Os dramas coreanos tomaram conta das telas e dos corações do público brasileiro que se viu cativado da cabeça até os pés por hábitos e costumes até então desconhecidos

(Foto: Pixabay)

Por Maria Clara Alves

Entre leveza e complexidade, realismo e conto de fadas, os k-dramas exploram ideias paradoxais que originam enredos imersivos e importam novos estilos de vida, os quais têm mais a dizer sobre a cultura sul-coreana do que parece. Assim, semelhante ao impacto arrebatador de uma quebra de onda, as séries vindas da Coreia do Sul conseguem imergir o espectador brasileiro em um oceano ainda não desbravado de gêneros que retratam diferentes relações interpessoais para contar histórias.

Com o passar do tempo e a ascensão em popularidade, as formas de se referir a essas produções também foram se diversificando. Embora os termos ‘dorama’ e ‘k-drama’ sejam usados como sinônimos no vocabulário popular, eles se distinguem em histórico e significado. A nomenclatura dorama veio da pronúncia em japonês da palavra drama. Ela consiste, na verdade, em séries do Japão surgidas a partir da década de 1950, que trabalham com uma maior quantidade de enredos e um elenco de atores bem definido. Por outro lado, o prefixo k de k-drama (preferido pelos coreanos) indica todas as séries produzidas no país da Coreia do Sul, que também trabalham com um casting de atores limitado e se desenvolvem em cima de enredos completos que progridem em linearidade.

“Um componente interessante dos dramas coreanos para nós ocidentais é a diferença de ritmo ou de intensidade das próprias relações humanas retratadas ali”, comenta a psicanalista Talitha Rizzo sobre o efeito ‘chiclete’ dos k-dramas. A partir da ascensão meteórica dessas séries, o diferente passa a ser alvo de curiosidade e interesse por parte do público do Brasil, este que tem seus hábitos de consumo alterados. Conforme levantamento feito pela Netflix, o consumo de k-dramas no Brasil sextuplicou de 2019 para 2022, e o top 10 de séries mais assistidas do país no 1° semestre de 2023 já foi ocupado por mais de 15 k-dramas diferentes.

Netflix lidera com 81%, seguida pelos 52% da Amazon Prime e 35% da HBO Max (Fonte: Sherlock Communications. Gráfico: Maria Clara Alves/Jornal Contexto)

Dados do Conviva relativos a 2020 apontaram um aumento de 63% do tempo médio gasto pelos brasileiros em plataformas de streaming em relação ao ano anterior. A pandemia de Covid-19 no Brasil fez com que uma parcela significativa da população passasse a consumir dramas como forma de passatempo.

Este é o caso de Maria de Fátima Alves, que mergulhou nesse universo em 2020. Para ela, as séries têm um toque de leveza diferenciado, responsável por, em suas palavras, fazer “cada detalhe despertar o interesse do espectador”. Estatísticas do Google Trends registraram um aumento súbito na procura sobre notícias relacionadas a ‘doramas’ (enquanto termo ainda empregado com maior frequência para se referir a séries sul-coreanas) entre 26 de julho e 1 de agosto de 2020, totalizando 62 pesquisas.

De modo geral, o gosto por séries pode funcionar como uma ferramenta de socialização que, quando compartilhada, produz sensação de pertencimento. A estudante e entusiasta de séries coreanas Mirela Zinsly afirma que “quando as pessoas que já conhecia começaram a assistir, tive mais vontade de conversar sobre o tema”. As redes sociais se consolidaram como meios auxiliares de pesquisar novos produtos cinematográficos sul-coreanos nas plataformas de streaming, além de favorecerem as interações entre pessoas que são unidas por gostos em comum.

“Já socializei e pude criar outros laços com mais intimidade”, compartilha Elaine Sato – que consome séries asiáticas desde os 8 anos – quando questionada se os k-dramas já teriam criado oportunidades de aproximação com outras pessoas. O charme ‘diferencial’ das novelas coreanas é a ampla gama de categorias em que elas podem se enquadrar: romance, suspense, investigação, mítico, de época, entre outras. “O jeito que a trama envolve o telespectador é incrível, e são raros os doramas que o final é previsível ou ruim”, incrementa Mirela.

Há k-dramas para todos os gêneros, gostos e idades (Foto: Pixabay)

Apesar da ação dos algoritmos e das plataformas de redes sociais e streaming, o impulsionamento de elementos culturais da Coreia do Sul é intencional e tem nome: Hallyu. Vista como uma forma de superar a crise de um país enfraquecido pós-Guerra Fria, essa ‘onda coreana’, como também é chamada, consistiu em períodos de estímulos econômicos massivos do governo sul-coreano para o desenvolvimento de patentes e produtos nacionais, sobretudo no ramo do entretenimento.

Isso se consolidou como uma importante ferramenta de soft power, a qual consiste na influência global através de elementos culturais e comportamentais. No caso, a Coreia se voltou para suas próprias produções artísticas, literárias e de bens de consumo, que posteriormente furariam a bolha do próprio país e consolidariam a sua posição de destaque internacional por meio de atos como a empresa de tecnologia Samsung, marcas de cosméticos e os artistas de k-pop BTS e Blackpink, por exemplo.

Nesse sentido, os k-dramas configuram como importantes meios de propagação dos costumes hallyu pelo globo, que acabam por favorecer o cultivo e a aceitação da ideia de existirem outros modelos de sociedade para além do Brasil. “Passamos a experimentar, nos interessamos pela língua, música e literatura, incluímos uma viagem à Coreia na nossa lista de sonhos. Em troca, isso também faz com que sejamos notados enquanto povo e país, podendo levar a laços antes impensados”, pondera Talitha.

É fato que a Coreia do Sul obteve êxito em suas políticas de incentivo à cultura, exportando grandes nomes para a indústria mundial (Foto: Kocowa/Divulgação)

As disparidades entre os costumes cultivados no Brasil e na Coreia – em especial no jeito que o amor romântico é retratado – se colocam, então, como as verdadeiras estrelas que fisgam a atenção do público para a trama e o fazem sonhar. Sobre isso, Talitha afirma que “o amor é retratado de uma forma muito pura; supera barreiras de tempo, espaço e classe social”.

Ainda que essas séries ofereçam intercâmbios culturais significativos, algumas pessoas ainda possuem ‘pé atrás’ quanto às produções dramáticas coreanas. Para Elaine, isso se deve ao “pensamento de que apenas a branquitude americana pode produzir bons conteúdos no cinema, ou por [essas pessoas com pé atrás] pensarem que é uma cultura muito distante da própria”.

Apesar disso, os k-dramas seguem expandindo a sua área de influência entre pessoas de diferentes núcleos etários e econômicos ao redor do país; revelando que é sim possível encontrar produções de entretenimento de qualidade para além do eixo dos Estados Unidos e Europa.

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