Entre os meses de setembro e outubro, seis mulheres, incluindo a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, denunciaram por assédio o ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida.

Por Ana Laura Costa

A ministra Anielle Franco relatou que os primeiros contatos com Silvio Almeida começaram dois anos antes da denúncia, com insinuações e convites inapropriados, comentários sexistas e o contato físico sem consentimento no seu ambiente de trabalho. Anielle Franco, entre diversas outras mulheres, preferem o silêncio ao julgamento, e demoram ou até não denunciam. “Ficamos com medo do descrédito, dos julgamentos, como se o que aconteceu fosse culpa nossa”, afirmou a ministra à revista Veja.

Entre os tipos de violências relacionadas ao ambiente de trabalho, tem-se como mais comuns a moral e a sexual, que de acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o assédio moral pode ser definido como “toda conduta abusiva, a exemplo de gestos, palavras e atitudes que se repitam de forma sistemática, atingindo a dignidade ou integridade psíquica ou física de um trabalhador”. Já o assédio sexual, “viola a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais da vítima, tais como a liberdade, a intimidade, a vida privada, a honra, a igualdade de tratamento, o valor social do trabalho e o direito ao meio ambiente de trabalho sadio e seguro. De cunho repressivo e discriminatório constitui violação aos Direitos Humanos”. 

De acordo com pesquisa do Instituto Patrícia Galvão, as mulheres são as principais vítimas de assédio no ambiente de trabalho, sendo que 27% das entrevistadas relataram que passaram por constrangimento, preconceito ou discriminação, contra 11% dos homens. No mesmo estudo, 22% das mulheres sofreram violência, seja moral ou sexual, contra 12% dos homens. Um quarto dessas mulheres  passaram a desconfiar das pessoas com quem trabalham ou deixaram seus empregos. Além disso, as denúncias de assédio no ano de 2023 foram maiores do que em 2022 e 2021 somados, segundo o Ministério Público do Trabalho.

Rhiza Castro, jornalista e apresentadora, foi uma vítima de assédio em seu ambiente de trabalho por quase um ano pelo seu diretor. Ouvia comentários, recebia convites inapropriados e presentes, mas contrariando as estatísticas, a jornalista denunciou seu agressor após sofrer uma série de boicotes por não ceder às provocações do seu superior.  “Aquilo não acabava, ele cada vez mais me boicotava. Me tirou no meio de um jornal ao vivo que eu apresentava para colocar um outro apresentador. Eu decidi que ele poderia me afetar até psicologicamente, mas meu profissional eu não ia aceitar”. Rhiza foi demitida dois dias após a denúncia, demissão justificada pela emissora como “corte de custos”.

A jornalista Rhiza Castro

Segundo a Revista Artigos Científicos (IMMES), o assédio afeta o equilíbrio emocional da pessoa, ocasionando uma série de prejuízos à saúde da mulher, onde a recorrência e a gravidade das agressões podem levar a doenças como o estresse pós-traumático, ansiedade, depressão, baixa autoestima, entre diversas outras consequências. Rhiza relata que o assédio que sofreu e, logo em seguida, sua demissão, teve um impacto forte na sua saúde mental. “Eu chorava todos os dias, por meses. Senti que meu sonho tinha acabado por uma pessoa que se achava tão superior ao ponto de acabar com uma pessoa. Até hoje estou sem trabalhar na área, perdi a vontade. Estou tentando me realocar”.

A jornalista deixa um recado às mulheres vítimas de assédio. “Não espere chegar tão longe, nos primeiros momentos que perceber que está sendo assediada, tome alguma atitude. Pode ter certeza que o certo irá vencer”.

Sobre o direcionamento jurídico às vítimas de assédio

No ano de 2020, quase 50 mil denúncias de assédio foram registradas no ministério público do trabalho em todo o Brasil, e segundo uma pesquisa feita pelo site vagas.com, 52% dos trabalhadores de uma empresa relataram ter sofrido algum tipo de assédio, mas desses, 87,5% não denunciaram por medo da demissão ou vergonha.

Giovanna Peleteiro, advogada criminal, civil e da família, relatou em entrevista como orienta essas vítimas juridicamente. “A legislação trabalhista prevê que a empresa tem a obrigação de investigar e tomar medidas para proteger a vítima. Retaliações, como demissão injusta, podem ser questionadas judicialmente. A vítima pode buscar respaldo na Convenção 190 da OIT, que trata da eliminação da violência e assédio no ambiente de trabalho, e no artigo 483 da CLT, que permite a rescisão indireta do contrato de trabalho caso o empregador tolere a prática do assédio, além da Constituição da República que protege nossos direitos fundamentais”. Ela destaca a seriedade dos casos em seus atendimentos. “Início o atendimento garantindo que as mulheres entendam seus direitos e as diversas medidas de proteção disponíveis. O assédio é uma violação muito séria aos direitos fundamentais.”

Giovanna faz parte da Comissão da Mulher Advogada e dos Direitos da Mulher da OAB de Lençóis Paulista, comissão que já foi homenageada pelo projeto “OAB POR ELAS”, cujo objetivo é apoiar e dar orientação jurídica a mulheres vítimas de violência doméstica.

  Giovanna Peleteiro em palestra na OAB de Lençóis Paulista

A advogada também destaca os fatores que fazem as mulheres optarem por não denunciar.  “O medo de represálias no ambiente de trabalho, como a perda do emprego, que garanta a subsistência da família, ou a retaliação por colegas ou superiores, são fatores muito comuns. Mesmo com a existência de proteções legais, muitas mulheres se perguntam se vale a pena enfrentar um processo que pode ser desgastante. É justamente por isso que, como advogada, eu reforço a importância de um suporte jurídico e emocional durante esse caminho”.

Giovanna deixa um conselho às mulheres que passam ou passaram por esse tipo de situação. “Não enfrentem essa situação sozinhas e não hesitem em buscar ajuda. Denunciar pode ser desafiador, mas é um passo importante, não só para buscar justiça para si mesmas, mas também para combater a cultura de assédio no ambiente de trabalho. Entendo que o medo de repercussões é real, vivemos em uma sociedade patriarcal em que o receio de ser rotulada como “exagerada” existe. Apesar de pensarmos sempre no impacto coletivo e em como nossas ações abrem caminho para outras mulheres, também entendo que é preciso considerar o peso disso para quem acabou de passar por um assédio e está lidando com a responsabilidade de sustentar sua família. Por isso, sempre enfatizo que há respaldo jurídico e diversas formas de proteção que podem aliviar essa carga.”.

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