Por Sinara Martins

A moda vai muito além do que é visto em vitrines e manequins, uma vez que precisa ser atrativa para quem a consome e é ferramenta na transmissão de mensagens aos espectadores. Ela é usada, muitas vezes, no papel de artifícios para torná-la interessante ao público e está em inúmeros detalhes: da produção de desfiles até figurinos de personagens televisivos.

Grifes como Chanel, quando na direção de Karl Lagerfeld, são marcadas até hoje pelos clássicos cenários e produções únicas: utilizam da ferramenta do espetáculo para aproximar o consumidor do produto e trazem os desfiles como forma de prender a atenção e cativar clientes. 

Marcas como Gucci e Coperni também utilizam da ferramenta quando desfilam gêmeos em espetáculos ou transformam a tinta no corpo da modelo Bella Hadid, no meio do desfile, em um vestido. Esses recursos são utilizados como forma de promover a atração do produto ao consumidor, e o desafio começa muito antes das passarelas, ainda na criação da coleção que será apresentada nas semanas de moda espalhadas pelo mundo.

Os desfiles, por sua vez, contam com uma completa estrutura de show: cenário bem definido, música de fundo e enredo por trás. Apesar de não ser uma tarefa fácil, é fundamental para a apresentação completa de um conceito. Em entrevista exclusiva para o Contexto, Rafa Silvério, criador e diretor criativo da marca brasileira “Silvério”, aborda a importância de todas as etapas de um desfile, dizendo: “penso na moda como uma lasanha a qual todo elemento tem um papel de ratificar ou retificar uma informação”. 

Lasanha essa, tão importante, que deixou um fantástico legado para Chanel, quando comandada por Karl Lagerfeld. O estilista responsável pela direção criativa da marca francesa provou como o espetáculo vai muito além das roupas mostradas quando apresentava suas coleções em ambientações icônicas: de supermercados até mesmo bases espaciais e desfiles em carrosséis, que deixava todo o público boquiaberto.

Desfile da coleção Outono/Inverno 2014 de Chanel, ambientado em um supermercado. (Foto: reprodução/ Gio Staiano)

Apesar de muito bem executado por diversas marcas – de Chanel até Silvério – o objetivo de tornar as peças apresentadas além de um mero produto é trabalhoso.

Em entrevista, Silvério comenta que “é extremamente desafiador o cruzamento de interesses e imposições de limites para que a ideia não se torne apenas o desejo de outro, ao mesmo tempo que atenda as necessidades e expectativas alinhadas previamente no conselho da marca”.

Além de entreter, a moda abre caminhos para a abordagem e aproximação de diversos aspectos entre o artista e o telespectador. O estilista acrescenta que “ela (a moda) é usada para educar, tirando-a do lugar de superficialidade e servindo de canal para transmitir mensagens”.

É possível perceber que a moda vai além das peças quando também está por trás do espetáculo cinematográfico, seja em filmes ou na televisão, e se mostra tão importante na transmissão de uma mensagem que até mesmo na premiação do Oscar existe uma categoria só para melhores figurinos.

Nas telas, personagens transmitem sentimentos e personalidades através de suas vestimentas. Em entrevista especial para o Contexto, Anna Vilas, figurinista da Rede Globo, diz que “o figurino é responsável por transmitir de maneira visual a personalidade da personagem: sua cultura, seus hábitos, estilo de vida, características pessoais e individuais” e ainda completa afirmando que “a roupa tem o poder se transmitir a mensagem que queremos passar”.

O personagem Agostinho Carrara é um grande exemplo para perceber a contribuição das vestimentas na transmissão de mensagens. Marcado por suas vestes xadrez, mix de estampas e cores exuberantes, a entrevistada diz que “foi genial o jeito de vestir a caricatura do suburbano cafona, extrovertido, exagerado e malandro”. “O figurino dele era uma extensão de toda essa personalidade. Tornava tudo mais cômico e gerava identificação ao assistir”, completa. Por fim, Anna propõe o questionamento: “se ele se vestisse com calça jeans e camiseta de malha, será que estaríamos até hoje falando de Agostinho Carrara?”

Agostinho Carrara, personagem da série televisiva “A Grande Família”. (Foto: Reprodução TV Globo). 

A moda é tão poderosa que pode ditar sentimentos, sem ao menos precisar verbalizá-los. “Um personagem extrovertido tende a usar roupas leves e mais coloridas, mas se no meio do caminho ele perde uma pessoa querida, vai começar a usar tons mais sóbrios neste período de luto”, diz a figurinista.

Ainda nas telas, o filme “Pobres Criaturas”, ganhador do Oscar 2024 na categoria Melhor Figurino, apresenta um grande exemplo das vestimentas na construção não só da protagonista Bella Baxter, mas de todo o enredo, contribuindo para um grande drama teatral. 

Em sua fala, Anna Vilas observa que “o figurino acompanha o desenvolvimento e crescimento da personagem” e identifica que na medida que o filme passa, nota-se Bella passando por um processo de amadurecimento, mesmo sem perder o lúdico e o romantismo, com roupas mais adequadas ao padrão da época. Ao decorrer da obra, nota-se novamente a mudança da personalidade da protagonista através de suas vestimentas, agora mais segura de si e menos infantilizada, através das vestimentas: com menos babados, cores e roupas menos volumosas.

A moda vai muito além de simples peças de roupas. Sua composição se mostra eficaz não somente em vitrines, mas também em função de um grande teatrismo. 

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