Ricardinho, eleito três vezes o melhor jogador do mundo no futebol de cegos, comentou sobre a falta de investimento no esporte, reconhecimento dos atletas e muito mais.


Por Guilherme Corte

O Brasil, mundialmente conhecido como “o país do futebol”, gera muito dinheiro e entretenimento com as transmissões do esporte profissional masculino. Entretanto, quando se trata do desporto para pessoas com deficiências (PCDs), a situação é completamente diferente. Tal diferença, entretanto, não é ocasionada pelo fato de não termos atletas de elite no esporte PCD.

A nação brasileira já teve representantes eleitos melhores do mundo e conquistou diversos troféus em grandes competições internacionais. Possuímos atletas vencedores e com relevância no esporte.

Dentre eles, está Ricardinho, ala ofensivo da Seleção Brasileira que venceu o prêmio de melhor jogador do mundo em três anos (2006, 2014 e 2018), e que disputou os Jogos Paralímpicos 2024. Além de conquistar a medalha de bronze na última paralimpíada, o jogador também venceu a medalha de ouro nos Jogos Paralímpicos 2021, que ocorreu em Tóquio.

02.09.24 – Ricardinho – Brasil X Franca – Jogos Paralímpicos Paris 2024 – Jogo do Futebol de Cegos na Arena Torre Eiffel, em Paris. Foto: Wander Robertol/CPB @wander_imagem

Enquanto grandes portais midiáticos, como a TV Globo e o SporTV, transmitem todas as semanas partidas profissionais de pessoas que não possuem deficiência, o esporte de PCDs não recebe tantos holofotes na mídia.Acredito que o futebol paralímpico ainda tenha uma divulgação abaixo do que merecia, mas também precisamos reconhecer que está acontecendo um crescimento. A gente já tem jogos televisionados em canais fechados e, eventualmente, até em canal aberto, como foi agora a nossa semifinal em Paris”, explica Ricardinho.

Atualmente existem duas modalidades de futebol de PCDs. A diferença entre elas está no tamanho da quadra em que é disputado o confronto, algumas regras e o número de jogadores em cada equipe. Além disso, o tempo de duração de cada partida também muda conforme a modalidade.

A primeira ‘categoria’ é o futebol de cegos, em que a partida é disputada em uma quadra de 20 metros por 40 metros e tem barreiras laterais para impedir a saída da bola. Nessa modalidade, o jogo é dividido em dois tempos de 15 minutos cada, com um intervalo de dez minutos. Além disso, cada equipe conta com cinco jogadores, com apenas o goleiro podendo enxergar e a bola possui um guizo em seu interior para que os jogadores possam localizar a bola através do som.

O segundo formato de futebol para PCDs é o para pessoas com Paralisia Cerebral (PC). Nesse formato, as regras são iguais às do futebol de campo, com a diferença de que não existe impedimento e o lateral pode ser cobrado com apenas uma das mãos. Disputada em uma quadra com o tamanho máximo de 50m X 70m, a partida tem dois tempos de 30 minutos com um intervalo de dez minutos.

Durante os Jogos Paralímpicos de 2024, a Seleção Brasileira de futebol para cegos conquistou a medalha de bronze. Entretanto, poucos portais tradicionais abordaram o bom desempenho da seleção brasileira paralímpica.

Somado a isso, durante os dias 17 e 23 de outubro de 2024, aconteceu o Campeonato Brasileiro de Futebol para Paralisados Cerebrais, competição que também não possuiu divulgação, além dos portais Associação Nacional de Desporto para Deficientes (ANDE) e o site oficial do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), e cobertura midiática de grandes veículos..

Conforme opinou Ricardinho, existem alguns fatores para a falta de visibilidade midiática do futebol PCD no Brasil. “Não sei se é o principal fator, mas um dos fatores é o pouco investimento, porque sabemos que patrocínio chama mídia e vice-versa. E também percebo que no Brasil existe uma inversão de valores muito grande. Às vezes, o brasileiro valoriza muito pessoas, artistas, atletas que não contribuem tanto, pelo contrário, às vezes são até maus exemplos, e os verdadeiros exemplos que deveriam ser enaltecidos acabam não sendo”, disse ele.

O atleta, que teve um descolamento de retina aos seis anos e começou a praticar o futebol de cegos aos dez, ainda revelou o que é necessário mudar para que os atletas PCD e o esporte paralímpico possam ser mais valorizados no país. “O que é preciso mudar, é mudar um pouco a mentalidade do brasileiro, para que haja o reconhecimento das pessoas que merecem, e mudar essa cultura. Aos poucos, as coisas vão crescendo, mas acredito que seja um processo bem lento”, afirmou.

O ala ofensivo da Seleção Brasileira explica também que a falta de reconhecimento do futebol PCD não é causada necessariamente por preconceito. “Não acho que seja questão de preconceito, mas de falta de informação. É preciso que ela chegue mais às pessoas e elas que, quando têm acesso, acabam nutrindo admiração por nossa modalidade. Como respondi na pergunta anterior, existe uma inversão de valores muito grande no Brasil, mas não por preconceito. Basicamente, é questão de uma visão de mundo meio torta, onde se valoriza aquilo que precisa ser valorizado”, disse.

07.09.24 – Jogos Paralímpicos Paris 2024 – Futebol de Cegos – Brasil x Colômbia, na Arena Porte de Chapelle. Foto: Ana Patrícia Almeida/CPB @anapatricia.foto

Por fim, o atleta, que possui uma carreira com bastante títulos, foi sincero sobre o investimento do futebol PCD. “O investimento ainda ser baixo é uma questão comercial. Se fizermos um paralelo com o futebol convencional, a gente sabe que lá rola tanto dinheiro porque ele gera muita receita também. Não podemos nos esquecer de que os esportes também são entretenimento, não podemos negar essa realidade”, disse.

Em entrevista ao Jornal Contexto, uma fonte, que preferiu não se identificar, explicou o motivo de não assistir futebol para PCDs, nem consumir nenhum conteúdo relacionado ao desporto, mesmo assumindo gostar do esporte. “O motivo disso (de não acompanhar o futebol PCDs) acho que é tanto por não ter destaque nas grandes mídias quanto por eu não achar atrativo igual ao futebol convencional em termos de entretenimento e competitividade”, afirmou.

Além disso, quando questionada se o futebol de PCDs merece mais investimento e visibilidade midiática no “país do futebol”, a fonte afirmou que o esporte precisa de mais reconhecimento e incentivos financeiros, mas fez uma ressalva. “Acredito que merece (mais investimentos), mas pra mim é indiferente pois não pretendo passar a acompanhar de forma alguma”, finalizou.

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