhou como balconista de uma farmácia, oportunidade esta em que pôde vivenciar a jornada 6×1.
Em paralelo à ocupação formal, Azevedo produzia conteúdos para o TikTok voltados ao entretenimento e à música pop. Porém, no dia 13 de setembro de 2023, o então funcionário publicou o – talvez – vídeo mais importante de sua trajetória. Familiarizados com as postagens descontraídas, seus seguidores foram surpreendidos por um intenso desabafo.
Com o olhar fixo na câmera, Rick chamou a atenção dos internautas para a necessidade, segundo ele, de uma revolução da classe trabalhadora. Ainda classificou a escala 6×1 como uma espécie de “escravidão”.
Rick Azevedo, ativista político e fundador do movimento VAT / Foto: Reprodução
Para a revista Exame, Azevedo relembrou o dia. De acordo com o ativista, o desejo de expor a insatisfação se intensificou após um pedido feito por sua coordenadora. Em seu único dia de folga, por ligação, a superior pediu que Rick se dirigisse ao trabalho mais cedo do que o estabelecido. “Costumava entrar às 14h30, ou seja, contava com o descanso da manhã seguinte, que me foi tirado também”, disse o agora vereador.
Atualmente, o vídeo se encontra com mais de um milhão de visualizações. Por meio dele, pessoas manifestaram apoio e compartilharam suas experiências ao trabalhar nesta escala. Com base na recepção às suas ideias de reforma, Rick Azevedo organizou um verdadeiro movimento, a que chama de VAT (Vida Além do Trabalho).
O grupo fundado por Azevedo conta com assessoria jurídica e faz uso dos meios de comunicação para pôr em prática diferentes ações. Além do caráter informativo, o VAT promove passeatas e disponibiliza um abaixo-assinado, de modo que, por meio das assinaturas, seja refletida a opinião pública. Até o fechamento desta matéria, o número de assinaturas contra a 6×1 se estabelece nos expressivos dois milhões.
O fim da escala 6×1 é possível?
Cada uma destas assinaturas é feita por uma pessoa. Mais do que números, o apoio ou crítica ao movimento reflete a percepção da maioria diante das decisões que influenciam o cotidiano do trabalhador brasileiro. Por isso, o Jornal Contexto realizou uma consulta no Calçadão da Batista, um dos principais pontos de comércio no município de Bauru.
Perguntado a respeito da 6×1, Francisco, que é aposentado, diz conhecer esta jornada de trabalho por conta da filha. “Um dia para descansar é muito pouco”, afirma quando questionado se o modelo seria benéfico ou não ao empregado.
Uma das perguntas que compuseram a entrevista se referia ao funcionamento das lojas em dias reduzidos dado a falta de funcionários. A isto, Francisco foi incisivo na resposta. “Façam escala. Revezem”, argumenta.
Maria Aparecida também é aposentada. Ao responder se tinha conhecimento do assunto, descreve os horários de trabalho de sua filha, caixa de supermercado, demonstrando pouca compreensão sobre o termo “6×1”, apesar de este ser o implementado no local em que atua um membro familiar. No que diz respeito às queixas apresentadas pelos empregados nesta escala, Maria reflete que “desgasta muito a mente”. “Existem pessoas afastadas do serviço por conta disso”, completa.
O Jornal Contexto ouviu também alguns empresários que administram estabelecimentos situados em shoppings da cidade. Um deles, que prefere não ser identificado, diz que há dez anos utiliza a escala 6×1 e “os funcionários trabalham tranquilamente”. O gestor afirma, ainda, que esta jornada de trabalho pode ser ou não prejudicial ao colaborador de acordo com o ambiente em que está inserido.
“Nós temos parcerias com academias e faculdades para melhorar a qualidade de vida [do empregado]. Também oferecemos acolhimento psicológico aos que apresentem qualquer dificuldade no dia a dia”, contou.
Em entrevista com proprietária de loja, esta, por sua vez, acredita que o fim da escala representaria uma perda somente ao funcionário. “Você pode trabalhar quatro dias. Nos outros, eu vou ter outras pessoas para trabalhar no teu lugar. Com certeza não irá mudar o meu faturamento. Talvez até renda mais. E o seu?”, reafirmou.
A implementação da 6×1 nos comércios e serviços é algo assegurado pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), um importante documento que regula as relações trabalhistas em território nacional. Desde que seja garantida ao funcionário uma jornada de, no máximo, oito horas diárias, totalizando 44 semanais, cabe ao empregador buscar um acordo para a distribuição delas no período de atividade prestado.
Pensando em uma possível substituta, o movimento VAT sugere a aplicação da escala 4×3. Este modelo se baseia em quatro dias consecutivos de trabalho, seguido por três dias de folga. Ainda em fase de teste, é esperado que a nova jornada represente um equilíbrio entre produtividade e descanso.
Em parceria com a renomada Fundação Getúlio Vargas (FGV), a 4 Day Week realizou um programa piloto em algumas empresas brasileiras. O objetivo da pesquisa era constatar a eficácia e/ou desafios da implementação de uma escala reduzida. O relatório traz considerações após um período de seis meses. No que se refere ao impacto no trabalho, 87% dos funcionários apresentaram maior energia para a realização de suas tarefas, além de uma redução de quase 50% no desgaste emocional dentre o intervalo de comparação.
No entanto, os resultados positivos não são suficientes para determinar a reformulação imediata de todo um sistema. O economista Leandro Souza diz que a redução da jornada de trabalho “a longo prazo é boa para toda a sociedade”, mas, em um primeiro momento, carece de ação estatal.
Segundo o especialista, se faz necessário distinguir a rentabilidade dos negócios e, desse modo, avaliar alternativas de compensação àqueles proprietários que adotarem jornadas menos exaustivas. “Eu acredito que precisaria haver um subsídio para essas pequenas e médias empresas. Se você tiver um funcionário que trabalhe cinco horas, estará isento das tributações trabalhistas, mas é preciso repassar isso a ele”, exemplifica.
De acordo com uma pesquisa do Instituto DataSenado deste ano, o motivo pelo qual alguns afirmam que a redução da jornada de trabalho seria negativa se apoia na preocupação com a diminuição de renda do trabalhador. Sobre isso, o economista confirma a necessidade de manter justa remuneração a fim de evitar a informalidade. “Quando há uma redução de carga horária, o que acontece? O próprio trabalhador busca outro trabalho. Se não proporcionar um valor maior no salário, na renda do trabalhador, não irá adiantar de nada, porque ele vai continuar trabalhando sete dias por semana”, conclui.
