Entenda os mecanismos psicológicos que tornam as apostas esportivas uma atração irresistível, mas potencialmente perigosa

Por Raul de Lara Gomes da Silva

Desde 2018, o mercado de apostas esportivas online no Brasil tem crescido exponencialmente, impulsionado pela legalização da prática por meio da Lei 13.756/2018. Até pouco tempo, o Reino Unido era o lugar com o maior número de acessos a sites de apostas, porém, em 2022, os britânicos perderam esse posto para o Brasil.

Segundo uma pesquisa do Datafolha, 15% dos brasileiros já tentaram a sorte em sites de bets. Os dados indicam que as apostas esportivas são mais comuns entre os jovens, que representam 30% na faixa entre 16 e 24 anos, ante 15% da média nacional, e entre os homens (21%, contra 9% das mulheres).

Outro levantamento importante foi o realizado pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) em parceria com o Datafolha, mostrando que:

  • 22,4 milhões de brasileiros usam aplicativos de aposta online (14% da população brasileira);
  • 40% consideram as apostas uma chance de ganhar dinheiro rápido em momentos de necessidade.

Por trás desse mercado multimilionário, há uma psicologia complexa que impulsiona as pessoas a jogar e, muitas vezes, a adquirirem o chamado transtorno de jogo.

Apostas online foram regulamentadas no Brasil em 2018
Foto: Playzilla

As casas de apostas inundam o mercado com promessas de ganhos rápidos e fáceis. As campanhas publicitárias, muitas vezes voltadas para jovens e pessoas em dificuldades financeiras, criam a ilusão de que qualquer um pode ser o próximo grande vencedor. No entanto, especialistas alertam que as apostas esportivas podem ser uma armadilha financeira. A professora doutora Célia Regina da Silva, do Departamento de Psicologia da Unesp Bauru, destaca que “a propaganda incentiva comportamentos que, às vezes, podem induzir a uma situação de maior precariedade do que ela já está”. Isso porque, para muitos, a aposta se torna uma fuga das dificuldades financeiras e uma esperança de mudança de vida.

“A desigualdade social, para mim, é o principal fator. A maioria das pessoas que caem e vão pra essa atividade de forma viciante são aquelas que estão em condições precárias financeiramente”, pondera. Célia explica que pessoas de baixa renda são mais vulneráveis ao vício, pois veem as apostas como uma forma de melhorar sua situação financeira de forma milagrosa.

Vitor Simões Trimidi, um jovem apostador, ilustra esse ponto: “o que me chamou atenção foram as propagandas nas redes sociais, vendo pessoas dando dicas e ganhando dinheiro de forma simples e rápida. No começo, fiquei bastante animado com essa ideia de ganhar dinheiro com apostas pelo celular”, relata.

Entendendo a psicologia do vício

Os aspectos psicológicos por trás das apostas esportivas também envolvem o conceito de “reforço intermitente”, no qual as recompensas são aleatórias e imprevisíveis. Isso cria uma sensação de ansiedade e expectativa, mantendo os apostadores engajados. O professor doutor Fábio Leyser Gonçalves, Chefe do Departamento de Psicologia da Unesp Bauru, explica que esse é o principal motor da compulsão: “a questão é que um ganho intermitente e imprevisível tem uma capacidade de controlar nosso comportamento maior do que quando há previsibilidade”.

Essa dinâmica é intensificada pelas apostas esportivas, que ativam o sistema de recompensa do cérebro, criando uma sensação de prazer. No entanto, esse sentimento é temporário e pode levar a uma busca constante por retribuição, resultando em dependência.

Um exemplo disso é o relato de Vitor Trimidi, que admite: “As apostas promovem um ambiente divertido e alegre, mas não há como não comprometer a vida financeira. Infelizmente, isso acaba me afetando muito, me sinto frustrado e estressado quando eu perco dinheiro, com vontade de ganhar mais para suprir a perda”.

Essa mentalidade é comum entre os apostadores e pode levar a um ciclo de perdas financeiras e dependência. “Na medida em que a pessoa não consegue recuperar, vão se esgotando suas fontes de recursos, o que pode levar a sentimentos de impotência, desamparo e depressão”, alerta Fábio Leyser.

Ainda de acordo com o psicólogo, a dependência é um padrão de comportamento que se caracteriza por uma predominância do comportamento, necessidade de jogar cada vez mais, dificuldade de parar e prejuízo em relações sociais, atividades de trabalho ou estudo. No entanto, é importante notar que “o hábito de apostar, por si só, não constitui um problema”, afirma o professor, “como qualquer transtorno mental, a questão está em deixar de realizar suas atividades cotidianas para se dedicar exclusivamente às apostas”, conclui.

Para lidar com essa tentação, Vitor encontrou uma solução criativa. “Sobre o controle das apostas, eu peço para meus amigos me aconselharem a não apostar quando estou sozinho. Geralmente, almoço na faculdade e, nesse horário, meu celular fica com eles para eu não ter acesso”, narra.

Apostas viraram um problema de saúde
Foto: Guilherme Zamarolli/UOL

Análise neurobiológica

A compulsão em jogos de azar está intimamente relacionada à forma como o cérebro processa recompensas e emoções. Pesquisas mostram que regiões importantes associadas à tomada de decisão arriscada, como o córtex pré-frontal ventromedial e o córtex frontal orbital, apresentam uma maior atividade em jogadores compulsivos. Além disso, a ínsula, responsável pela regulação do sistema nervoso autônomo, também está envolvida. Essas alterações no cérebro podem contribuir para o desenvolvimento do transtorno do jogo compulsivo.

A dopamina, neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa, desempenha um papel fundamental no vício em jogos de azar. Quando os jogadores observam o resultado de sua aposta, há uma ativação cerebral aumentada no sistema de recompensa, incluindo o núcleo caudado. Estudos da Universidade de Cambridge mostram que jogadores compulsivos apresentam níveis significativamente mais altos de excitação quando a dopamina é liberada em seus cérebros em comparação com pessoas saudáveis. Essa liberação de dopamina pode reforçar a compulsão por jogos, aumentando a excitação e reduzindo a inibição de decisões arriscadas.

A neurobiologia revela como o cérebro processa risco, recompensa e tomada de decisão
Foto: iStockphoto

Tratamento

O tratamento para dependência de jogos online pode variar conforme cada caso, mas geralmente envolve uma combinação de terapia individual e em grupo, suporte emocional, e, em alguns casos, medicação para tratar sintomas de ansiedade e depressão associados ao vício.

Contudo, os profissionais envolvidos podem avaliar melhor as condições e, se for o caso, podem ser necessárias intervenções mais graves, como internações em clínicas de reabilitação.

O tratamento médico é fundamental para a reabilitação do indivíduo com vício em jogos de apostas. A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) é uma abordagem bastante comum para tratar o vício em jogos de azar, pois ajuda os indivíduos a identificarem e modificarem padrões de pensamentos e comportamentos disfuncionais associados ao jogo compulsivo.

A Terapia Cognitivo-Comportamental pode ser uma ferramenta para promover autocontrole Foto: iStockphoto

Isso pode incluir aprender a reconhecer e lidar com gatilhos emocionais que levam ao jogo, desenvolver habilidades de enfrentamento saudáveis e aprender a gerenciar o dinheiro de forma responsável. “É uma abordagem que tem se mostrado eficaz em várias áreas que requerem uma mudança de comportamento por buscar essas dicas mais concretas para alterar determinados comportamentos”, complementa a professora Célia.

Participar de grupos de apoio, como o Jogadores Anônimos (JA), também fornece um senso de comunidade e apoio emocional para aqueles que estão lutando contra o vício em apostas esportivas. O compartilhamento de experiências e estratégias de enfrentamento com outras pessoas que passam por desafios semelhantes pode ser valioso durante o processo de recuperação.

Além das terapias cognitivo-comportamentais e os grupos de ajuda, alguns medicamentos podem ser eficazes na redução dos sintomas do transtorno do jogo compulsivo. Os inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRSs), por exemplo, podem ajudar a controlar a depressão e outros sintomas associados ao vício. Ademais, pesquisas sugerem que a Naltrexona, uma droga que bloqueia os receptores opioides, pode ser útil para algumas pessoas com transtorno do jogo compulsivo.

Em resumo, a psicologia por trás das apostas esportivas é complexa e envolve fatores sociais, emocionais e financeiros. É fundamental entender esses elementos para desenvolver estratégias eficazes de prevenção e tratamento do vício explorando as opções mais adequadas para cada caso.

É possível superar essa dependência

O transtorno em jogos de azar, especialmente em apostas online, pode ter consequências devastadoras para a saúde mental, financeira e emocional dos indivíduos afetados. No entanto, é possível superar esse vício com o apoio adequado e o compromisso de mudar.

Reconhecer o problema, buscar ajuda profissional e implementar estratégias de prevenção de recaídas são passos essenciais no caminho para a recuperação.

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