Por Gabriela Bita
Era mais uma tarde quente. O sol incidia sem piedade sobre a lataria do ônibus e causava uma sensação semelhante a estar dentro de um forno ligado. A superlotação de pessoas também não ajudava.
Era fácil identificar os diferentes grupos; aqueles que iam para a faculdade, os que se dirigiam ao trabalho e quem estava voltando para casa. Em comum eles tinham poucas coisas, além do calor, talvez, apenas a preocupação de que horas chegariam em seus destinos. Como era costume, o transporte público estava atrasado.
No meio de toda a multidão ela não se destacava. Somente um olhar atento veria que a senhora de cabelos curtos e grisalhos mantinha um pequeno sorriso nos lábios enquanto olhava pela janela e acompanhava o trajeto. Era uma das poucas pessoas a ver o mundo.
Quando o veículo parou no ponto ela se preparou para descer. Assim que as portas foram abertas seus lábios se curvaram ainda mais. Um senhor, um pouco mais velho do que ela, a aguardava do lado de fora com uma mão estendida.
Olhei para os lados e percebi que mais ninguém prestava atenção na cena banal. Seria a mente de jornalista aflorando e me dizendo para ir atrás daquele casal? Seria possível que mais ninguém estivesse interessado em saber a história daqueles dois amantes? Não era possível que não tivessem tempo nem para virar os olhos para o lado e presenciar um momento de afeto.
Durante os quatro segundos que levou para a senhora descer e seguir seu rumo com seu amado, mil e um cenários se formaram em minha cabeça para os dois. Eles se foram e eu continuei o percurso.
Todos continuavam da mesma forma. Mas agora o que me inquietava não era mais o calor. Quando foi que paramos de buscar por histórias? Quando foi que passamos a olhar somente para o interior e deixamos de ver o mundo? Tantas memórias, em tantos lugares e não nos preocupamos nem em virar a cabeça para identificá-las.
Duas paradas depois eu desceria e seguiria com meu dia. Minha agenda marcava os compromissos que já estavam em atraso. E em algum lugar, naquele mesmo momento, aquele casal guardava histórias que talvez nunca fossem escutadas.
