Universidades declaram emergência orçamentária e brasileiros que planejam ir ou já estudam lá sofrem com o aumento do custo de vida.
Por Isabela Miyuki Oshiro
O presidente argentino Javier Milei faz cortes orçamentários na educação e deixa universidades como a UBA (Universidade de Buenos Aires) em estado de emergência. Entre os estudantes, estão milhares de brasileiros que foram para o país vizinho realizarem o sonho de cursar Medicina, e agora enfrentam as dificuldades, criadas pelo próprio governo, contra estrangeiros.
De acordo com o Ministério da Educação, Medicina é o curso mais concorrido do Brasil. Com as notas de corte mais altas nas universidades públicas e as mensalidades mais caras nas particulares, o sonho de se tornar médico é um desafio. Por isso, muitos brasileiros decidem ingressar na carreira em países vizinhos. O maior alvo desses estudantes é a Argentina, pois seu sistema de educação garante ensino superior a todos, sem a necessidade de ser aprovado em um vestibular. Seu sistema de seleção ocorre nos primeiros anos da graduação e de forma mais abrangente, mas não significa que a formação profissional é mais fácil, muito pelo contrário.
O número de brasileiros que cursam Medicina na Argentina quintuplicou de 4000 para mais de 20 mil em sete anos, de 2015 para 2022, último dado do governo local. Mesmo as universidades particulares têm uma mensalidade bem abaixo da média brasileira, o que proporciona um custo de vida muito menor, mas muitos estudantes se matriculam na UBA (Universidade de Buenos Aires), que é pública.
Criada em 1821, a UBA é uma das universidades mais tradicionais da Argentina. Localizada na capital, é financiada pelo Governo Federal e oferece oportunidade de ensino gratuito e irrestrito (inclusive para estrangeiros). Além de ser uma das poucas universidades da América Latina entre as 100 melhores do mundo, com colocação acima da USP.

Universidade de Buenos Aires (foto: site oficial)
Javier Milei (líder do partido La Libertad Avanza) foi eleito no final de 2023. Ele se diz “liberal e libertário” e propôs, durante sua campanha, medidas radicais para atacar a crise financeira do país, como promover a dolarização da economia e acabar com o Banco Central argentino. Em seu primeiro decreto, em dezembro do mesmo ano, já eliminou os ministérios da educação e do trabalho.
O presidente já começou os cortes orçamentários, e uma das áreas mais afetadas foi a educação. Segundo a UBA, houve redução de 80% do orçamento em termos reais para funções universitárias, de pesquisa e hospitais universitários, diante do crescimento de gastos no ritmo da inflação. E no dia 10 de abril, seu Conselho Superior declarou “emergência orçamentária”. Em resposta aos cortes, integrantes de universidades nacionais de todo o país, federações docentes, sindicalistas, alunos e professores participaram de manifestação nas ruas de Buenos Aires. A maior de todas, no dia 23 de abril, contou com 500 mil participantes.

Cartaz diz que “o essencial é invisível para os olhos de Milei; saúde e educação” (foto: Isabella Ortuño)
Os brasileiros que vão estudar na Argentina normalmente contratam assessorias especializadas para tratar de todos os documentos e trâmites. A Time For Argentina atua nesse mercado desde 2006 e atende, em média, 300 brasileiros por ano. Entretanto, com o novo governo, viu o número de interessados em seus serviços diminuir.
“Medidas sugeridas pelo governo para cobrar universidades públicas somente para alunos estrangeiros afastaram alguns interessados que poderiam ter se tornado nossos clientes. Essa medida ainda não entrou em vigor, mas está sendo discutida. Além disso, o custo de vida na Argentina aumentou significativamente este ano, o que impacta bastante os brasileiros”, diz Ana Maria, responsável pela parte de comunicação da assessoria.
O governo ultra-conservador também planeja dificultar a entrada de novos estrangeiros no país, mesmo os estudantes que seguem todos os protocolos corretamente. “Tivemos dois casos de equatorianos que foram barrados, mas eles puderam retornar e entrar no país posteriormente”, conta Ana Maria. A Time For Argentina também acrescentou que nenhum de seus clientes brasileiros teve problemas para entrar no país.
A situação para os estrangeiros que já moravam na Argentina também piorou. A brasileira Isabella Ortuño, que se mudou para Buenos Aires em 2022, sente as consequências do novo governo dentro das salas de aula.
“Dentro das universidades houveram mudanças bruscas, por exemplo luzes apagadas em ambientes comuns, redução do uso do elevador e ar-condicionado, e os banheiros que às vezes tinham papel mas agora realmente não têm”, conta.
Isabella também fala sobre o aumento do custo de vida, que antes era um atrativo para morar na Argentina, porém com o novo plano econômico de Milei, não é mais um ponto positivo. “Antes eu pagava $4000 pesos de luz, com o ar-condicionado ligado por causa do verão, mas no primeiro mês que ele executou os cortes, a luz veio no preço de $23.000 pesos. Coisas com as quais não gastava tanto subiram demais, por exemplo ônibus, eu pagava $80 pesos e hoje pago $500”, diz a brasileira.
O presidente ainda tenta passar pelo Senado seu pacote de leis liberais, chamado Lei Ônibus. O pacote prevê declaração de emergência econômica, fiscal, administrativa e energética por um ano, no qual ele poderá criar, alterar ou revogar leis nessas áreas sem consultar o Congresso. A situação da Argentina ainda é marcada por incertezas, assim como a dos brasileiros que desejam ou já estão estudando em suas universidades.
