Entenda como propagandas repetitivas e apelativas que aparecem nas redes sociais podem ser danosas ao usuários

Por Isabela Oshiro


No Brasil, a regulamentação total dos jogos de azar ainda está em progresso. Em janeiro de 2024, o Projeto de Lei 3626/2023, que dispõe sobre apostas na questão de tributação e restrições, foi sancionado pelo presidente Lula. O Governo publicou uma lista de empresas que cumprem os requisitos e podem funcionar legalmente no país. Entretanto, as regras para a publicidade desses sites ainda não estão contempladas, o que leva ao excesso de anúncios, principalmente nas internet.

As redes sociais têm um regime próprio para seus usuários e criadores de conteúdo, são as “Diretrizes da Comunidade”, que garantem a todos o uso da plataforma em conformidade com os direitos humanos. Cada uma das empresas dita as regras para a publicidade de produtos ou serviços dentro de seus portais, mas não há regras específicas para postagens sobre sites de apostas ou jogos de azar.

Em 2024, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) publicou o Anexo X. Esse documento é um conjunto de regras e requisitos que devem ser cumpridos na propagandas específicas sobre as plataformas de apostas. O CONAR também conta com o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária e, em 2021, lançou o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais.

A propaganda dos jogos de azar feita nas redes sociais, por influenciadores ou  pelos próprios sites de apostas, é nociva, pois pode atingir crianças, adolescentes e outras pessoas em situação de vulnerabilidade. Além de não transmitir os riscos reais das apostas, como vício, perda total de patrimônio e danos psicológicos.

Apenas em janeiro deste ano, as casas de apostas haviam investido mais de R$ 2,4 bilhões no mercado publicitário do país, segundo levantamento feito pela consultoria Kantar Ibope e divulgado pela revista Meio & Mensagem.⁠ Em entrevista para a BBC News Brasil, a diretora do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde, Sônia Barros, disse que não devem existir propagandas de casas de apostas.

Os apostadores e as propagandas

Em agosto de 2024, um levantamento feito pelo Instituto Locomotiva traçou o perfil dos apostadores brasileiros. A pesquisa mostra que 86% dos jogadores já estão endividados, e 79% são das classes C, D e E.

Fonte: Instituto Locomotiva

De acordo com outro levantamento do Instituto Locomotiva, desta vez em parceria com a QuestionPro, 68% dos brasileiros tiveram influência de propagandas ou anúncios de aplicativos/sites de apostas esportivas ou de patrocínios de clubes esportivos para começar a jogar. A chave para o sucesso da publicidade pelas redes sociais está no fato de atingir uma parcela gigantesca da população, até aquelas que deveriam estar protegidas, como menores de idade e pessoas que lutam contra o vício.

Uma pesquisa feita pela Datahub mostra que 2% dos apostadores são menores de idade, apesar da atividade ser proibida para quem tem menos de 18 anos. Para a psicóloga Rebeca Rios, é preciso criar estratégias para que esse tipo de conteúdo não chegue às crianças e adolescentes. “Nessa fase, o prejuízo é bem maior”, argumenta.

Outra preocupação é a propaganda feita por influenciadores, que são pagos pelas empresas, e publicam vídeos jogando e ganhando dinheiro, apresentando a ideia de “lucro fácil” aos seus seguidores. “Essa questão é ainda mais grave do que as propagandas em si, porque o influenciador tem conexão com o público, seus seguidores vêem uma autoridade”, explica Rebeca.

Em setembro deste ano, a Polícia Civil fez uma investigação sobre um grupo criminoso acusado de lavagem de dinheiro que está relacionado com a casa de apostas online Esportes da Sorte. A plataforma tem parceria com famosos como Virgínia Fonseca e os cantores Carlinhos Maia e Zé Felipe. Além da influenciadora digital Deolane Bezerra, que foi presa na ação policial.

Rafael Bortoletto, 35, conta que começou a apostar por influência de amigos, mas desde muito antes já via as propagandas feitas pelos influenciadores que seguia. “Acho que o público menos informado acaba caindo nessa ‘armadilha’ de achar que aquela pessoa [influenciador] ficou bem-sucedida com jogos de azar. Não acho apropriado, embora entenda a estratégia do mercado e do marketing”, comenta.

Apesar das controvérsias, alguns famosos defendem que não enganam seus seguidores e afirmam que cada um faz suas próprias escolhas. Carlinhos Maia postou em suas redes sociais que “não vai ter enriquecimento rápido, não vai ficar milionário. Você vai ganhar e você vai perder. Eu, como influenciador, deixo muito claro o que eu estou indicando para você. Cabe a você, que não é menino, que não é criança, entender se quer ou não fazer”.

A necessidade de regulação

A sinalização de que uma postagem na rede social é uma publicidade paga é obrigatória no Brasil, de acordo com o CONAR. Geralmente os influenciadores usam a hashtag “#publi” nas legendas de suas fotos e vídeos. Mas essa regra não contempla transmissões ao vivo, as famosas lives, populares em aplicativos como Tiktok, Youtube e  Instagram, o que permite que conteúdos publicitários sejam feitos sem a devida identificação.

Além disso, não há transparência acerca do funcionamento dos sites de apostas. Os influenciadores não explicam, por exemplo, como funcionam as chances de ganho ou perda, nem como os vencedores são escolhidos (nos casos de jogos de azar). “A rigor, não tem como você se certificar de que, no lado da programação desses jogos de azar, não se possa mexer nas chances de ganho, e existe pouca auditoria nesse sentido ou poucas formas de auditar”, destaca Claudio Luiz Cecim Filho, professor do curso de graduação em Publicidade e Propaganda da Faculdade Cásper Líbero e Doutor em Comunicação e Semiótica.

No Brasil, faz-se necessária uma regulamentação em âmbito nacional, que atinja principalmente as redes sociais para conter as propagandas de sites de apostas a fim de proteger o público vulnerável, como menores de idade, e prevenir o aumento de casos de vício. Hoje, o país é o terceiro no mundo em consumo de casas de apostas, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Inglaterra, de acordo com dados da empresa Comscore.

“Se a gente deixar pra autorregulamentação apenas, como fazem as redes, não será suficiente”, explica Claudio. As lacunas mais evidentes nas publicidades feitas nas redes sociais são: a perpetuação da falsa realidade de “lucro fácil”; a falta de explicação do funcionamento dos sites e aplicativos de aposta em relação ao seu back-end (código que conecta a internet com o banco de dados) que “escolhe” os vencedores; e os riscos existentes, como perda total de patrimônio e vício. “Raramente se destaca que é possível também perder dinheiro. É um  aspecto retórico dos anúncios publicitários que deveria estar contemplado na legislação”, afirma o professor.

Na França, desde 2023, os influenciadores e atletas são proibidos de publicar propagandas de apostas e jogos de azar. A lei 790, elaborada pelo Governo em parceria com a Autoridade Nacional de Apostas (ANJ, em francês), diz que os infratores podem ser condenados a multa ou até dois anos de prisão. Medidas como essa, já adotadas também em outros países como Reino Unido e Suécia, evidenciam que a regulamentação autônoma de cada plataforma de rede social não é suficiente para garantir o bem-estar de seus usuários frente às publicidades, e o esforço governamental é necessário.

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