Embora protegida por lei, enfrenta o aumento de preconceitos, na mesma medida que sofre cada vez mais perseguição da bancada evangélica na Câmara de Brasília.
Por Sinara Martins
O número de crianças querendo um lar aumenta cada vez mais, assim como o número de casais homoafetivos que desejam adotar. Somado a isso, o conservadorismo de famílias tradicionais em oposição à família LGBT também cresce, na medida que a eficácia da lei diminui.
Em um país onde mais de 30 mil crianças estão em orfanatos, com leis que permitem a adoção por casais do mesmo sexo ( Lei 12.010/09), o grande desafio enfrentado é a quebra de paradigmas do universo familiar.
O conceito de família mudou bastante ao longo dos anos. Por muito tempo, a família era vista de forma patriarcal e baseada em casamento, e embora já tenha havido progressos, o preconceito ainda é um grande obstáculo nesse processo.
Rafael Barcelos é empresário e pai de três crianças adotadas ao lado de seu marido, Gabriel Reis.
Em entrevista exclusiva ao Contexto, Barcelos comenta que sofre preconceito. “Principalmente dos familiares, amigos e alguns clientes”.
Os casais LGBTQIA + devem enfrentar os modelos tradicionais tão instituídos que a família deve ser associada a uma figura patriarcal, que sai e caça, e a matriarcal, que cuida da casa e do bem estar do cônjuge desde os primórdios. “Sofremos por sermos dois pais e as pessoas perguntarem onde estava a mãe, opinarem que deveríamos ter deixado as crianças para serem adotadas por um pai e uma mãe”, completa o empresário.
Hoje, o conceito é mais amplo. De acordo com o STF, “família” se define como “instituição privada que, constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação”, mas é muito mais que essa mera definição.
Enquanto Rafael Barcelos define que “família é o convívio diário, companheirismo e união”, a candidata a vereadora Salette Garcia define família como “base de toda sociedade, onde as crianças aprendem valores, amor e respeito”, e acrescenta que acredita que a família tradicional, composta por um pai, uma mãe e filhos, proporciona a estrutura que permite esse desenvolvimento.
O fato é que ainda existem crianças sem moradia, espalhadas por todo o Brasil, enquanto o desejo de transformar a casa em um lar com filhos aflora cada vez mais em casais homossexuais. Mesmo com a aprovação de leis que asseguram o direito da adoção aos cônjuges, a crescente ascensão da direita no Senado atrapalha o progresso da família.
Embora a união homoafetiva tenha sido reconhecida, a discriminação reflete especialmente em famílias conservadoras, que por vez, têm voz no Senado com a bancada cristã. Em defesa ao que chamam de “família tradicional”, já descrita como o conceito primitivo de família, muitos acreditam que a adoção por casais homoafetivos pode prejudicar as crianças.
São esses os argumentos apresentados por Salette Garcia, que afirma dizendo: “acredito que o ideal para o desenvolvimento das crianças seja uma estrutura familiar que espelhe os papéis de pai e mãe, como aprendemos tradicionalmente”.
Salette ainda acrescenta que mesmo reconhecendo que muitos casais gays podem oferecer um lar seguro e amoroso, mantém a posição de valorizar o modelo tradicional, e acredita que ele proporciona referências distintas de homem e mulher, que considera importantes na formação da identidade de uma criança.
Segundo os dados do relatório de pesquisa da Human Rights Watch (HRW), a adoção por casais homoafetivos é permitida em muitos países, embora ainda enfrente restrições significativas em várias partes do mundo.

foto: parada sp (reprodução/instagram)
Em um comparativo, ainda no relatório, países onde a adoção é permitida tendem a valorizar políticas de igualdade de direitos e inclusão, sendo mais comuns em regiões como a Europa Ocidental, América Latina e Oceania.
Enquanto isso, paises onde a adoção não é permitida por casais homoafetivos geralmente têm restrições legais, sociais e culturais sobre a homossexualidade. Em muitos casos, a legislação reflete valores religiosos mais tradicionais.
Somado ao preconceito, a legislação que controla essa adoção perde forças cada vez mais, até mesmo como consequência da ascensão de partidos de direita, que é marcada pelo conservadorismo, que reflete diretamente nas leis.
Enquanto a bancada evangélica ganha espaço no Senado, a legislação fica cada vez mais contra as lutas de casais LGBTQIA +, e usa a religião como argumento para a exclusão.
Foi o caso do posicionamento do deputado Sóstenes Cavalcante, um dos principais líderes da bancada evangélica, que, ao falar sobre o tema, mencionou: “Não estamos querendo tirar o direito de ninguém, mas acreditamos que a prioridade deve ser a família tradicional. Deus criou homem e mulher, e é essa a estrutura que acreditamos ser a correta.”
Além dos discursos, a bancada cristã tem tomado medidas concretas para limitar a adoção por casais do mesmo sexo ou, ao menos, para regular o tema de acordo com suas convicções, como é o caso do Projeto de Lei 6583/2013.
O PL, chamado de “Estatuto da Família”, estabelece que “família” é composta exclusivamente pela união de um homem e uma mulher. Esse projeto, que ainda tramita, é apoiado pela bancada evangélica e tem o objetivo de limitar direitos, inclusive o de adoção, aos casais homoafetivos.
Ainda em entrevista, Rafael Barcelos diz que ficou na fila de espera por dois anos, e diz que “o processo estava demorando sim, principalmente pelo nosso pedido inicial de duas meninas de até quatro anos”, mas complementa dizendo que “depois que estudamos e mudamos de ideia sobre a quantidade e a idade, foi mais rápido.”
Apesar de toda a batalha enfrentada contra o Estado, deve-se lembrar a importância dele em proteger as crianças e garantir que elas tenham um ambiente familiar que promova seu bem-estar. Esse cuidado é fundamental para o desenvolvimento emocional, social e psicológico da criança, assegurando que ela cresça em um lar que ofereça afeto, segurança e apoio, independente do modelo familiar.
Apesar dos obstáculos, Rafael Barcelos afirma que tudo valeu a pena. “Meus filhos são meu bem mais precioso”, conclui.
