Flora Thomson Deveaux comentou sobre seu trabalho na rádio Novelo e sua relação com o jornalismo literário em áudio.
Por Júlia França
Na noite da última quinta-feira (26), Flora Thomson Deveaux deu uma verdadeira aula durante a atividade de Diálogos da semana de jornalismo da Unesp 2024.
Já no início ela enfatizou como não se encaixa como jornalista, já que é simpatizante do lado mais literário da equação. “Eu reluto contra esse rótulo de jornalista justamente por minha formação ser em literatura”, disse.
Estadunidense, 32 anos, Flora é graduada em espanhol e português pela Universidade de Princeton. Apaixonada por literatura brasileira, atualmente ela mora no Rio de Janeiro e é diretora de pesquisa da rádio Novelo, premiada produtora de podcasts. Foi responsável pela apuração do famoso “Praia dos Ossos” e foi vencedora de um prêmio Vladimir Herzog pelo seu trabalho no “Projeto Querino”, também da Rádio Novelo.
Apresentadora da mesa Flora Amorim e Flora Thomson-Deveaux na atividade diálogos (Foto: Júlia França)
Praia dos Ossos
Entre as dicas ensinadas pelas duas, a primordial foi a técnica de escolher boas histórias para contar. Entre os fatores estão: histórias que se esforcem para serem perenes, que pensam a estrutura narrativa e que não são sobre uma coisa só, mas sempre apontam para algo maior.
Nesse último quesito, Flora destacou como no podcast Praia dos Ossos, diferentemente de outros podcasts que contam sobre crimes, a produção escolheu focar não na resolução do assassinato mas sim no julgamento do assassino.
“A grande dúvida e suspense do true crime é quem matou, e isso a gente conta em 40 segundos. No caso da Ângela a dúvida não era quem matou, mas sim por quê” , destacou.
O podcast conta a história do assassinato da socialite Angela Diniz pelo seu namorado Doca Street na praia dos ossos, em Búzios.Ele representa não só a história de Angela mas a história de muitos feminicídios movidos pelo ciúmes no Brasil e que não tiveram justiça. Através do podcast pode se ter acesso ao contexto social do Brasil na época em relação às mulheres, e ao tratamento machista que Ângela teve da mídia na época do julgamento do seu assassino.
Mesa sobre Jornalismo Literário em Áudio (Foto: Júlia França)
Inspirações e Dicas
Como inspiração, Flora e Paula citaram Ira Glass, Aristóteles, e sobre as regras da tragédia grega: a necessidade de ação, personagens e espaço; além de narrativas com começo, meio e fim.
Destacaram também a importância de se preparar para entrevistas, pesquisar bastante sobre o tema, preparar as perguntas pensando no que você quer ouvir na voz do entrevistado e de, como na edição de um podcast, a trilha sonora deve complementar e não rivalizar com o conteúdo.
Além do praia dos ossos, elas mencionaram durante a mesa alguns episódios do podcast Radio Novelo Apresenta. São eles: Arqueologia do futuro, Garrafas ao mar, Intérpretes, Desafiando as regras, Sônia Maria Sampaio Além, Cápsula do tempo, Maria e Café, Os muros de Juqueri, A casa do Vovô, Faça você Mesmo e 72 horas.
Flora Thomson Deveaux na Semana de Jornalismo da Unesp (Foto: Luiza Lima)
Entrevista Exclusiva
Em entrevista exclusiva para o Jornal Contexto, Flora contou um pouco mais sobre o processo de escolher boas histórias para seus podcasts. “É um pouco cruel até, porque tem muitas histórias que são boas mas que elas não sustentam tanto tempo, tantas camadas, ou elas não são essa mistura de ao mesmo tempo excepcionais e representativas. Porque não é nossa intenção também ser uma coleção de casos bizarros, a gente tem essa relevância jornalística”, explicou.
Ela também detalhou os bastidores de suas apurações para a Rádio Novelo. “É maravilhoso e é terrível. A cada história isso requer uma coisa diferente. No caso da Ângela, muito do que a gente conta é uma história da imprensa, eram milhares de matérias que tive que ler. Já pro crime e castigo, era uma coisa enlouquecedora.”
Além disso, Flora relatou como aprendeu ao longo do tempo em ser metade pesquisadora, metade roteirista. E confessou que o que gosta de fazer é ir descobrindo informações inusitadas e curiosas, mas lembrou que isso pode atrapalhar na hora de fechar o texto final.“No meu íntimo, o que eu adoro é ir catando pedrinhas de histórias estranhas. Mas quando a gente foi fazer o roteiro do praia por exemplo, foi um Deus nos acuda, porque era informação demais.”
Ela também falou sobre como é importante ter um recorte afiado e uma organização dessas histórias para que o trabalho final possa ser entendido pela audiência. “Não adianta fazer uma pesquisa incrível se você não conseguir comunicar essa pesquisa. Isso vale para podcast, para qualquer tipo de jornalismo e para pesquisa acadêmica também.”
Além da produção de podcasts, Flora Thomson Deveaux é conhecida por sua tradução para o inglês do clássico livro de Machado de Assis Memórias Póstumas de Brás Cubas, que viralizou recentemente em um vídeo no Tik tok da criadora estadunidense Courtney Henning Novak. Sobre isso, Flora comentou como o jornalismo literário pode se inspirar em Machado de Assis. “Sobretudo as crônicas, essa arte de aproveitar as formas curtas e do dia a dia e se permitir experimentar. Olhar para como ele traz a literatura, a arte e o debate no congresso e fazendo dessa salada uma coisa deliciosa”, explicou.
Por fim, Thomson deixou a escuta de bons podcasts como conselho para jornalistas que desejam seguir na carreira do jornalismo literário em áudio. “Para fazer, primeiro você tem que escutar. Escutar muito e escutar com atenção, fazer esse exercício que a gente chama de engenharia reversa e ir voltando e pensando no que eles estão fazendo pra te prender”.
