Exposição no Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, traz fotos inéditas do premiado artista brasileiro
Por Lucas Mello
25 de abril de 1974. Cidade do Porto. Uma menina de não mais que 10 anos de idade se destaca na multidão que pede o fim da ditadura de António de Oliveira Salazar. Com os pés descalços e o punho cerrado erguido no ar, num gesto de enfrentamento e resistência, a garota está acompanhada por outras três crianças e vários militares. Esse registro de Sebastião Salgado é uma impactante cena que aconteceu durante a Revolução dos Cravos. A imagem inédita é uma das diversas fotografias que integram a mostra – 50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal – do premiado fotógrafo brasileiro.
A exposição é realizada no Museu da Imagem e do Som (MIS), e foi inaugurada no último dia dez, no evento “Maio Fotografia no MIS 2024”, em São Paulo, juntamente com mais sete exposições de outros fotógrafos brasileiros.
A mostra, que conta com a curadoria de André Sturm, diretor-geral do MIS, e de Lélia Salgado, esposa de Sebastião, reúne mais de 50 fotografias guardadas por meio século que agora são expostas ao público pela primeira vez.

Foto da mostra ’50 anos da Revolução dos Cravos em Portugal’ , no MIS. Crédito: Sebastião Salgado
A revolução
A Revolução dos Cravos foi um movimento popular e militar que ocorreu em Portugal no ano de 1974, há exatos 50 anos, e pôs fim ao regime autoritário mais longo da Europa Ocidental no século XX. O nome da revolução que derrubou a autocracia lusitana veio dos cravos que eram colocados nos canos das armas das pessoas e dados aos militares do exército que saiam às ruas para dar um basta no regime autoritário que sufocava a população desde as décadas iniciais do século XX.
A principal motivação para a revolução foram as insatisfações em relação ao governo e o modo como a ditadura lidava com as guerras de independência que ocorriam nas colônias portuguesas na África, que agravavam ainda mais a crise econômica pela qual o país também passava.
O fotógrafo
Sebastião Salgado é um fotógrafo documental e fotojornalista brasileiro. É referência mundial no segmento, tendo viajado por mais de 120 países, registrando a natureza, a cultura e os conflitos ao redor do mundo.
Ele realizou um trabalho muito importante para a sociedade. Sobre isso, o jornalista e professor de fotojornalismo da Unesp, Denis Porto Renó, acredita ser fundamental o trabalho fotográfico nas áreas de conflito: “o fotojornalista que cobre o conflito realiza um papel fundamental para a sociedade. Toda vez que a gente quiser repetir essas atrocidades e maldades, que a gente possa lembrar delas numa foto impactante que jamais saiu da nossa cabeça”, disse.
Sobre a importância do trabalho de Sebastião Salgado, Denis relata que “o papel do Sebastião Salgado como fotojornalista e fotodocumentarista foi e tem sido muito importante no sentido de registrar realidades, e para nós brasileiros tem uma outra importância: é reconhecido internacionalmente como um dos maiores fotógrafos da atualidade, e que tem seu estilo próprio de fotografar”, conta.
Em se tratando do legado do trabalho de Sebastião, Denis comenta que não é somente um, mas sim vários legados que ele deixa a todos nós. “O primeiro legado que o Salgado deixa para nós tem a ver com o campo artístico e fotográfico. É um olhar sobre o preto e branco, é uma técnica e uma leitura que ele faz. Ele defende o preto e branco para valorizar a cena”, relata.
Outro aspecto importante que Denis traz é o debate sobre o que é a fotografia e a relação dela com o tempo, que segundo ele, é mais um dos importantes legados do trabalho de Sebastião:“Fotografia é ver o tempo. Fotografia é o tempo. É voltar a viver o tempo, e ter uma vida mais ‘slow’”. E segundo ele, Salgado fala isso por um bom motivo: “porque se a gente não consegue viver o tempo, se a gente faz tudo com pressa, nós não vamos olhar as coisas importantes para serem fotografadas, não vamos esperar as cenas e nem o momento decisivo”.
Para encerrar a entrevista, Denis expõe uma concepção do que é a fotografia: “Fotografar é encontrar algo ordinário e transformar em algo extraordinário. É ver uma cena que para os outros é banal e transformá-la, e você só consegue fazer isso se você tiver tempo”, finaliza.
A fotografia de Sebastião Salgado é uma fotografia mais humanista, que faz um mergulho profundo na memória das pessoas. É isso que conta Jefferson Barcellos, fotojornalista e doutor em mídia e tecnologia pela Unesp “ele tem esse olhar humanista e profundo sobre as coisas, em relação ao ser humano … ele é fundamental para que a gente possa entender para onde a fotografia contemporânea foi e irá daqui por diante”, disse.
Jefferson teve contato com Sebastião Salgado quando foi trabalhar na faculdade de fotografia do Senac, e auxiliou a equipe que organizou uma exposição dele na época. Sobre a obra de Sebastião, Jefferson diz “ele se aposenta mas a obra dele transcende, e ela é fruto de pesquisa para sempre”, explicou.
Sobre a exposição de Sebastião no MIS, Jefferson fala “eu acho que nós vamos enxergar um Sebastião que estava construindo a sua linguagem ainda. São os primeiros momentos dele como repórter visual e fotográfico”, finaliza.
A exposição pode ser visitada de terça a sexta, das 10 às 19 horas. Aos sábados, das 10 às 20 horas e de domingos e feriados, das 10 às 18 horas. Ela permanece no MIS até 31 de dezembro de 2024.
Os ingressos têm o valor de 10 reais por pessoa. Estudantes e idosos pagam meia, e todas as terças feiras a entrada é gratuita. A classificação indicativa do MIS é a partir de 10 anos.

Denis Porto Renó, formado em Jornalismo, mestre e doutor em comunicação visual, livre-docente em ecologia dos meios e narrativas imagéticas pela Unesp, onde atua como professor da disciplina de fotojornalismo

Jefferson Alves de Barcellos, formado em jornalismo, mestre em antropologia visual e doutor em mídia e tecnologia pela Unesp. Atualmente é professor no Centro Universitário Barão de Mauá e na Universidade de Ribeirão Preto
