Quem se propõe a usufruir da grande oportunidade de mudança de país ainda precisa enfrentar situações de risco.

Por Luiza Lima

Segundo a Agência da ONU para Refugiados (Acnur), Xenofobia é o termo utilizado para nomear atitudes, preconceitos e comportamentos que rejeitam, com base na percepção de que eles são estranhos ou estrangeiros à comunidade e sociedade. As situações xenófobas podem ser explícitas, como agressões físicas e verbais.

Historicamente, a Europa se apresenta como um lugar hostil para imigrantes, visto o alto número de casos de xenofobia registrados. Culturalmente, os brasileiros – latinos no geral – são afetuosos, amáveis e acolhedores. Por isso, sentimos um forte choque de realidade ao sermos expostos a diversas agressões por parte dos europeus.

Os irlandeses, mais especificamente, não são conhecidos por sua cortesia com imigrantes. Contrariando o falso consenso de segurança máxima que é transmitido ao falarmos da Europa, a Irlanda acumula casos de agressão contra os brasileiros que estão vivendo no país motivados pela xenofobia.

De acordo com os brasileiros que estão no país, Dublin, capital da Irlanda, é considerada a cidade mais perigosa do país para estrangeiros devido à presença dos popularmente conhecidos como “knackers”, ou “nanás”. Esses grupos são compostos por adolescentes, jovens e andarilhos arruaceiros que provocam confusões e ataques contra, principalmente, os brasileiros.

Em outubro de 2023, o brasileiro João Henrique Thomaz Ferreira, filho do prefeito de São José dos Campos, Anderson Farias (PSD), foi atropelado por um veículo da Garda (polícia local) e teve a perna amputada. O jovem estava acompanhado de outro brasileiro, ambos procurando uma dupla de “nanás” que haviam roubado a moto de um colega de trabalho dos brasileiros. 

“Eu estava junto com o João, todo o tempo. No meio do caminho, a gente encontrou uma Garda de carro. É a polícia local daqui. Pedimos ajuda e eles começaram a perseguição policial no meio da maior rodovia daqui. E a gente atrás, o tempo todo atrás. Eu e o João acompanhando”, contou Anderson Davi, amigo de João Henrique, em entrevista ao G1 Vale do Paraíba e Região.

Foto: Reprodução/Reportagem G1

A dupla de ladrões foi alcançada pelos policiais. João Henrique, que estava com sua moto atrás do carro da polícia, estacionou no acostamento e ficou em pé observando a ação da polícia poucos metros à frente. Nesse momento, um outro carro descaracterizado da Garda avançou contra o brasileiro, que foi jogado contra o guard rail da rodovia, tendo a perna direita esmagada. “Quando o João fez o sinal com o braço [para sinalizar para o carro descaracterizado], ele simplesmente avançou pra cima do João”, afirma Anderson.

Esse é um exemplo de como a estereotipização dos estrangeiros acontece através dos pré-conceitos estabelecidos e pode ser muito perigosa.  “Se eu cometer qualquer errinho, a autoridade vai falar pra mim: ‘você não tá no seu país! Aqui não é igual ao Brasil’. Mas se na mesma hora, um irlandês cometer o mesmo erro, ele vai ter uma atitude muito mais pacífica e calma”, conta Angelo Souza, brasileiro que mora na Irlanda há 10 anos.

O preconceito também ocorre de forma velada, como quando brasileiros (estrangeiros) têm que assumir cargos mais baixos de trabalho, sofrem difamação por serem considerados uma “ameaça para a identidade nacional” e são diminuídos por ter alguma dificuldade com o idioma. 

“Me aproximei dela [policial da Garda] tentando ser simpático para tirar uma dúvida e, conforme eu falava, ela dizia ‘han?’ como se meu inglês não fosse bom. [..] Eu não deixei ela esperando porque estava muito atento, esperando minha vez, mas ela me disse ‘você me deixou falando sozinha por 3 minutos, então agora você vai ficar aí’” relata Angelo Souza.

Ele também conta que “quando meu ex-marido irlandês estava comigo nos lugares, eu sentia muita diferença de tratamento. Eles eram educados e solícitos. Quando eu estava sozinho, nem olhavam na minha cara.”

Foto: Angelo Souza/Arquivo Pessoal

Mas calma, não acontece na Irlanda inteira!

O censo irlandês de 2022 apontou que os brasileiros representam 4% da população imigrante residente na Irlanda, ficando na sexta posição entre as nacionalidades estrangeiras que vivem no país, atrás de Lituânia (5%), Índia e Romênia (7%), Reino Unido (13%) e Polônia (15%).

A comunidade brasileira consegue formar uma grande rede de apoio para os que estão chegando no país. “[Antes de chegar aqui] tinha esse grupinho do Face, e aí eu conheci algumas pessoas que já me ajudavam. Quando eu cheguei, encontrei essas pessoas pessoalmente, aí mandava mensagem, um ajudava o outro. Um indicava trabalho, outro indicava acomodação. Então, eu acho que por conta disso, eu não tive tanta dificuldade em me adaptar”, conta Natália Marossi, brasileira que mora na Irlanda há quase 9 anos. 

Sobre situações xenofóbicas, Natália diz não se lembrar, em tantos anos morando no país, de ter sofrido preconceito. “Quando cheguei aqui, não tinha muito contato com irlandeses. Era mais com brasileiros e estrangeiros. Atualmente tenho mais contato com Irlandeses, mas eles são muito queridos e receptivos e também não me recordo de nenhuma situação do cotidiano em que tenha passado por isso. Pelo contrário, sempre me trataram bem e tentaram me ajudar, principalmente as senhoras com quem estudei na universidade e meus atuais colegas de trabalho.”

Foto: Natália Marossi/Arquivo pessoal

Também ouvimos a brasileira Luana Coelho, que mora na Irlanda com a família há 7 anos, e se mudou para o país devido a transferência do emprego de seu marido. “Chegamos em 2017. Meu marido foi transferido da fábrica do Brasil para a da Irlanda. A empresa nos trouxe por 15 dias para conhecer a cidade que iríamos morar, disponibilizou uma corretora para nos levar nas casas e apartamentos. Então, tivemos esse apoio que foi bem essencial visto que a crise imobiliária é algo bem complicado aqui.”

Foto: Luana Coelho/Arquivo pessoal

É praticamente uma unanimidade entre os brasileiros que moram na Irlanda, estando em Dublin ou mais no interior, que a polícia quase não pune ataques xenofóbicos ou preconceituosos contra estrangeiros. “Não acredito que eles punem ataques xenófobos. Tenho essa opinião porque isso é o que ouço dos brasileiros que moram em Dublin”, conta Natália.

“As autoridades deixam muito a desejar quando o assunto envolve xenofobia, principalmente quando envolve os adolescentes, conhecidos como nanás, que são os maiores causadores de xenofobia”, destaca Luana.

Porém, ainda assim, ambas as brasileiras se sentem muito seguras morando na Irlanda, já que moram longe da capital. “Me sinto segura aqui em Galway. Não sei quanto a outros lugares, mas aqui posso afirmar que me sinto segura”, diz Natália. “Como eu moro no interior do condado de Galway, eu consigo me sentir segura sim”, ressalta Luana.

O país pode ser uma grande oportunidade para mudança de vida, mas também – ainda – pode oferecer ameaças para os brasileiros. Estar atentos com as agências de viagem, conhecer as cidades que vão morar, pontos de maior concentração de “nanás”, também ter conhecimento de seus deveres e direitos no país são as melhores defesas de um estrangeiro.

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