Criação de infraestrutura verde é uma das alternativas para adaptar as áreas de risco diante das mudanças climáticas
Por Letícia Barros

Centro Histórico de Porto Alegre alagado pela elevação do Guaíba- 05/05/2024 (Foto: Gustavo Garbino/ PMPA)
As chuvas fortes que atingiram o Rio Grande do Sul tiveram início no dia
27 de abril e sobrecarregaram além de seu limite as bacias dos rios Taquari,
Pardo, Sinos, Gravataí e Caí, deixando mais de 170 mortes e expulsando
mais de 600 mil pessoas de suas casas. Outro ponto que colaborou para a
extremidade do evento foi o transbordamento do Lago Guaíba e da Lagoa
dos Patos para as cidades do entorno.
Uma junção de razões causou a enchente. Do ponto de vista meteorológico,
foi a frente fria que atinge mais fortemente o estado, devido à sua posição
geográfica, o bloqueio atmosférico, a influência do El Niño e a provável
intensificação dos fenômenos pelo aquecimento global.
A meteorologista do Instituto de Pesquisas Meteorológicas da Unesp –
IPMet, Zildene Pedrosa, que é doutora em Geociências em Meio ambiente,
explica algumas das causas. “Essas frentes frias ficaram, digamos, paradas.
Porque além delas, existia uma massa de ar seco, que a gente diz que era
um bloqueio atmosférico, que estava no Sudeste e no Centro Oeste do
Brasil, e impedia o seu deslocamento comum. Esse bloqueio fez com que
as frentes ficassem paradas lá”.
Para a determinação de um alerta climático, Zildene conta que há diversas
ferramentas que auxiliam. As estações meteorológicas exercem um papel
fundamental nisso. “Depois você tem os dados; de temperatura,
precipitação, radiação, vento, umidade; que são coletados nas estações
meteorológicas, com esses dados ‘tudinho’, você tem os modelos
numéricos, que nos auxiliam nos prognósticos para os próximos dias; às
vezes os modelos acertam, às vezes não”. Ela completa que hoje a maioria
das estações são automáticas, podendo ser de superfície, que é no chão, e
de altitude, em que é solto um balão.
Além das estações, os satélites exercem um importante trabalho ao
ajudarem a fornecer um panorama da situação através de seus registros
fotográficos. Outra ferramenta é o radar meteorológico, que auxilia em um
curto prazo na determinação do deslocamento da chuva durante o dia.
A meteorologista frisa a seriedade de se atentar aos avisos dados por
profissionais. “Então, os órgãos de meteorologia fazem a sua parte, fazem
os alertas, agora as autoridades que têm que tomar decisão. É isso, é
consciência e educação para entender que a ciência não é brincadeira, é
uma ciência séria”.
O urbanismo frente à nova realidade
“Cidades-esponja”, “infraestruturas verdes”, “desenvolvimento de baixo
impacto” e “soluções baseadas na natureza”, são conceitos semelhantes
relacionados a adaptação de áreas de risco para minimizar crises, que são
atenuadas pela urbanização crescente e pelos impactos provenientes das
mudanças climáticas. Existem diversas medidas que podem tornar uma
cidade em cidade-esponja. Dentre elas, estão a permeabilização asfáltica,
para absorção de água da chuva, e a reconstrução da margem de rios, por
meio da implementação de mata ciliar. Algumas dessas práticas já são
utilizadas em diferentes lugares pelo mundo, como é o caso da Holanda e
da China.

Parque Jinhua Yanweizhou, na cidade chinesa de Jinhua, dentro dos parâmetros de uma cidade-esponja (Foto: Divulgação Turenscape)
Diante da catástrofe que o Rio Grande do Sul vem sofrendo, se torna
necessário analisar essas medidas que podem melhorar a vida da população
que abriga essas regiões de alerta e assim, reduzir desastres.
A urbanista especialista no tema, Maria Fernanda Nóbrega, detalha mais
sobre o assunto. Ela explica que a “abordagem integrada para o manejo de
águas pluviais” vem para substituir o paradigma de um sistema
centralizado, em que o objetivo é levar a água o mais rápido possível para
longe da cidade.
“A mudança ocorre quando você passa a deter essas águas e promover a
infiltração o mais próximo possível de onde elas caem, esse é o conceito de
controle na fonte. Para que você possa promover essa ideia, você tem que
unir as áreas de manejo e drenagem de águas pluviais com o planejamento
urbano, promovendo as mudanças nos padrões de uso e ocupação do solo
que vão gerar o escoamento”, esclarece.
Portanto, a drenagem urbana é a principal questão na adaptação das cidades
propícias a sofrerem enchentes, sendo as áreas verdes um meio de destaque
para isso, pois nas impermeabilizadas, praticamente toda a água que cai vai
gerar escoamento superficial, contribuindo para a cheia e, o consequente,
transbordamento de reservas.
“A gente tem todo um sistema de drenagem natural que o processo de
urbanização altera. Apesar de você alterar esses espaços, a água precisa
ocupar a planície de inundação, então por isso que os espaços verdes são
muito importantes, pois eles vão promover tanto a proteção dessas áreas,
quanto auxiliar na redução de velocidade e volume do escoamento, porque
parte da água vai ser infiltrada no próprio solo”, Maria Fernanda comenta.
Para prevenir que essas planícies não sejam ocupadas, podem ser criados
parques lineares, por exemplo.
Contudo, existem espaços que já possuem ocupação irregular, então, dentro
da gestão de riscos, a questão não é retirar os indivíduos, mas sim os
próprios riscos. Isso porque a desocupação envolve um custo econômico,
político e social muito alto; muitas dessas pessoas, por exemplo, viveram
suas vidas todas nesse lugar, logo possuem um vínculo de memória e
existência com o ambiente.
“Então, nós temos várias frentes que podem ser de atuação, seja sistemas
de alerta e monitoramento, treinamentos para as ações de emergência e
contingência, adaptação das próprias edificações a esses alagamentos e
outras intervenções mais extensivas que vão ocorrer principalmente nas
áreas de cabeceira”, exemplifica a profissional essas maneiras de
adaptação.
Sobre as interferências nas regiões de cabeceira, ela denota que a ideia é
aumentar o tempo de concentração da bacia, possibilitando dessa forma,
com que as autoridades tenham mais tempo para agir, seja por meio da
evacuação da população, seja por proteção dessas localizações.
Tragédias como a do Rio Grande do Sul alertam para a maior frequência
com que crises climáticas vem acontecendo e os perigos do aquecimento
global no impacto na vida da população.
