Vídeos curtos e virais na famosa rede social contribuem, mesmo que sem intenção, com a divulgação de obras audiovisuais nacionais

Por: Marina Longhitano


Os pequenos vídeos capazes de causar este fenômeno são chamados de “edits” e são caracterizados pela duração de segundos e alcance de milhões de pessoas. Grandes produções nacionais, independente da data de lançamento, recebem atenção repentina através das edits postadas no Tik Tok.


Foto: números altos de curtidas, comentários e compartilhamentos alcançados com as publicações

Vale ressaltar que estas não são feitas necessariamente por profissionais da área, e sim por jovens interessados em edição de vídeo que costumam publicá-las nas redes sociais.

Essas produções podem ser confundidas com os trailers lançados que antecedem a chegada dos produtos cinematográficos, mas são coisas diferentes. “São produtos diferentes, para meios de difusão diferentes, para audiências diferentes. Os trailers são parte fundamental da promoção dos filmes, com foco maior no momento do lançamento destes nos respectivos circuitos de exibição, sejam comerciais ou artísticos. Com o passar do tempo os trailers sobrevivem nos repositórios de vídeo, como youtube, ou como acessórios ao próprio filme nos canais de streaming, diminuindo muito sua atenção e interesse por parte do público em geral. Esse fenômeno recente dos edits de filmes brasileiros no TikTok é parte de um fenômeno maior das redes sociais, que integram as plataformas de comunicação digital que favorecem a circulação de formatos curtos e de alto impacto visual e sonoro, em contextos de conteúdo extremamente fragmentário e de atenção reduzida”, explica Gustavo Soranz, professor do curso de RTVI e doutor nas áreas de Artes e Comunicação, com ênfase em Cinema e Televisão.

Gustavo também comenta sobre como as edits revelam ao público mais novo o quão equivocada é a noção de que o cinema nacional é ruim, “o que vale destacar é como uma audiência jovem tem manifestado interesse pelo cinema nacional a partir do que assistem nesses edits”.

A atriz brasileira Julianna Gerais, formada em Artes Cênicas pela Escola Superior de Artes Célia Helena e pela Escola de Artes Dramáticas da USP e conhecida por seus papéis em “Últimas férias” e “Todxs nós”, também esclarece o sucesso das edits. “O objetivo do trailer é fazer a pessoa se interessar para assistir. Às vezes, nas edits, a pessoa já viu o filme e pega as partes que mais interessam para o público de fato, [partes] que mais ‘conversaram’ com o público enquanto o trailer vem antes de qualquer possibilidade de ‘conversa’. Então talvez o sucesso esteja nisso”.


Fotos: redes sociais de Julianna Gerais e Gustavo Soranz


Devido ao grande público alcançado pelas edits nas redes sociais, especialmente no Tik Tok por ser um aplicativo exclusivamente de vídeos curtos, alguns usuários alegam que tal plataforma “vai salvar” o cinema.


Foto: publicações no X, antigo Twitter sobre a influência das edits

A este respeito, Julianna disse que achou essas opiniões promissoras, porque as pessoas só assistem àquilo que tem contato. “Eu acho que os edits fazem com que as pessoas tenham contato, eu nunca vou assistir um filme que eu nem soube que existe” e completa se referindo ao impacto da rede social no cinema dizendo que “tudo que a gente quer é que um filme seja visto, falado e que cause interesse, sabe? Acho que esses edits só agregam e fazem com que pessoas que talvez nunca saberiam daquele filme, porque a divulgação do filme não foi para aquele nicho, tenham o acesso, saibam, se interessem”.

Um fator que pode causar preocupação é a preferência dos ‘nativos digitais’ por minutagem reduzida e como ela pode afetar a cinematografia. “A experiência do consumo de filmes em salas de exibição comercial pode estar sendo afetada por uma série de fatores, como a mudança no comportamento das audiências, mas não apenas isso. Os hábitos das audiências vão se transformando e vão surgindo novos produtos para atender a isso. Se as audiências mais jovens estão menos afeitas a consumir um único filme de duas horas, elas parecem estar mais abertas a consumir séries de vários episódios de uma hora, muitas vezes assistindo episódios na sequência, o que na soma daria muito mais tempo de tela. São modos diferentes de explorar as narrativas audiovisuais, em um ecossistema cada vez mais complexo de mídias, formatos e estéticas audiovisuais”, informa Gustavo.

Tendo em vista que as mudanças de preferências e comportamentos caminham lado a lado com as do audiovisual, Julianna comenta sobre o futuro da dramaturgia brasileira que “está cada vez mais brasileira de fato”, segundo a atriz. “Nisso entram pautas sociais que há alguns anos têm ficado mais evidentes e têm sido impossíveis de não serem tratadas nem que seja apenas um rabicho daquilo. Falar cada vez mais de questões sociais, sejam LGBTQIAPN+, racismo, de classe [social], em diferentes níveis, mas eu percebo que estão sempre aparecendo”, complementa.

Nesse panorama, percebe-se que produções brasileiras têm qualidade, e por isso recebem a atenção de gerações mais jovens, mesmo anos após seus lançamentos. É o caso de “Bicho de Sete Cabeças”, “Carandiru”, “Bingo: O Rei das Manhãs”, “Reflexões de um Liquidificador”, entre outras obras, inclusive novelas, que ganharam edits e foram mais valorizadas.

Em um país com produções bem feitas e com grande potencial artístico, Julianna Gerais reforça aspectos que alavancariam o cinema nacional, “a gente precisa ter um governo interessado, com leis de incentivo interessadas, com sindicatos fortes, ter uma cota de filmes que não são comerciais em cinemas de shopping, ter dinheiro, ter cotas de produtos nacionais e regulamentação dos streamings”.

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