por Ana Gabriela Bezerra

Nunca fui uma leitora de poemas. Porém, Carlos Drummond de Andrade sempre me convenceu a voltar minha atenção mais cuidadosa para sua obra e neste momento me recordei de alguns versos do poema Poesia: “Gastei uma hora pensando em um verso/ que a pena não quer escrever, mas ele está cá dentro.” Nesses versos de Drummond é perceptível a dificuldade que encontramos ao materializar em palavras aquilo que sentimos, ou o que pensamos, ou até mesmo observamos no nosso cotidiano.

Acredito que no caso do grande poeta mineiro possa ter sido um lapso de inspiração, mas para nós, meros leitores, habituados à correria cotidiana, de entregas e prazos, sem tempo para simplesmente gastar uma hora pensando. Mas o problema é que, certamente, gastamos essa hora pensando na resolução de problemas e tarefas simples, e nunca conseguimos parar e gastar essa hora para refletirmos sobre nós, sobre a vida, sobre o outro, sobre uma atividade que traga prazer a essa rotina.

Lembro-me certa vez de terminar uma aula com adolescentes do 6º ano e pedir-lhes que me entregassem uma redação que eles não conseguiram concluir em sala. Coisa simples! Eu lhes disse com desfaçatez. Muito contrariados e com a rebeldia recém chegada pela idade, disseram-me estarem se sentindo sufocados com as inúmeras atividades que lhes são exigidas por todos os outros professores em um curto espaço de tempo.

Eu, como a única adulta da sala, resolvi acalmá-los com a frase mais adulta do meu repertório: “Sufocados? A escola ainda é o paraíso, esperem vocês começarem a trabalhar!”. Para eles, essa fala não adiantou nada e, agora, refletindo melhor, o que eu disse realmente não significa muito. Estou apenas reproduzindo mais um senso comum, mostrando-lhes a normalidade de se acostumarem a uma rotina condicionante, a qual só iremos preenchê-la cada vez mais com afazeres. Em vez de acolhê-los e mostrar-lhes que mesmo tendo nossas obrigações a cumprir, precisamos desse momento, dessa hora gasta com a elaboração de algo que nos traga a fuga desse padrão em que não há uma prática reflexiva – como a da escrita.

Poderia ter dito que em muitos momentos, me sinto como eles, sufocada pela rotina, com dificuldade em compor um texto em cinquenta minutos, mas não pude sair do meu tom professoral. Talvez, se eu tivesse abandonado esse papel, teria conseguido aproximá-los muito mais. Talvez eles teriam conseguido enxergar com mais cuidado a importância da minha atividade solicitada, talvez eles conseguissem refletir melhor sobre eles mesmos, e conseguido transpor para o papel tudo aquilo que eles sentem, pensam e observam. E talvez com a honestidade do nosso diálogo em sala de aula, eles pudessem perceber, como dissera Drummond no já citado poema, que o momento da escrita pode ser a poesia que inunda uma vida inteira.

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