por Letícia Cerqueira
Atualmente, a palavra coach tem uma conotação negativa por causa de alguns “players” que ganharam visibilidade. Entretanto, há muitos profissionais competentes no mercado. O coach tem como função orientar a vida de seu coachee (cliente) rumo aos seus objetivos.
A origem do termo está ligada ao substantivo cocheiro, ou seja, a pessoa que conduzia a carruagem até o seu destino. Com o passar do tempo, os professores e técnicos esportivos também passaram a ser chamados de coach. Em inglês, coaching significa treinamento.
“É como se fosse um personal trainer, mas é um ‘personal treinador’. É para que você consiga resolver e diluir determinadas necessidades”, explica Paulo Paiva, de Sorocaba, que atua como coach e palestrante.
O coaching é uma metodologia que acelera um foco específico. O profissional avalia a demanda do coachee e o encaminha para resolver sua necessidade de uma forma imediata.
Paiva exemplifica com a situação eventual de ser procurado por pessoas que se queixam por não conseguir evoluir profissionalmente em uma empresa. “Entendendo perfil, identificando qualidades e características comportamentais, consigo criar estratégias para definir algumas ações para que essa carreira acelere”, conta.
Segundo o Instituto Brasileiro de Coaching, há dois tipos de perspectiva, o profissional e o pessoal. O primeiro se divide em focos como carreira, concurso, liderança e empreendedorismo. Já o life coaching é subdividido em familiar, relacionamento, espiritualidade, inteligência emocional, esportivo, emagrecimento e nutricional.
Normalmente, o profissional coach segue o nicho em que tem mais conhecimento e habilidades. No caso do Paulo, por possuir 12 anos de experiência no ramo empresarial e em administração de empresas, ele optou por treinar pessoas dentro desse contexto.
“O meu perfil é para resolver determinados problemas ligados a comportamento, postura, resultados e produtividade dentro do ambiente fabril”, detalha o profissional.

Já Daniela Franco, também de Sorocaba, é especialista em programação neurolinguística voltada para comportamento e comunicação. “A minha premissa é trabalhar como as pessoas se sentem. Eu levo percepção, autoconhecimento, auto responsabilidade e ferramentas”, diz.
A coach ainda diz que impacta a vida de seus clientes na qualidade de vida. “Porque quando uma pessoa consegue começar a viver a vida que ela deseja, ela começa a ter uma vida melhor”, justifica.
Em entrevista ao Jornal Contexto, o coachee de Daniela, Vinicius da Silva, revelou a mudança significativa que o processo de coaching fez em sua vida pessoal e profissional. “Foi um divisor de águas onde eu consegui ter subsídios e ferramentas necessários para eu possa traçar planos”, diz. O jovem de 24 anos conta que conheceu o trabalho de Daniela quando ela foi realizar uma palestra na escola em que estudava, em 2016, e, desde então, passou a acompanhar o seu trabalho.
O coachee dá ênfase na importância de sempre reaplicar o processo de coaching para alcançar o desenvolvimento. Através da metodologia, ele pode nivelar seus desejos de carreira e de vida e entendeu que “não pode dividir a pessoa profissional e pessoal, somos um ser único que precisa buscar seu pleno desenvolvimento”, segundo ele.
Tanto Daniela, quanto Paulo possuem estudo em coach e experiência na área que aconselham. Entretanto, ambos alertam sobre coaches que vendem soluções milagrosas para problemas complexos.
O profissional honesto busca aconselhar e guiar seu coachee. Mas, se a mudança não partir dele, dificilmente o coaching vai alcançar seu êxito. Franco enfatiza que a metodologia não é mágica, ela apenas fornece maneiras de obter desenvolvimento.
“Eu não garanto que você consiga [alcançar seu objetivo], mas eu garanto que vou te dar ferramentas para você conseguir”, conta Daniela.

Soluções imediatas para problemas complexos
Mesmo com a responsabilidade de alguns profissionais, há um lado problemático da cultura coach: o imediatismo.
Para a psicóloga Júlia Assunção, a geração atual está muito ansiosa e querendo que tudo ao redor aconteça rapidamente. “A galera está muito acelerada e eu acho que as redes sociais impactam muito. A gente quer que as coisas aconteçam pra ontem e tem coisa que não adianta, não vai acontecer pra ontem”, problematiza.
Assim, diante de problemas relevantes que exigem tempo e dedicação para serem solucionados, – através de atendimentos psicológicos, por exemplo, – há indivíduos que recorrem aos coaches que prometem resultados imediatos.
“Eu não tenho nem como dizer quando e se você vai ficar bem [com um processo terapêutico], não tenho como te dar garantia nenhuma. Já os coaches dão. Eles vem com soluções rápidas e os jovens querem soluções rápidas”, afirma Assunção.
Aparentemente, as pessoas sentem necessidade de que a vida real seja tão rápida quanto a vida virtual ao rolar um feed ou ao assistir vários vídeos curtos em um pequeno espaço de tempo.
“O tempo cronológico e o mental são totalmente diferentes; as pessoas estão em um tempo cronológico extremamente acelerado por conta até das redes sociais, isso gera necessidades e anseios”, segundo Paulo Paiva, coach e palestrante.
Nesse cenário, surgem os “coaches de Instagram” que utilizam das redes sociais para cativar e vender suas resoluções milagrosas.
Por exemplo, Paulo Vieira, um dos coaches mais famosos, que se intitula “pai da inteligência emocional” está anunciando seu novo curso chamado “método CIS”. O slogan é “domine e desbloqueie, em apenas 4 dias, a principal habilidade dos empresários, atletas e pessoas de maior sucesso no mundo: a inteligência emocional.” E os pacotes custam entre dois mil e dez mil reais.

Paulo Paiva, coach de Sorocaba, utiliza o termo “players” para se referir a esses tipos de coaches. “São referências no mercado [de coaching], como o Pablo Marçal e Paulo Vieira, eles fazem muito dinheiro e muitos negócios. Eles estão em todos os lugares ao mesmo tempo porque eles têm uma equipe comercial muito forte”, explica.
Os players utilizam um discurso padronizado com um marketing muito bem elaborado. Em seus vídeos, para captar atenção, eles falam que possuem uma chave para o sucesso e que pode fazer com que seu cliente se torne bem sucedido.
Entretanto, tanto Paiva, quanto Assunção concordam que as formas de sucesso não são universais, mas sim subjetivas. Para a psicóloga, “só que ele [coach] esquece que a história dele deu certo, não tem a garantia de que todo mundo vai conseguir passar o que ele passou para conseguir dar certo”.
Já para o coach, cada indivíduo tem a sua forma de desenvolvimento e suas limitações sociais. “Vender isso para o coletivo, como é vendido pelos grandes players, é a captação de recursos financeiros dessas pessoas como se fosse a compra de um sonho do qual eles não vão conseguir realizar”, critica Paiva.
A crítica ao coachismo e ao Pablo Marçal
Para Francisco Fernandes Ladeira, doutor em Geografia pela Unicamp, “coachismo é quando você pega a racionalidade neoliberal que prega meritocracia, self made man, mais indivíduo e menos sociedade, menos estado e mais mercado”.
Ladeira ainda diz que esses discursos podem soar distantes para as pessoas, mas que é nesse cenário que os coaches ganham fama. Eles abordam toda ideologia com palavras simples e dialogam diretamente com as massas, principalmente com a juventude. “Eles fazem muito sucesso por causa dessa linguagem próxima aos jovens. O Pablo Marçal, por exemplo, tem uma linguagem quebrada, ele simula um personagem que é próximo ao cotidiano”, diz.
Pablo Marçal ganhou fama através de sua trajetória como coach. Apesar de, atualmente, se negar a ser coach, sua riqueza foi construída vendendo cursos de desenvolvimento pessoal e profissional, além de fundar empresas.
Em 2022, durante um treinamento, Marçal e um grupo de pessoas tiveram que ser socorridos após tentar escalar, irresponsavelmente, o Pico do Marins em dia de chuva. “Eu não mandei ninguém subir. Eu fui na frente. Cada um subiu sob a sua responsabilidade. Só que é o seguinte: é igualzinho a sua vida. Vai vir um monte de protetor de montanha para querer falar o que você tem que fazer da sua vida. Você vai escrever agora: ‘Eu que decido o que devo fazer”, disse o ex-coach em resposta a polêmica.
Seu maior curso é o Método IP que promete, entre outras coisas, ativar a verdadeira identidade, ressignificar crenças e reprogramar trilhas neurais e criar hábitos desencadeadores de sucesso. O treinamento custa vinte mil reais.
Durante sua candidatura à prefeitura de São Paulo, em 2024, o empresário declarou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ter um patrimônio de mais de 160 milhões e ter ligação com mais de 20 empresas.
Marçal teve 1.719.274 votos mesmo sendo um outsider político. Isso é, pessoas que fizeram carreira fora de partidos políticos. Ladeira explica que o ex-coach utilizou de um fenômeno de criminalização da política. “Ele tem esse discurso contra o sistema e racionalidade neoliberal que é muito difundida pelas mídias. Ele também tem um discurso conservador neopentecostal”, diz.
Em um artigo de opinião para a Revista Fórum, Francisco argumenta sobre Marçal representar a nova onda da extrema direita com uma ligação mais forte com o neoliberalismo. Ele julga o empresário como “mais Bolsonaro do que o próprio Bolsonaro”.
“Como coach, prega ideias nefastas como meritocracia, teologia da prosperidade e livre empreendedorismo no sistema capitalista (inclusive, em seu plano de governo para o município de São Paulo, há a inclusão dessa temática na educação básica). Marçal ficou rico vendendo essas ilusões. O típico guru motivacional e self-made man (perfil que, evidentemente, não se encaixa em Bolsonaro)”, diz um trecho de seu texto.
Dessa forma, os jovens estão o tempo todo sendo bombardeados por ideias meritocráticas e conservadoras através das redes sociais. “Na adolescência é onde a gente começa a criar senso crítico, mas estamos rolando o feed a todo momento e é ali que eles [coaches] sabem que vão nos cativar”, critica Júlia Assunção, psicóloga.

