O modelo de trabalho é amplamente utilizado e conhecido, mas pode causar severo desgaste emocional ao funcionário
Por Marina Longhitano
Em 2024, o movimento Vida Além do Trabalho (VAT) ganhou mais reconhecimento e popularidade. O influenciador digital e vereador eleito no Rio de Janeiro Ricardo Azevedo propõe que a escala de trabalho 6×1, na qual os funcionários trabalham seis dias na semana e descansam um, deve ser reformada para um regime 4×3, proporcionando mais equilíbrio entre as esferas profissional e pessoal da vida dos trabalhadores. Há uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) no Congresso Nacional pelo fim da escala que causa exaustão, cujas assinaturas têm sido recolhidas pela deputada Erika Hilton.
Para acompanhar mais esta face do assunto, confira o texto de Lucas Marengoni aqui.
Reforçando a relevância da discussão, os dados mostram que o maior número de casos de burnout – esgotamento emocional relacionado ao ambiente de trabalho – no Brasil, nos últimos dez anos, foi registrado em 2023, segundo o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) do Ministério da Previdência Social. Tais fatos estão relacionados a cargas de trabalho exaustivas, já que o registro de 421 pessoas afastadas de seus serviços têm forte relação com esgotamento profissional.
O idealizador do VAT foi balconista de uma farmácia e sentiu na pele os efeitos de jornadas de trabalho intensas. No TikTok, desabafou e deu seu relato. “Estamos vivendo a escravidão na pele sem fazer nada”, diz em um vídeo ao demonstrar indignação e reforçar a necessidade de mudança. Dessa forma, o movimento recebeu apoio de outros trabalhadores nas redes sociais e tem se articulado com cada vez mais força.
Consequências do descanso insuficiente
Ao doar-se com tanta intensidade ao serviço, alguns transtornos que podem ser desencadeados são a depressão, síndromes do pânico, de burnout (esgotamento profissional) e ansiedade.
Uma ex-funcionária do grupo RD Saúde (RaiaDrogasil), do varejo farmacêutico, que preferiu não se identificar, relata seu caso de afastamento do serviço e posterior pedido de demissão, os quais foram provocados por ansiedade. “Eu trabalhava cinco dias, folgava um. A cada dois domingos trabalhados, a gente folgava no terceiro, porém éramos obrigados a pagar as horas dessa folga trabalhando 40 minutos a mais por cinco dias”, conta.
A antiga servidora narra que nem em suas folgas conseguia descansar: “A realidade de quem trabalha assim é exaustiva, tanto física quanto psicologicamente. Na medida em que você só tem uma folga, há muitas pendências para esse único dia – e a última coisa que eu acabava fazendo era descansar”.
O estresse, a sobrecarga de tarefas e a pressão no ambiente de trabalho afetaram a saúde mental da então balconista. Para além disso, a entrevistada garante que a convivência entre os funcionários agravou seu estado, pois o ambiente chegava a ser “nojento de tanta mediocridade”, já que as mulheres falavam mal umas das outras ao mesmo tempo em que todos reclamavam do quão exaustos estavam.
Segundo a fonte, o suporte oferecido pela empresa, isto é, consultas psicológicas online, era insuficiente. “O que causa esse dano psicológico está na raiz do problema [a escala], que jamais é tocado”, analisa. A trabalhadora revela que buscou ajuda psiquiátrica por conta própria.
Por fim, aponta a contradição presente no slogan da companhia (“juntos por sociedade mais saudável”) porque diz “criar programas que, teoricamente, oferecem respaldo ao funcionário quando necessário, mas, na realidade, isso é superficial”. Assim, questiona: “a qual sociedade sadia a marca realmente se refere?”.
O preço da produtividade
No sistema de muitos modelos de negócio, o lucro é proporcional ao número de vendas. Por isso, a quantidade de dias de trabalho se torna tão relevante. Assim, os resultados financeiros colocam os funcionários em segundo plano.
“Sem alteração na quantidade de funcionários, é inviável manter negócios que funcionam aos finais de semana e feriados”, afirma a líder de uma loja que preferiu não se identificar. No entanto, a profissional garante que há assistência em casos de mal-estar. “Se é um dia de exaustão, os funcionários conseguem ir para casa porque a gente tem banco de horas. É cultura da empresa não deixar a pessoa trabalhar se sentindo mal”, informa.
Ao ser questionada sobre possíveis prejuízos ao comércio, a gerente explica que, em seu cargo e na loja, de maneira geral, não haveria alteração se a escala de trabalho sofresse redução. “Nos dias em que alguém não trabalhar, terei outras pessoas para colocar no lugar. O meu faturamento não vai mudar, talvez até aumente. Mas como vai ser o faturamento do colaborador?”, declara.
Outro ponto a ser considerado com relação à saúde mental do trabalhador é a ideia de descartabilidade, ou seja, a noção de que, se não se submeter àquelas condições, será substituído por outra pessoa que aceite. A consciência de que seu sustento depende de empregos com rotinas abusivas e, muitas vezes, inflexíveis também têm consequências graves na disposição dos contratados. “Me sinto impotente por saber que minha sobrevivência depende de um modelo CLT, principalmente percebendo o quanto os trabalhadores são desvalorizados”, explica a ex -balconista da Drogasil.
Identificando o problema e procurando ajuda
Apesar de às vezes confundidos, os transtornos de ansiedade, depressão e burnout se diferenciam nos detalhes:
- Ansiedade: estresse contínuo mesmo quando o fator estressor cessa;
- Depressão: doença psiquiátrica que atinge pessoas de idades e condições variadas;
- Síndrome de Burnout: necessariamente originada no ambiente de trabalho e causada por estresse.
No Brasil, o Ministério da Saúde (MS) afirma, em seu portal oficial, que o burnout “pode resultar em estado de depressão profunda e, por isso, é essencial procurar apoio profissional no surgimento dos primeiros sintomas”.
Dentre as particularidades desta síndrome estão a exaustão, o ceticismo, ou seja, falta de interesse e insensibilidade diante dos serviços prestados, e a sensação de insuficiência no local de trabalho, de acordo com o site oficial da Associação Nacional de Medicina do Trabalho. O diagnóstico e os cuidados a partir de então são definidos por profissionais da psicologia e da psiquiatria. Após análise clínica do paciente, o tratamento da Síndrome de Burnout é feito basicamente com psicoterapia, mas também pode envolver medicamentos (antidepressivos e/ou ansiolíticos), conforme o MS.
Embora haja informação a respeito dos sinais e da seriedade dos distúrbios psíquicos, ainda há estigmas relacionados a tais doenças. Alguns indivíduos consideram os sintomas “falta de vontade” ou “frescura”, o que resulta na banalização dos indicativos do mal-estar e agrava casos existentes. O receio do diagnóstico ser chamado de “loucura” causa vergonha e medo de uma possível repercussão negativa.
Para procurar ajuda, uma das opções é o Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (CEREST), que presta atendimento especializado. O Ministério da Saúde afirma que há “uma equipe de profissionais qualificados que faz um diagnóstico do estado de saúde do usuário e, se for constatada a relação da doença com o trabalho, ele é atendido no ambulatório de saúde do trabalhador, caso contrário, é encaminhado a outros serviços da Rede SUS”.
