De apresentações à participação na maior série do cenário drag do mundo, a arte drag ainda pode crescer mais.

Por Gabriel Sanches

A arte drag é uma forma de expressão, com fins de entretenimento na maioria das vezes, e frequentemente recorre à extravagância como marca de sua performance. Além disso, o estilo de sua arte pode provocar reflexão nos telespectadores. Sendo assim, artistas drags performam e se apresentam para um público seleto, ou seja, àqueles que se desprendem do padrão e do comum para a sociedade.

Com o alcance das séries, shows, realitys, filmes e performances desse estilo, diversos artistas tiveram a chance de crescer e mostrar um pouco de seus talentos. O reality Rupaul’s Drag Race, atualmente a maior plataforma drag do mundo, retrata uma competição entre artistas drags, trazendo uma chance das competidoras decolarem suas carreiras, e conta com mais de 16 temporadas oficiais e diversos spin-offs, como Canada´s Drag Race, All Stars, Rupaul’s Drag Race UK, e outros.

Poster oficial da 16a. Temporada da série RuPaul Drag Race (Fonte: Instagram)

A série funciona da seguinte forma: são selecionadas, através de uma série de testes, cerca de 16 competidores que juntas participam de gincanas e desafios orientados por Charles RuPaul, uma das pioneiras do universo drag.

Na série, elas são testadas em suas habilidades de canto, dança, costura, talento, atuação, humor e personalidade. As eliminações são progressivas, porém, podem sofrer alterações de acordo com a escolha da produção do programa. Normalmente, em cada episódio uma drag é eliminada.

A eliminação ocorre após o desempenho de duas ou mais queens em uma dublagem (lipsync) de uma música pré-selecionada pela produção. Quem tiver o melhor desempenho durante a dublagem, continua na competição (shantay, you stay!). Já quem não tiver tanto esforço nessa etapa, será eliminada (sashay, away!).

“O Drag Race é um palco para as queens, as quais devem mostrar versatilidade durante suas participações, mas nem sempre somos versáteis. Há a presença forte do julgamento e comparação quando se é inserido no reality”, confessou Miranda Lebrão, drag performer carioca e finalista do reality show Drag Race Brasil.

A performer carioca Miranda Lebrão (Fonte: Instagram)

“Não tem como falar de sua arte sem falar de onde você veio, no meu caso, Belém do Pará”, destaca Tristan Soledade, drag performer pioneira na arte em sua cidade e participante da primeira temporada de Drag Race Brasil, que busca trazer suas raízes e sua história ao seu estilo de arte e apresentação.

A drag paraense Tristan Soledade (Fonte: Dol)

“Drag é performance e performance é política”, completa Tristan. Portanto, atos políticos também estão presentes no dia a dia das artistas que se dedicam a esse estilo de arte, como o movimento ‘Ditadura Nunca Mais’, realizado no começo de 2023 por transformistas revoltadas com o antigo governo, em Brasília.

“É importante termos também uma representatividade dentro da política institucional, como por exemplo a Deputada Federal Erika Hilton, uma figura política que é transsexual e luta por nossos direitos dentro do parlamento”, adiciona Miranda.

É uma arte considerada invasiva e ‘perigosa’ aos olhares da sociedade, como nos casos de ataques às artistas nos Estados Unidos, em que conservadores concluíram que as apresentações são sexualizadas demais e seriam uma ameaça à família tradicional, chegando a atos de violência contra as performistas locais.

No Brasil, o cenário não foi tão diferente. Diversos homens e mulheres tradicionais, cisgêneros e heterossexuais, atacam e difamam as apresentações de artistas drags, comentam que suas performances são muito sexualizadas e uma ameaça à vida das crianças brasileiras.

“Nunca sofri violência física enquanto drag, porém, com muita frequência enfrento um incômodo em relação aos aplicativos de transporte. Quando peço um carro para ir ao teatro e o motorista me vê montada, ele arranca e simplesmente vai embora. Até quando nós LGBTQAPN+ seremos resistência? Eu só queria ser um viado de peruca”, crítica a finalista.

Também há os casos de misoginia dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+ e da comunidade drag, principalmente do público e artistas transsexuais. Na versão norte-americana da série Rupaul’s Drag Race nota-se a presença de artistas trans nas últimas temporadas exibidas, porém, no começo da série este era um assunto muito discutido e problematizado entre a produção e os participantes do programa.

“A arte drag tem que ser inclusiva, não exclusiva. Temos que englobar todas as siglas da comunidade, até porque a arte drag é uma arte livre”, ressalta Tristan. Alguns artistas possuem um senso de estética exclusivo, o que exclui algumas siglas da comunidade, principalmente os artistas trans.

Por isso, a recente participação de queens trans no reality traz uma maior esperança ao público e inspira aos pertencentes do grupo trans a se transformarem e performar.

No ano passado foi realizado um spin-off da série norte-americana no Brasil, o Drag Race Brasil. Contou com a presença de 12 drags nacionais, de todo o país. Artistas locais tiveram a oportunidade de mostrar mais de sua arte e estilo de drag, alavancando suas carreiras.

Fonte: Draglicious

“Antes da minha participação no reality, tive 11 anos de carreira local, sendo drag apenas em minha cidade e estado. Com a participação no Drag Race Brasil pude crescer a minha carreira e me tornar uma drag nacional. Agora vivo fazendo shows, performances e participações especiais por todo o país”, comenta Tristan Soledade.

“Percebi muito o senso de comunidade durante minha participação no reality, uma queen ajuda a outra, somos meio que irmãs”, revelou a drag do Rio de Janeiro.

“Mesmo assim, o programa pode moldar a visão do telespectador e mudar um pouco o conceito desse estilo de arte”, comenta a transformista paraense. O fandom da série americana pode-se revelar um pouco tóxico e trazer muito ódio ‘hate’ às queens participantes, como o caso de ataques a Organzza, participante e ganhadora da primeira temporada do Drag Race Brasil.

“Eu acho que as relações de trabalho dentro do cenário drag podiam ser melhores, há muita desvalorização dentro desse estilo de arte. Há muitas drags queens que precisam ter um ‘trabalho normal’ para custear os custos da arte drag”, comenta a performer carioca.

O cenário drag tem muito para crescer, mas ainda consegue impactar o público com sua exclusividade e criatividade.

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