Estudantes e especialistas discutem as consequências psicológicas de uma avaliação cada vez mais presente na vida dos jovens

Por Luana Lara

O vestibular sempre foi considerado a principal porta de entrada para o Ensino Superior no Brasil. Provas tradicionais – como o Enem, Fuvest e Vunesp – têm um propósito claro e específico: selecionar os candidatos que ocuparão as vagas em cursos de graduação. Por meio desses exames, os estudantes concorrem entre si pelas vagas oferecidas e o desempenho individual em um único exame é fator decisivo para a aprovação.

Já o Provão Paulista, implementado em 2023, traz um formato completamente diferente. Voltado exclusivamente para os alunos de Ensino Médio da rede pública estadual, se destaca por seu formato seriado, acompanhando o progresso dos estudantes ano a ano.

Segundo a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, cerca de 378 mil estudantes se inscreveram no Provão este ano para disputar 15.390 vagas, sendo 1.500 para a Universidade de São Paulo (USP), 934 para a Universidade Estadual Paulista (Unesp), 325 para a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e o restante para as Faculdades de Tecnologia do Estado de São Paulo (Fatecs) e Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp).

A nova realidade nas escolas

Rafael dos Santos Barbosa, coordenador responsável pela Escola Estadual Amácio Mazzaropi, compartilha suas impressões sobre como os alunos lidaram com o novo exame em seus dois primeiros anos de aplicação. “No primeiro ano, nós observamos que alguns estudantes estavam bem ansiosos, era uma novidade no estado e uma oportunidade única para eles. Neste segundo ano, já percebemos um certo estresse dos estudantes acompanhado da ansiedade. Eles já haviam vivenciado as oportunidades dadas aos estudantes do ano anterior, e isso gerou uma expectativa maior”, conta.

O coordenador também enfatiza que a escola busca incentivar os alunos nesse processo: “Antes da prova, realizamos uma reunião com os pais e pedimos apoio para que o estudante entenda a importância desta prova, principalmente os da 3ª Série. Professores e tutores escreveram cartas aos estudantes incentivando-os e parabenizando-os por terem chegado até este momento, para que se sentissem acolhidos nesta fase da vida deles”.

Desafios e perspectivas dos estudantes

Por outro lado, nem todas as escolas adotam o mesmo nível de apoio emocional. Para alguns alunos, como Evelyn Silva e Henrique dos Santos, estudantes do 3° ano da Escola Técnica Estadual Dr. Geraldo José Rodrigues Alckmin, o Provão Paulista parece atender mais aos interesses da instituição que às necessidades dos próprios alunos. “Os professores nos falaram para fazer o Provão Paulista apenas para melhorar o nome da escola, não para a gente”, comenta Evelyn. “Eles dizem que se 50% da sala faltar, ficamos sem interclasse”, denuncia.

Esse sentimento é compartilhado por Henrique, que complementa: “A escola só pensa no bem-estar deles, para que possam crescer no estado e serem vistos como uma escola popular, que dá bom ensino”. A implicação dessas palavras é clara: a pressão que os estudantes enfrentam pode, em muitos casos, desconsiderar suas próprias necessidades emocionais e psicológicas.

Evelyn acrescenta uma crítica ao apoio psicológico oferecido pela escola: “Uma vez no ano eles possibilitam uma palestra, e falam: ‘vamos trazer um psicólogo aqui pra ajudar vocês mentalmente’, mas, no final, dizem que a verba não possibilita, e que isso não tem tanto interesse no ensino escolar”. A situação deixa claro que nem todas as instituições oferecem o mesmo nível de apoio emocional e que as oportunidades de suporte não alcançam todos os alunos da mesma maneira.

A rotina dos estudantes do Ensino Médio é outra realidade que contribui para a pressão que enfrentam. Com jornadas que combinam a carga horária escolar com o curso técnico, muitos têm dificuldades para conciliar os estudos necessários para as provas e a preparação para o vestibular. “Às vezes, a gente chegava cansado porque a escola toma muito da nossa energia. Não dá tempo de sentar e estudar. O nosso foco estava em querer dormir”, diz a aluna Evelyn.

Esse esgotamento, que é visível na fala da estudante, também é compartilhado por Henrique dos Santos, que, além da carga escolar e do curso técnico, ainda trabalha. “Eu chego em casa às dez horas da noite e é muito difícil reservar um tempo só para o estudo. Não dá para focar no que vai cair no Enem, no Provão Paulista e no trabalho. Não tenho períodos livres. Quando chega o final de semana, o pouco tempo disponível é destinado ao estudo, então o descanso é mínimo”, conta o aluno.

E, apesar de a proposta do curso técnico integrada ao Ensino Médio ser vista como uma vantagem, os estudantes têm a sensação de que pode ser um obstáculo para o vestibular, especialmente quando os conteúdos não se alinham com as exigências de exames como o Enem. “A instituição tira matérias importantes da grade curricular para encaixar o curso técnico. Não dizendo que isso não seja bom para a gente. Só que, no caso do Enem, não vai cair sobre essa parte técnica”, ressalta Henrique.

Entendimento dos efeitos psicológicos

De acordo com a psicóloga Laís Costa, alguns sintomas são comuns em estudantes sobrecarregados. “Associada a dor de cabeça e cansaço, a gente vê uma falta de paciência extrema, que pode se manifestar com picos de agressividade, grosseria ou na dificuldade de se relacionar com as pessoas ao redor, tanto com a família quanto com colegas de escola ou faculdade”, alerta.

A psicóloga observou que as consequências da cobrança excessiva se estendem até a vida adulta. “Hoje em dia, como profissional, eu atendo muitos universitários na clínica, e vejo os efeitos do período de preparação para o vestibular na vida desses estudantes”, explica Laís. A transição do Ensino Médio para o Ensino Superior pode ser especialmente desafiadora, pois a competitividade que começa no vestibular continua na vida acadêmica. “Isso se reflete na realidade das escolas públicas, como no caso do Provão Paulista. É interessante que, tanto nos cursinhos quanto nas escolas, exista um trabalho para separar a nota da autoestima do estudante. Em algum momento, os jovens vão se frustrar, como lidam com essa frustração é crucial para o seu bem-estar”, avalia a profissional.

Por fim, Laís enfatiza a importância de os pais manterem uma comunicação aberta com seus filhos. “É fundamental que conversem, perguntem como estão se sentindo mesmo quando dizem que está tudo bem. Muitas vezes, o jovem não sabe como expressar o que está vivendo ou não quer preocupar os pais. Estar atento e tentar auxiliá-los de alguma forma é essencial”, aconselha a especialista.

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