Entenda como oportunidades e desafios fazem parte da trajetória de jovens que buscam uma carreira no futebol
Por Vitória Mendes
O futebol é uma presença recorrente nas casas de milhões de brasileiros. Une famílias, amigos e vizinhos para acompanharem os jogos e torcerem para os seus times do coração. A enorme paixão e valorização do esporte vêm sendo transmitida por muitas gerações. É assim que, desde cedo, muitas crianças expressam o sonho de se tornarem atletas profissionais e terem uma conexão ainda maior com essa parte da cultura nacional.
Ao buscarem desse sonho, a maioria se depara com as categorias de base, que são a principal maneira de iniciar no esporte. Esses setores estão presentes na maioria dos esportes e atuam como parte do processo de iniciação e formação de um atleta. Assim, são responsáveis por aprimorá-lo de forma técnica, motora, emocional, física e tática, preparando-o cada vez mais para as etapas seguintes da carreira.
Durante esse ciclo, os clubes têm o papel crucial de criar um cidadão disciplinado e responsável, não apenas um jogador. Ao mesmo tempo que o jovem aprende a ter precisão nos passes, também estuda como trabalhar em grupo e como agir em sociedade. Além disso, a permanência na escola é de extrema prioridade para a maioria dos clubes brasileiros.
Para Wellington Nobre de Morais, o Deda, coordenador técnico do EC Noroeste, os atletas devem ter alto rendimento tanto no campo quanto na vida escolar. “Um jogador melhor, academicamente falando, se torna um ser humano melhor, um atleta melhor. Então, eu creio que os estudos são a base para um bem em comum”, afirma.

Contudo, o caminho para que os jovens possam demonstrar seu potencial é longo. A maioria deles passa por todas as etapas desde a iniciação no Sub-8 até o Sub-17 e Sub-20, que são as categorias com acesso mais próximo e direto do profissional. Somente aqueles que demonstram bom desempenho nas suas funções e frente ao clube que representam recebem oportunidades irrecusáveis. Frequentemente, isso significa ter que abdicar do tempo de lazer, com família e amigos e até mesmo de descanso.
Na visão de Deda, é essencial focar no objetivo principal e não desistir. “Para virar um atleta profissional são muitas etapas e eles têm que estar ali sendo o melhor em cada item, em cada treino colocado. Todo dia, ele tem que fazer o melhor dele, não pode ser só no jogo ou só no treino. Tem que ser todos os dias, tem que ser dedicação total”, afirma o coordenador.
Além da dedicação do esportista, é preciso levar em consideração o trabalho realizado pelo próprio setor. Atualmente, há uma diferença na forma como os clubes brasileiros e internacionais tratam as bases e isso tem grande influência no resultado final. No cenário europeu, as equipes estimam bastante a formação e o estudo, enquanto, no Brasil, a maioria dos times contempla mais a rentabilidade e exportação. No entanto, essa situação está mudando gradativamente.
“Lá é o inverso daqui. Os estrangeiros investem muito dinheiro também, só que eles querem formar primeiro o cidadão. Então é estudo, bastante estudo, e depois a parte profissional do negócio. E lá tá dando muito mais frutos, mas aqui a gente está tentando fazer. Nos times de ponta, a maioria faz um trabalho muito bem-feito. Os times menores estão se especializando, modernizando, se estruturando para que isso possa acontecer”, reitera o coordenador técnico do Noroeste.

De acordo com o Observatório de Futebol do CIES, apenas quatro clubes brasileiros estão entre os 30 com as melhores bases do mundo, sendo eles o São Paulo, o Flamengo, o Corinthians e o Fluminense. Esse número baixo evidencia que há dificuldades pertinentes que precisam ser superadas para garantir uma formação de qualidade para os jovens atletas.
E, afinal, a base garante uma formação de qualidade para os atletas?
O desempenho é um dos principais pontos avaliados em cada parte do processo, mas, para demonstrar uma performance de qualidade, é preciso considerar a existência de diversos fatores que afetam diretamente nesse processo. A maioria dos jovens que arriscam seguir carreira no futebol são de classes sociais mais baixas. Esses garotos saem de suas casas muito cedo com ímpeto de conquistar seus sonhos e ajudar suas famílias. Assim, se torna indispensável que o clube ofereça uma boa qualidade de vida a esses jovens, garantindo que suas preocupações sejam diminuídas. Contudo, frequentemente, não é isso que acontece, principalmente em clubes menores dos interiores do Brasil.

João Pedro Restani, analista de desempenho do Sub-20 do Guarani FC, explica a situação. “A gente trata com atletas que saem de casa muito cedo e abrem mão de toda uma infância, de amigos, de momentos para viver isso, para tentar um sonho. E eles não têm nenhuma garantia”, comenta. Além da falta de certezas, há dificuldades em relação à questão de infraestrutura nos alojamentos, na quantidade e qualidade de alimentos e no acolhimento do clube para com os jovens. Para o analista de desempenho, essa complexidade é aparente.
“Existe uma desigualdade muito grande e isso vai muito da visão dos clubes. Alguns, infelizmente, hoje veem a base como um gasto, não como uma solução, como algo que você consegue aprimorar para de fato te render frutos. Se a gente for pegar a realidade dos clubes de interior, são alojamentos precários, a gente vai encontrar realidade em que os meninos não têm ventilador nos quartos, dormem em colchões ruins, têm uma alimentação que poucas pessoas gostariam de ter”, alega Restani.
Ainda, outro desafio constante é a questão da rentabilidade. Hoje, muitos clubes apenas consideram a base como fonte de renda decorrente das exportações de jogadores. Nesses casos, a maior preocupação não é com a iniciação e formação dos atletas, e sim com os patrocínios, vendas nacionais e internacionais e possíveis investidores. À vista disso, a desigualdade de oportunidades é ainda mais evidenciada.
“Existem poucas ferramentas para exercer um trabalho na base de forma correta. A gente tem uma dificuldade muito grande que é a relação dos clubes com os pais dos jogadores e empresários. Hoje em dia, tem clubes que a gente vê situação de pais pagarem para filho jogar. E aí como é que você vai fazer um trabalho decente para colocar quem realmente tem que jogar de acordo com merecimento se o clube não dá esse suporte?”, questiona Restani. O analista ainda afirma que os clubes devem oferecer suporte para que o trabalho seja feito corretamente, e não apenas o que é conveniente financeiramente para algumas entidades.
E, em um esporte em que cada mínimo detalhe conta, esses fatores são determinantes para que o atleta consiga passar pelos “funis” cada vez menores e chegue mais perto da profissionalização. Afinal, o mercado esportivo é brutal e não há espaço para todos os atletas da base no time principal. São muitos jovens competindo por poucas vagas, e o número de atletas que fazem a transição do Sub-20 para o profissional é baixíssimo, conforme relatam as fontes.
Entretanto, a base deve cumprir seu papel de formação com relação ao ser humano, para que o jovem que não siga carreira no futebol consiga oportunidades em diversas áreas, até mesmo desempenhando outras funções no meio esportivo.
“É papel fundamental que a gente consiga identificar desde cedo quais são os atletas que vão conseguir uma projeção maior. Quanto antes eu conseguir detectar que esse jogador não tem um futuro profissional aqui e eu puder dispensar para seguir a vida dele, seja no futebol ou em outra área, é melhor para o atleta e para o clube”, comenta João Pedro.
Apesar de tudo, não é impossível seguir carreira no futebol. Há dificuldades e obstáculos, mas ainda existem clubes formadores cujo objetivo principal é criar bons atletas e cidadãos e que continuam atuando na concretização dos sonhos dos jovens de seguirem carreira no esporte do coração.
