Por Lana Novais

O cenário feminino de E-sports luta por reconhecimento mesmo diante de um universo que por muito tempo foi dominado pelo público masculino. O machismo, a ausência de reconhecimento e a falta de investimentos, são problemáticas que dificultam a criação de referências femininas dentro dos esportes eletrônicos.

Durante muitos anos, diversas atividades direcionadas ao lazer foram práticas atreladas ao interesse masculino, um espaço dominado pelos homens e que culturalmente, diante dos estigmas estabelecidos pela sociedade, não deveriam ser acessados pelo público feminino.

Diante disso, no decorrer dos anos, grande parte da cultura desenvolvida em diversos âmbitos relacionados ao lazer, se destinou ao que agradaria mais a um gênero, do que a outro. No cenário dos jogos eletrônicos, não foi diferente.

A falta de representatividade feminina, causada pela ausência de mulheres como protagonistas dentro dos jogos, e a hipersexualização daquelas que estivessem presentes no enredo, não eram incentivos para o público feminino se identificar nesse mundo.

Com o crescimento dos e-sports, grande parte dos campeonatos até hoje é dominado majoritariamente pelo público masculino, porém, esse cenário não acontece pelo desinteresse das mulheres para com os jogos eletrônicos.

Segundo pesquisa realizada pela Game Brasil 2021, mesmo com a ausência de incentivos, as mulheres representam 51,5% dos jogadores, o que demonstra que a falta de interesse não é a motivação que mais afeta a ausência de figuras femininas no cenário.

Mesmo online, as mulheres acabam sendo expostas a problemáticas vivenciadas no dia a dia do mundo real. Em uma pesquisa realizada pela Reach3 Insights em parceria com a empresa Lenovo, 59% das mulheres entrevistadas preferem esconder seus nomes ou utilizar identidades masculinas, como forma de evitar o assédio ou o preconceito enquanto jogam.

 Em entrevista, Brenda Ordonhes também conhecida como “Askite” no mundo profissional, conta que desde criança sua família enfrentou dificuldades em ver os jogos como algo positivo, para muitos conhecidos da família, não era o tipo de conteúdo que uma garota deveria consumir. “Mesmo com toda minha família sendo gamer, pessoas de fora sempre criticaram este meu acesso, diziam que não era o jeito certo de se criar uma menina pequena”.

Brenda Ordonhes “Askite”

Mesmo diante dos desafios, a jovem continuou a se desenvolver no cenário, e atualmente, é criadora de conteúdo em plataformas como Twitch e Tiktok. Brenda também é uma das donas de um servidor no aplicativo Discord, denominado “Crown Girls”, criado com foco em oferecer ao público feminino um ambiente seguro para desenvolver amizades e fechar equipes.

Em uma enquete realizada com cerca de 10 mulheres dentro do próprio servidor, a faixa etária mais presente tem entre 18 e 25 anos. Cerca de 90% das meninas disseram já terem pensado em atuar profissionalmente com jogos eletrônicos, mas atualmente, preferem ver essa atividade apenas como lazer.

Questionadas sobre o ambiente dentro dos jogos, todas as meninas disseram já terem vivido ou presenciado uma situação desconfortável, e 100% delas acreditam que a maioria dessas ações, foram motivadas pelo preconceito, machismo e/ou misoginia. Por conta disso, todas confirmaram já terem desistido de alguma atividade pelo receio de sofrer ataques. “Esse preconceito dificulta bastante o lazer de estar ali jogando, deixa de ser algo divertido, se torna algo que a pessoa queira evitar para não ter dores de cabeça” afirmou uma delas.

Dados recolhidos em enquete realizada pela plataforma Google Forms com integrantes do servidor “Crown Girls”.

Motivados a investigar a existência ou não da disparidade de gênero dentro dos jogos eletrônicos, a revista acadêmica Journal of Computer-Mediated Communication, mediada pela editora Oxford University Press, a qual corresponde a Universidade de Oxford na Inglaterra, realizou uma pesquisa com cerca de 10 mil homens e mulheres, utilizando jogos do estilo MMO (Massive Multiplayer Online), conhecidos por contar com centenas de jogadores online.

Com o intuito de obter dados de culturas distintas, os jogos escolhidos foram EverQuest II na América do Norte e Chevaliers’ Romance III na China. A abordagem utilizada foi solicitar que ambos os gêneros desenvolvessem seus personagens dentro de jogo, subindo de nível, melhorando suas habilidades e completando missões. Após um logo período de análise dos dados recolhidos, foi possível chegar à conclusão de que não há disparidade de gênero, as mulheres avançam pelo menos tão rápido quanto os homens.

Mesmo diante de um cenário na qual as diferenças de habilidade entre homens e mulheres são nulas, ainda é possível notar a ausência do público feminino dentro do cenário competitivo. O campeonato Mid Season Invitational (MSI) surgiu em 2015 como um torneio internacional do jogo League Of Legends, desenvolvido pela empresa Riot Games. Porém, apesar de contar com grandes investimentos e alcance global, o campeonato só teve sua primeira participação feminina em 2021. Diana “DSN” Nguyen inscrita pela equipe australiana Pentanet.GG, mesmo sendo considerada integrante da equipe, teve sua participação limitada ao banco de reservas.

Quando questionadas sobre o cenário competitivo, a enquete realizada com as dez mulheres integrantes do servidor feminino criado por Brenda “Askite” apresenta que para todas, a falta de investimentos faz o cenário ser pouco reconhecido. Já para oito delas, a verdadeira causa da ausência de recursos está na crença machista ainda existente dentro da sociedade, de que esse tipo de lazer/trabalho não é do interesse do público feminino.

Dados recolhidos em enquete realizada pela plataforma Google Forms com integrantes do servidor “Crown Girls”.

Para a própria Brenda, apesar de todas as dificuldades, o cenário feminino ainda continua em desenvolvimento, encontrando forças no apoio de outras mulheres dentro da própria comunidade. “Acredito que a força feminina esteja evoluindo e que a tendência seja de um crescimento gigantesco, atualmente existem campeonatos amadores entre outras ações que dão espaço para nossa jogabilidade, temos que nos impor cada vez mais, para manter essa evolução contínua”.

Deixe um comentário