Nos últimos anos, a presença feminina no automobilismo vem aumentando, fazendo com que diversas mulheres conquistem seu espaço no esporte. Mas, diferentemente do esperado, o machismo não diminuiu, na verdade, se tornou ainda mais presente.
Por Vitória Mendes
Desde o surgimento das competições automobilísticas é notável a presença majoritária de homens. Por muitos anos, as mulheres só eram vistas trabalhando como as Garotas de Grid. Elas tinham como função acompanhar os pilotos antes da largada e posar para os patrocinadores, o que levou a uma objetificação da figura feminina no esporte. Apesar dessa problemática, as Garotas de Grid foram excluídas da Fórmula 1 apenas em 2018 e ainda estão presentes em outras categorias.
Fora isso, eram raros os casos em que mulheres atuavam como pilotos, engenheiras, jornalistas, criadoras de conteúdo e até mesmo assistiam as categorias automobilísticas. Mas, nas últimas décadas esse cenário começou a mudar.
Atualmente, há a F1 Academy, uma categoria feminina de base criada para incentivar e aumentar a presença das mulheres nas maiores categorias automobilísticas do mundo. A categoria é dirigida por Susie Wolff, ex-piloto, e conta com o apoio das equipes de Fórmula 1. Contudo, nos primeiros anos, a categoria não era transmitida para o público. Para vê-la era necessário ir aos autódromos, o que a invisibilizou ainda mais. Mas, após muita luta, foram iniciadas as transmissões ao redor do mundo e, a partir do próximo ano, a F1 Academy terá uma série documental produzida pela Netflix.
Com isso, fica claro que a presença das mulheres no automobilismo cresceu bastante e hoje elas exercem diversas funções dentro do esporte, desde pilotas até jornalistas.
Adria Meyer, redatora e criadora de conteúdo, tem uma visão muito positiva sobre o aumento do público feminino. “Os fãs e criadores mais ativos são grupos de mulheres. Claro que tudo não é um mar de rosas, mas acho que isso encoraja a gente mais. Se avançamos das garotas de grid para uma categoria de acesso com apoio das equipes de Fórmula 1 (a F1 Academy), a gente pode muita coisa”.
Mas, como essa mudança aconteceu?
Um dos principais fatores para isso é o uso das redes sociais para conversar sobre o assunto e conhecer outras pessoas do meio. Outro fator determinante foi a criação da série Dirigir para viver pela Netflix. Desde 2018, a série acompanha a Fórmula 1 durante cada temporada e retrata a emoção presente no esporte. Apesar de ser documentada de forma sensacionalista, a série cumpre seu papel de mostrar o lado mais pessoal da competição e com isso cativa um novo público.
Para Adria, apesar de cometer erros, a Liberty Media, dona da categoria, também teve muitos acertos em relação à inclusão feminina, principalmente através da série. “A série da Netflix, que muitos veem como fator negativo, foi o que salvou a Fórmula 1 de ser um esporte insignificante, e trouxe muitas pessoas, incluindo mulheres, para esse mundo”.

Adria Meyer no último Grande Prêmio de São Paulo de Fórmula 1 (Foto: Adria Meyer)
Apesar disso, não se pode negar que o automobilismo é extremamente machista. Não apenas por parte do público que acompanha, mas por parte dos chefes de equipe e até mesmo dos pilotos.
“Uma mulher ganhar de você não seria bom. Melhor que estejam na cozinha” e “A Fórmula 1 está atraindo diversas meninas por conta dos pilotos que são muito bonitos”. Essas são apenas algumas das falas machistas e sexistas feitas por homens influentes da Fórmula 1. Devido ao grande público que acompanha tais homens e que os têm como modelo, essas atitudes são um grande retrocesso.
Elas dão abertura para que o público feminino seja descredibilizado, gerando um estigma de que as mulheres não pertencem ao esporte, quando na verdade é justamente o contrário.
A todo momento, as mulheres são questionadas sobre o assunto e são consideradas menos fãs se começaram a assistir após o lançamento da série. Esse conjunto de ações desmerece toda a luta por pertencimento, fazendo com que muitos acreditem que as mulheres não são dignas de estarem na área, seja como profissionais ou como torcedoras.
Carol Politta, engenheira mecânica e criadora de conteúdo, relata o medo que ela e outras garotas já sentiram de tentar algo no esporte e serem julgadas. “No começo dessa jornada era mais difícil. Eu sentia que tudo o que eu postava ficava sobre uma lupa onde as pessoas queriam achar erros a qualquer custo. E não era achar erros para fazer uma crítica construtiva, era mais para expor como se eu fosse inferior por errar.” Hoje, ela não dá atenção aos julgamentos, apenas faz o seu trabalho de forma bem feita e segue com sua vida.

Carol Politta no Ayrton Senna Racing Day de 2024 (Foto: Carol Politta)
Essa é uma demonstração de que as mulheres estão resilientes e determinadas a ocuparem seus lugares no esporte. Hoje, existem diversos projetos criados de mulheres para mulheres com o objetivo de criar uma integração entre pessoas com a mesma paixão e gerar oportunidades e caminhos para mulheres que querem trabalhar na área. Todos eles têm mostrado resultados positivos e são um grande avanço para o público feminino.
Projetos e inclusão
Alguns dos principais projetos são o FIA Girls On Track, a Comissão Feminina de Automobilismo e a F1 Academy, voltada às mulheres pilotos. E, talvez um dos maiores projetos brasileiros é o Girls Like Racing (GLR), uma comunidade criada por Erika Prado, engenheira na Fórmula 4 Brasil, que promove ações imersivas para mulheres do meio e foca na inclusão no esporte.
Kelly Namy Arikuma Watanabe, líder de Relações Públicas e Marketing na Equipe PAC Baja, conta um pouco da sua experiência ao participar da imersão do GLR em parceria com a Ipiranga em 2022. A ação aconteceu no Autódromo José Carlos Pace, mais conhecido como Interlagos.
“Foi uma imersão para que a gente conhecesse um pouco melhor sobre o dia a dia das pessoas que trabalhavam lá. A gente conseguiu visitar os boxes, a gente fez o reconhecimento de pista, conversou com mulheres que atuam ali dentro. Vi o trabalho delas“.
Mesmo já sendo apaixonada pelo automobilismo, foi só com essa experiência que ela começou a considerar a possibilidade de construir uma carreira na área. “Foi esse contato com outras mulheres que passaram por diversas situações, por diversas adversidades, que me fez concluir e entender que eu também era capaz. Isso me fez ter essa vontade de realmente continuar na minha jornada”.
Essa vivência foi um divisor de águas para Kelly, foi o que a fez se sentir acolhida e apoiada nesse nicho. Além disso, foi uma das principais motivações na hora de escolher seu curso na faculdade e de entrar para o projeto PAC Baja, filiado à Baja SAE Brasil.
Para ela, ter referências e influências na área é um dos principais motivos para o aumento da presença feminina. É o entendimento mútuo que facilita esse processo, que gera a união para que haja uma visão de um futuro melhor. Ademais, a mídia e o jornalismo têm grande participação nisso, afinal, é a divulgação que traz a voz para essas mulheres.

Ação do Girls Like Racing by Ipiranga em 2023 no Autódromo de Goiânia (Foto: Divulgação/Girls Like Racing)
Mulheres referências no automobilismo
No âmbito profissional, as mulheres têm se destacado como criadoras de conteúdo, influencers, engenheiras e jornalistas. Apesar de atuarem em áreas diferentes, elas mostram que há espaço para mulheres ali, que é possível chegar onde elas chegaram.
Um dos principais exemplos é na área da comunicação, que tem como maior representante a Mariana Becker, que em 2007 se tornou a primeira jornalista brasileira a fazer cobertura da Fórmula 1, e que segue até hoje sendo referência para muitas. A partir dela, muitas portas se abriram para o público feminino.
Outros nomes de grande peso são Erika Prado, criadora do Girls Like Racing e engenheira na Fórmula 4, Julianne Cerasoli, jornalista e correspondente de Fórmula 1, Hannah Schmitz, engenheira estrategista na Fórmula 1, Marta García, primeira campeã da F1 Academy, e muitas outras.
Para Carol Politta, a base de todo o movimento está em mulheres que se apoiam, que agem com sororidade. “Quanto mais mulheres que já vivem do esporte a motor puxarem outras mulheres para junto delas, mais diverso se tornará esse ambiente”.
No entanto, mudanças precisam ocorrer para que essa realidade se modifique, para que mais mulheres possam se encontrar dentro do automobilismo. O ambiente sempre beneficiou mais os homens, mas houve uma melhora significativa nos últimos anos.
Ainda há um longo caminho a ser percorrido, mas agora há possibilidades para que as mulheres conquistem e ocupem o lugar que merecem, facilitando o processo para as próximas gerações.
