Minissérie britânica surpreende em aclamação crítica e abre discussão para o stalking
Por Lucas Marengoni
Em 11 de abril deste ano, “Bebê Rena” fez sua estreia no catálogo da Netflix, plataforma de streaming com alcance mundial. Baseada nas experiências de Richard Gadd, ele é responsável pelo roteiro dos sete episódios, cujo enredo aborda questões complexas de abuso e perseguição.
“Esta é uma história real”. A frase presente no início de cada capítulo, não é utilizada somente para causar algum efeito no espectador. Richard, criador e protagonista da minissérie, faz uso de nomes fictícios – inclusive atribuído a si mesmo – ao expor um intenso drama vivenciado. Através da arte, ele alega ter sido perseguido por uma mulher, interpretada por Jessica Gunning, durante anos. Afirma, ainda, ter recebido mais de 41 mil e-mails, 744 tweets lhe direcionados, 100 páginas de cartas e 350 horas de mensagens de voz.
Gadd havia transformado, anteriormente, seu relato em uma peça teatral, premiada no Festival Fringe de Edimburgo, no ano de 2019. Entretanto, o reconhecimento maior veio a partir da adaptação para o streaming.
Sucesso em audiência, a minissérie ocupou o primeiro lugar das produções mais assistidas da plataforma em cerca de 30 países, fora a grande repercussão nas redes sociais, como o X (antigo Twitter). No Rotten Tomatoes, site que agrega a opinião de diversos críticos do entretenimento, a produção obteve uma aclamação de 98%, elogiada pelo desempenho dos atores e enfoque emocional.

A atriz Jessica Gunning e Richard Gadd em imagem promocional (Foto: Netflix / Divulgação)
A popularidade de “Bebê Rena” formou-se, também, por controvérsias. No mês passado, surge outro lado desta história. Uma mulher chamada Fiona Harvey, em entrevista ao jornalista britânico Piers Morgan, afirma ser a inspiração real por trás da stalker que leva o nome de Martha na minissérie.
Harvey diz não ter assistido a adaptação de Richard, bem como nega todas as acusações que ele apresenta. Ela completa dizendo que nunca fez o envio de mensagens de voz, escreveu apenas uma carta e o destinou o que, segundo ela, foram poucos tweets, além de bem menos e-mails em comparação ao relatado.
Fiona, que é advogada, levou o embate a outro patamar. Na quinta-feira passada (06), ela abriu um processo no tribunal da Califórnia, Estados Unidos, contra a Netflix. Pede-se mais de 170 milhões de dólares (algo em torno de R$ 800 milhões) como forma de indenização pelos danos causados após a associação da personagem a sua pessoa.
Anterior ao envolvimento de Fiona, Richard, que reconhece ter feito uso da dramatização para contar a sua história em “Bebê Rena”, defendeu o trabalho à revista Variety.
“Tudo foi emprestado de casos que aconteceram comigo e de pessoas reais que conheci. Mas é claro que não se pode fazer a verdade exata, tanto por razões legais quanto artísticas. Quero dizer, existem certas proteções. Você não pode simplesmente copiar a vida e o nome de outra pessoa e colocá-los na televisão”, disse o ator.
Nesta perspectiva, a ação de Fiona Harvey pode ser embasada por um projeto de lei que se desenvolve no parlamento britânico. O objetivo é de que as empresas de streaming busquem melhor resguardar a verdadeira identidade dos envolvidos em produções. A medida atualmente é posta às emissoras de televisão do país, porém, agora, se propõe a valer a serviços digitais como a Netflix.
O stalking
Se no caso de “Bebê Rena” há brecha para discussão de quem ocupa o lugar de vítima, é inegável que o stalking – temática central da minissérie – se faz mais recorrente do que se imagina.
Derivado do inglês, stalking é um termo que pode ser entendido como o “ato de perseguir alguém”. Em vigor desde 2021, há uma lei brasileira (n° 14.132) que condena esta prática, inclusive se cometida em ambiente virtual. Conferida a importunação física ou psicológica, de modo que interfira na liberdade e/ou privacidade, há pena de reclusão que varia entre 6 meses e 2 anos, além de multa.
A penalidade se estende quando o crime é cometido contra alguém do sexo feminino, por exemplo. Esta decisão se justifica pelos alarmantes índices de violência contra a mulher no Brasil.
No ano de criação da “lei do stalking”, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública relatou na 16° edição de seu anuário, 27.722 registros de perseguição contra mulheres, considerando, também, ocorridos de forma on-line.
Nicoli Freitas atua como modelo, é criadora de conteúdo e exerce a função de social media. Há pouco tempo, a internet e as redes sociais se tornaram ferramentas indispensáveis para a realização de seu trabalho.
Com alcance de quase 5.000 seguidores em uma das plataformas, ela relata já ter notado comportamentos indesejados por parte de quem a acompanhava virtualmente.
“Houve um tempo em que esse tipo de situação era mais frequente. Eu cheguei a bloquear alguns usuários e até mesmo deixar de postar e trabalhar com certas marcas, para que assim eu pudesse evitar tal ‘público’”, conta Nicoli.
Perguntada a respeito da preservação de sua segurança enquanto se faz necessária as postagens, Freitas compartilha a alternativa que utiliza.
“Procuro fazer posts mais nichados, não tanto pessoais ou íntimos, expondo as pessoas. Também evito postar o lugar onde eu estiver, fachadas, número do andar de um prédio, dentre outras”, finaliza a modelo.
Em conversa com o psicólogo clínico e especialista na abordagem cognitiva e comportamental, Raphael Cardoso, o profissional considera a existência de dois tipos de stalkers, com base em suas motivações.
“No campo de pesquisa a respeito da prática do stalking, está começando a ser apurado. Varia muito de um indivíduo para o outro. Pode ser que um trauma, perda de parceiro, amizade, faça com que ele se torne obcecado, como pode ser, também, fatores de raiva, vingança. É muito amplo”, explica o psicólogo.
Ao considerar a expansão das redes sociais e o acesso facilitado às pessoas por meio delas, Raphael reforça a importância de identificar comportamentos de interesse compulsivo.
“Às vezes a pessoa está ali, tendo este comportamento obsessivo e nem percebe. Se começa a ter uma dependência de querer saber o que o outro está fazendo, sente muita ansiedade, ciúme, carência, é o primeiro sinal de alerta. A partir do momento em que você deixa de fazer coisas por você em função do outro, isso indica que algo de errado está acontecendo”, conclui o especialista.
A minissérie “Bebê Rena” está disponível para assinantes da Netflix. Verifique a classificação indicativa.
Se você for vítima de stalking, procure a delegacia para registro do boletim de ocorrência e instruções de como proceder.
