Dietas restritivas, traumas na infância e redes sociais são os principais fatores que podem influenciar o início do diagnóstico dos transtornos alimentares.

Por Isabel Assis 

Distúrbios alimentares, você conhece este termo? Se for jovem, a probabilidade de conhecer é ainda maior. Segundo a Comissão de Saúde, em um levantamento realizado na câmara dos deputados em 2024, uma em cada vinte pessoas no Brasil possui algum transtorno alimentar. Neste levantamento, também se apontou que um em cada cinco jovens de 6 a 18 anos faz parte desse grupo de pessoas.

O tema é considerado um transtorno mental, sendo tanto pensamentos como comportamentos transtornados. Os casos mais comuns são anorexia e bulimia. Em entrevista com Paola Prunzel, nutricionista especialista em comportamento alimentar, ela explica o processo do diagnóstico. “Para uma pessoa ter um transtorno alimentar ela precisa passar por uma série de critérios de diagnósticos. Isso é feito através de um manual que se chama DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), que estabelece os critérios para diagnosticar. O profissional que faz esse diagnóstico do transtorno alimentar é um psiquiatra ou psicólogo”, diz Paola. Ela explica ainda que os nutricionistas não podem fazer esse diagnóstico. “A gente consegue apenas perceber alguns comportamentos”, completa. 

A nutricionista também explica que atualmente muitas pessoas se auto diagnosticam e faz um alerta para essa ação. “Por exemplo, alguns pacientes dizem: ‘estou percebendo que tenho certos comportamentos, logo tenho bulimia!’ Porém, nem todo comportamento é sinal de transtorno, é preciso sim um diagnóstico de um profissional”. 

Vários fatores podem influenciar o início desse diagnóstico, como por exemplo: dietas muito restritivas, traumas na infância, e atualmente a mídia. De acordo com Paola, a cada cinco anos um “corpo padrão” é ditado pela mídia, e atualmente o padrão da magreza excessiva está retornando. É necessário entender que esse padrão muda conforme o tempo, sociedade e indústria da beleza.

Paola também explica que algumas pessoas têm fatores predispostos quando o assunto é transtorno alimentar. Mas o que seria isso? Os fatores predispostos, de acordo com a nutricionista, são fatores já acumulados durante a vida que podem influenciar nos pensamentos transtornados. Traumas na infância, como bullying devido a aparência e apelidos maldosos, podem ser considerados como fatores predispostos. Atualmente, o maior desses fatores é a mídia, as pessoas estão cada vez mais curtindo e compartilhando do sofrimento.

(Nutricionista Paola Prunzel – @nutripaolaprunzel/ arquivo pessoal)

O Ozempic como solução mágica?

Nos últimos meses, o Ozempic está se popularizando nas redes sociais. O remédio foi originalmente desenvolvido para tratar diabetes tipo 2. Ele conta com o princípio ativo semaglutida, um análogo de um hormônio produzido no intestino. Por conta desse mecanismo, ele pode promover a redução da fome e aumento da saciedade, logo a perda de peso. A pressão social e a influência das redes têm levado muitas pessoas a buscarem esse medicamento, muitas vezes sem o devido acompanhamento médico, isso pode acarretar efeitos colaterais graves, como pancreatite e problemas renais.

A medicalização do peso corporal é extremamente problemática, visto que enfatiza ainda mais a extrema magreza como padrão de beleza. “Hoje, infelizmente, as pessoas estão fazendo de tudo para ficar magras. O Ozempic usado da maneira incorreta é a prova disso. E como o padrão hoje de corpo da sociedade é estar cada vez mais magro, até as pessoas que não estão acima do peso estão buscando o remédio como alternativa para emagrecer dois quilinhos por exemplo. Eu não sou contra a medicação, e sim contra a romantização dela”, diz Paola. 

Para a nutricionista comportamental, a preocupação dos profissionais da saúde é essa, porque qualquer um compra, todo mundo tem acesso. Ele tem um público, não é para todo mundo utilizar. “Até porque é um medicamento em que esse emagrecimento ocorre em decorrência da inibição da saciedade, e por isso muitos pacientes têm efeitos colaterais como vômito e diarreia”, disse. 

O medicamento apresenta diversos efeitos colaterais, e continua sendo popularizado nas redes. A repercussão da volta da magreza extrema implicou o surgimento da trend (estilo de vídeo ou música que se torna viral e é amplamente adotado pela comunidade do aplicativo por um determinado tempo) “MAGRAS, MAGRAS, MAGRAS”. Na trend, diversas meninas, especificamente, descrevem hábitos totalmente transtornados, e ao fundo do vídeo o áudio que repete MAGRAS no estilo comemorativo. Com a explosão das redes sociais, se tornou muito comum o nicho de blogueiras “lifestyle”, as quais mostram seus respectivos estilos de vida e alimentação. A quantidade de pessoas que se inspiram nessas blogueiras, é alta, e o maior problema da explosão das redes sociais é que tudo o que é mostrado leva as pessoas a uma comparação totalmente absurda.

Em conversa com Cláudia Abude, especialista em psicologia corporal, ela comenta sobre essa relação das redes sociais com a saúde mental “ Quando a gente fala de redes sociais, falamos sobre aquele lugar que as pessoas estão mostrando suas vidas e seus corpos perfeitos.  Isso é um super gatilho para quem tem alguma questão, seja com o seu corpo, seja com a relação com a comida ou a forma que se alimenta, muita gente que é ou não  diagnosticada acaba se comparando, e só agrava a sua questão do seu transtorno”, explicou. A psicóloga também fala sobre a tentativa de vencer essa comparação: “O exercício é tentar evitar seguir essas pessoas perfeitas e seguir mais pessoas reais. Se o que você está consumindo nas redes te causa sofrimento, isso já precisa ser cuidado, porque pode ter uma questão de autoestima,” concluiu.

(Psicóloga Cláudia Abude – @claudiaabude / arquivo pessoal)

É possível vencer este sofrimento?

“Então eu comecei a diminuir a minha alimentação e comecei a querer controlar, e fui emagrecendo naturalmente, tipo eu perdi muito peso assim muito rápido. Eu ficava com medo até mesmo de comer, tipo um prato de saladas, se eu não tivesse contado ali as calorias do molho que tinha ali na salada”, disse Eloise Beraldo, uma jovem que foi diagnosticada com anorexia nervosa aos 12 anos. 

Eloise nos conta que seus primeiros pensamentos transtornados começaram quando ela não sabia nem o que era um transtorno alimentar ou anorexia. A influência do ambiente da escola foi grande “Uma colega minha era modelo, e daí eu ficava me comparando muito com ela e tudo e ela tinha falado para mim que ela começou a fazer uma dieta, né? Que lá eles precisam seguir uma dieta certinha para conseguir manter um peso para seguir a carreira de modelo E daí eu comecei a pesquisar sobre alimentação saudável”, comentou.

Em meio às pesquisas incessantes sobre alimentação saudável, a jovem se encontrou em meio a muitos pensamentos transtornados. “Tipo a minha relação com a comida tava assim muito ruim mesmo. Eu não conseguia mais sair com os meus amigos e eu começava a chorar, tipo quando eu me via no espelho, eu tava tipo afetando muito e eu tava tendo muitas crises de ansiedade”, explicou Elo.

Os transtornos alimentares não afetam apenas os hábitos alimentares do indivíduo, mas também toda a sua vida pessoal e social. As redes sociais influenciam e muito: “as pessoas veem um corpo na internet, mas não sabem a restrição que tem ali por trás daquelas pessoas sabe e também a questão da individualidade. Quanto mais as pessoas vão dando engajamento para esse tipo de conteúdo, infelizmente ele só vai crescendo e vai gerar mais pessoas com outros transtornos alimentares, né? Ou então, a pessoa pode até não ter um transtorno alimentar mas ter a relação com a comida péssima como ter medo de comer”, afirmou. Por isso, ao identificar um primeiro hábito ou pensamento transtornado, o ideal é pedir ajuda de forma imediata. A jovem relata que precisou pedir ajuda para seus familiares, e logo foi encaminhada para uma psicóloga.

“Como uma pessoa que já passou por isso conseguiu superar, eu acho que tipo um conselho que eu queria ter ouvido tipo nos primeiros momentos ali, quando eu não tava conseguindo aceitar o meu corpo, é entender que a gente pode sim pedir ajuda e o quanto antes”, respondeu Eloise, quando questionada sobre a possibilidade de vencer um transtorno alimentar. Se sua relação com a comida não está legal, identifique os primeiros gatilhos. Preste atenção nos conteúdos que você consome no Instagram, e procure ajuda com um psicologo.

Hoje, Eloise, após superar a anorexia nervosa, produz conteúdo nas redes sociais voltado a ajudar as vítimas: “E então eu resolvi começar a compartilhar para ajudar outras pessoas e eu fico muito feliz, porque eu já recebi muito feedback assim de pessoas que se identificam e pediram conselhos para mim, e eu sempre estou muito aberta para poder ajudar pessoas que estão passando por isso. O meu maior propósito é motivar mesmo as pessoas a lutarem” , concluiu.

(Eloise Beraldo – @elo.veg / arquivo pessoal)

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