Os exemplos persistentes de racismo no futebol colocam em destaque as experiências de atletas como Vinícius Jr. e o ex-goleiro Aranha.
Por Murilo Tognette
O racismo no futebol é uma questão histórica e estrutural que persiste de maneira alarmante, tanto no Brasil quanto no cenário internacional. Embora o esporte seja frequentemente visto como um símbolo de inclusão e diversidade, episódios de discriminação continuam a surgir, evidenciando a necessidade urgente de ações mais eficazes por parte das entidades esportivas.
A luta contra o racismo no futebol é contínua e complexa, e figuras como Vinicius Júnior, atacante do Real Madrid, se tornaram rostos dessa batalha. Dias antes do clássico contra o Atlético de Madrid, que aconteceu no dia 29 de setembro, em partida válida pelo Campeonato Espanhol, torcedores da equipe atleticana promoveram uma campanha com estímulo do uso de máscaras no estádio para proferir ofensas em direção a Vini Jr. e evitar a identificação dos acusados pelas autoridades.
A relutância com o jogador não segue apenas por parte das torcidas adversárias, mas também pelas entidades do futebol. Na última segunda (28), foi celebrada a cerimônia de entrega do prêmio Bola de Ouro, onde jornalistas especializados selecionam o melhor jogador da temporada. Vini Jr., além de ser o protagonista de sua equipe, foi campeão e eleito o melhor jogador da Liga dos Campeões, principal torneio de times do mundo. Apesar do bom desempenho, o jogador garantiu apenas a segunda posição na disputa, ficando atrás do volante Rodri do Manchester City.
A não entrega do prêmio, assim como os inúmeros casos de racismo com Vinicius Júnior e demais jogadores, vem causando enorme indignação nas redes sociais. Com isso, o tema ganha ainda mais notoriedade, gerando debates sobre as responsabilidades das entidades esportivas e dos clubes em relação ao comportamento de suas torcidas.
As reações institucionais, porém, têm sido insuficientes. A La Liga, entidade responsável pelo Campeonato Espanhol, comprometeu-se a investigar os casos e punir clubes cujas torcidas agissem de forma racista, mas frequentemente é criticada por não agir de maneira mais rigorosa com as equipes envolvidas, permitindo assim que mais casos sejam impunes e esquecidos com o passar do tempo.
Em solo brasileiro, a situação de injurias cometidas dentro e fora de campo não são diferentes. Em estudo realizado pelo Jornal da USP, mais de 70 casos de discriminação racial nos últimos 10 anos foram notificados, sendo um dos mais famosos o caso do goleiro Aranha em 2014 na Arena do Grêmio, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro, em jogo onde o Santos, time que o goleiro defendia, jogou como visitante no Sul. Os insultos cometidos por uma torcedora gremista foram flagrados pelas câmeras e repercutiram por todo o país.

O goleiro Aranha (foto: Redes sociais)
Em entrevista ao Jornal Contexto, o ex-goleiro Aranha, comenta e avalia o papel das entidades esportivas no combate ao racismo no futebol brasileiro. “O papel das entidades esportivas deveria ser de muito rigor no combate ao racismo, até porque muito do racismo no esporte vem deles. Na maioria dos esportes a parte gestacional, desde sempre, veio de pessoas com pensamentos discriminatórios e com isso é possível perceber as consequências até hoje”, afirma.
Para Aranha, a problemática do racismo interfere desde o início da carreira dos atletas. “O racismo estrutural afeta de várias formas, seja na escolha dos atletas no início ou na falta de estrutura e preparação que jovens negros possuem, tornando as oportunidades desiguais, com uma competição injusta”.
O ex-jogador e hoje palestrante, ainda comenta sobre o papel da mídia esportiva e de patrocinadores na abordagem do tema. “A mídia e patrocinadores estarão sempre ao lado da maioria, seja pela audiência ou por lucro, então quanto mais pessoas pressionarem para cobrar boas mudanças, mesmo que exista um interesse por trás e seja difícil mudar isso, mais chances existirão desse tema ser exposto e debatido por todos”, ressalta.
Assim como o ex-goleiro, Marcelo Carvalho, diretor executivo do Observatório Racial do Futebol, entidade independente na luta antirracista, comenta sobre o impacto de campanhas antirracistas no esporte.
“Eu acredito que falte para as campanhas na luta contra o racismo, envolverem mais pessoas negras, muitas vezes essas ações partem de núcleos e de pessoas brancas, então enquanto não tivermos pessoas negras nesse espaço de gestão, elaborando essas ações, vai ser difícil dessas campanhas se acertarem, e a presença de atletas negros como Vinicius Júnior e outros expoentes negros se torna necessária e ajuda a mensagem chegar em todas as parcelas da sociedade” destaca.

Marcelo Carvalho, do Observatório Racial do Futebol (foto: Redes Sociais)
Seguindo com o pensamento, Elton de Castro, jornalista e pesquisador em diversidade e esporte, também comenta ao Jornal Contexto sobre a forma como é realizada a conscientização do tema pelos times e entidades.
“Para funcionar, as campanhas precisam sair do ambiente meramente do marketing. Claro que o marketing vai existir, até porque estamos em um sistema capitalista, mas elas precisam ir além e começar a promover ações concretas. Se um clube de futebol quer, de fato, se colocar nessa luta, ele precisa educar e conscientizar seus atletas de base, funcionários e torcedores, e isso inclui organizadas. É urgente que as empresas que estão no universo do esporte iniciem ações de educação, capacitação e promoção de igualdade atreladas às suas campanhas de marketing” enfatiza.

O jornalista Elton de Castro (foto: Redes Sociais)
Embora seja um desafio, os avanços realizados ao longo dos anos no combate ao racismo no futebol são notáveis. Iniciativas como o “Com Racismo Não tem Jogo”, promovida pela CBF, e a crescente visibilidade de atletas que se manifestam contra a discriminação são considerados passos significativos. Contudo, tais ações são vistas como insuficientes frente à magnitude do problema. O racismo no futebol não é apenas um reflexo de questões sociais mais amplas, mas também um campo de batalha crucial na busca por uma sociedade mais justa.
