Ao retratar o dia a dia de quem vive na roça e exaltar o luxo proporcionado pelo agronegócio aos grandes produtores, o Agronejo conquista as paradas musicais.

Por Bruna Santini

Chapéu, bota, fivela, dancinhas e funknejo. Você já viu alguma dessas coisas enquanto navegava pela timeline das redes sociais? É quase certeza que sim, afinal, a cultura agro vem dominando o país, com uma máquina de hits musicais, o Agronejo, e a explosão da moda country.

Nos últimos anos, as músicas contando sobre o dia a dia de quem vive na roça, citando adereços, e a grande ostentação do que o agronegócio proporciona aos grandes produtores, se tornaram presentes nas paradas musicais. A moda também sofreu uma pequena mudança, o estilo western, ou country, conquistou o coração de muitas pessoas.

Mas será que o Agronejo, e a moda country representa todas as faces do agronegócio?

Do sertanejo raiz ao agronejo

Tonico & Tinoco – Fonte: capa do CD Sucessos

Para entender sobre a criação e disseminação do Agronejo, precisamos voltar às raízes do sertanejo.

Viola, um instrumento de cordas, que se assemelha ao violão, mas que ao ser tocada se torna inconfundível. Esse instrumento pode ser considerado o precursor do sertanejo.

As modas de viola marcaram o início do gênero. Tropas que conduziam gado, quando paravam em fazendas, se juntavam para comer, beber e contar causos. Tudo isso acompanhado do dedilhar da viola.

Porém, somente por volta do ano de 1929, que Cornélio Pires classificou as modas de viola como um estilo musical. Ele queria transmitir o modo de vida caipira por meio da música. Nessa época, o sertanejo era marcado por canções que retratavam a saudade de casa, a simplicidade da vida no campo, os desafios enfrentados pelos trabalhadores rurais e também os amores vividos.

No ano de 1930, um dos pilares fundamentais da música sertaneja surgiu, a dupla Tonico e Tinoco, que emplacou os primeiros sucessos sertanejos, sendo um deles a canção “Chico Mineiro”.

Em 1970, com o domínio das rádios do país pelo country americano, e o grande avanço do êxodo rural, o sertanejo estourou. Em entrevista para o Jornal Contexto, Dan Batista, músico e criador de conteúdo, explica o porquê disso: “nos anos 70, as duplas clássicas cantavam uma realidade que acompanhava o momento da sociedade brasileira, as pessoas estavam migrando para as capitais, sentindo a saudades do campo que o sertanejo da época cantava”.

Já se consolidando como um sucesso, no ano de 1980 o sertanejo mudou de tema. Duplas como Chitãozinho e Xororó e Leandro e Leonardo instauraram o sertanejo romântico. Agora, as músicas cantavam sobre paixões, corações partidos e amores duradouros.

Nos anos 2000, o sertanejo dominou as festas, jovens e cidades grandes. O sertanejo universitário tomou conta das rádios, os artistas cantavam sobre festas, amores de uma noite, ostentação e também sobre algumas paixões. Luan Santana, Jorge e Mateus e Gusttavo Lima, são alguns dos nomes mais marcantes dessa vertente.

A partir do ano de 2010, o sertanejo começou a se moldar para o que conhecemos hoje. O feminejo, sertanejo sofrência, hibridizações com outros gêneros e o Agronejo, começaram a estourar.

É importante passar por toda a história do sertanejo para ser possível compreender que o Agronejo não é nada inédito. Dan conta que as hibridizações com outros gêneros musicais, principalmente com o funk, já acontecem há mais tempo do que imaginam. Um exemplo é a dupla Henrique e Diego, que emplacou o hit “Suíte 14” junto com Mc Guimê, no ano de 2015.

Falar sobre a vida no campo relembra os primórdios do gênero musical, porém, agora existe um diferencial, o Agronejo é cantado pelos filhos dos patrões, não mais pelo trabalhador rural. “Os artistas mais recentes trazem a exaltação da parte capitalista do agro, que o sertanejo clássico não exaltava dessa maneira”, conta Dan Batista.

A música e a moda agro

Cantores do Agronejo – Fonte: capa da música Fazendinha Sessions #3

Olho com bons olhos no sentido artístico e estético, é resultado de um mercado musical, mas não dá para não falar no sentido político”, opina Dan Batista sobre o Agronejo.

Em 2021, a música “Os Meninos da Pecuária”, da dupla Léo e Raphael, explodiu nas rádios e nas redes sociais. Esse foi o pontapé inicial para o grande sucesso do Agronejo no país.

Com letras exaltando o lado positivo do agronegócio, as canções ostentam a riqueza que vem desse setor, se orgulham da vida na roça e retratam uma visão elitizada do homem do campo, o famoso agroboy.

O romantismo dos anos 80 foi deixado de lado, as músicas falam agora sobre curtição e abusam no duplo sentido, brincando com palavras do dia a dia do mundo agro, como roçar e cavalgar. Marcos Tarini, criador de conteúdo sobre música sertaneja para as redes sociais, faz uma crítica a esse jogo de palavras: “O Agronejo no começo foi com essência do agro, hoje virou promiscuonejo, fala de sentar, botada, ostentação, mais do que sobre o próprio agro”.

A ascensão desta vertente aconteceu nas redes sociais, através da criação de dancinhas para o tik tok e principalmente da conexão dos cantores com o seu público. Os artistas do Agronejo são jovens, Ana Castela e Luan Pereira, dois dos principais nomes deste estilo, acabaram de entrar na casa dos 20, e sabem fazer um bom uso das redes para divulgar suas músicas.

Os adereços usados pelos cantores, como bota e chapéu, foi outro motivo que ajudou a ter todo esse reconhecimento. Izabela Suzuki, jornalista de moda, conta que a moda western sempre foi muito forte no Brasil, principalmente em grandes festas como a Festa do Peão de Barretos, porém, nos últimos anos a tendência voltou com tudo para o guarda roupa das pessoas.

Ana Castela, cantora mais ouvida do Brasil no ano de 2023, incorporou a moda country no seu estilo, sendo apelidada de Boiadeira. As roupas brilhantes, chapéus personalizados e uma infinidade de botas conquistou o público de todas as idades, mas principalmente as crianças, que tem Ana como uma inspiração. “A estética cowgirl é muito bacana!”, diz Izabela.

A hibridização do sertanejo com outros gêneros musicais foi mais um fator que incentivou o agronejo a emplacar hits. Ao se unir com o funk e trap, músicas de sucesso foram feitas, e um bom exemplo é “Dentro da Hilux”, de Luan Pereira, Mc Daniel e Mc Ryan SP.

Dan Batista, ao fazer uma análise da música citada, conta que o sucesso dessas músicas híbridas é positiva, já que quem não gostava do sertanejo em si, pode acabar gostando dessas músicas, gerando uma maior propagação dos valores do Agronejo. Ele e Marcos concordam que a hibridização é essencial para o sucesso.

Porém, o Agronejo não cresceu de forma tão orgânica. Entre os anos de 2019 e 2022, o Brasil estava sob um governo de extrema direita, que exaltava o agronegócio, desta maneira este estilo musical recebeu um investimento deste setor, na tentativa de mostrar que o agro é pop.

Vindo de uma série de polêmicas ambientais, a agropecuária precisava voltar às mídias, mas de uma maneira positiva. “O Agronejo certamente é um protótipo político de propagação de uma visão positiva do agronegócio, e de valores conservadores para grandes massas e capitais”, afirma Batista.

A dupla Léo e Raphael tem uma vasta discografia engrandecendo o agronegócio. Em seus videoclipes, a dupla apresenta estatísticas sobre a movimentação que a agropecuária causa na economia do país, quase uma glorificação deste setor por “carregar o país nas costas”.

No clipe da música “Os Caipira Também Pode”, colaboração da dupla Antony e Gabriel com DJ Kévin, ocorre uma satirização dos protestos sobre crises climáticas, desmatamento e uso de agrotóxicos, enquanto, mais uma vez, os grandes produtores são exaltados.

A fetichização e a glamourização da vida no campo, também é usada como uma ferramenta para influenciar as pessoas a enxergarem o agronegócio de uma maneira positiva. Izabela Suzuki fala que o impacto visual e que a constante presença dos adereços na mídia, acarreta em uma suavização de questões críticas relacionadas ao setor. “A moda é uma linguagem política que, intencionalmente ou não, transmite mensagens e reafirma posições”, explica a jornalista.

“O Agronejo é um dos tentáculos da direita para tentar penetrar suas ideias na mente das pessoas”, disse Dan Batista ao ser perguntado sobre a influência desta vertente do sertanejo na sociedade. Já Marcos Tarini discorda. Ele afirma que a sociedade influencia a música, e não ao contrário.

Distanciando-se completamente da realidade retratada na música “A Grande Esperança”, sucesso na voz de Chico Rey e Paraná, que fala sobre a espera da reforma agrária, o sofrimento da classe roceira e operária, as dificuldades dos pequenos agricultores e desigualdade social, as letras do Agronejo ostentam uma realidade glamourosa presente no agronegócio, promovida pela direita brasileira na tentativa de conquistar mais aliados.

Deixe um comentário