Implantação de reforma curricular em 2017 ainda gera protestos de professores e estudantes
Por Bruna Santini
Falta de autonomia, tempo, oportunidades e matérias básicas. Essa é a realidade não tão exposta sobre os impactos do Novo Ensino Médio na vida de professores e estudantes da rede estadual de São Paulo.
Sancionado em 2017 pelo governo Temer, o projeto do Novo Ensino Médio foi criado com a proposta de deixar a aprendizagem mais atrativa e diminuir a evasão escolar. Contou com seu início de implementação e primeiras reformas no currículo em 2022, com a previsão de ter sua execução completa até esse ano, 2024.
Afirmando que os alunos teriam mais autonomia de escolha no que estudar, as disciplinas foram divididas em áreas de conhecimento (linguagens, ciências humanas, ciências da natureza e ciências exatas), e itinerários formativos, um conjunto de matérias complementares acopladas às tradicionais de cada área, foram elaborados.

O papel da escola seria ofertar esse leque de opções aos adolescentes, juntamente com alguns cursos técnicos e aumentar em algumas horas a permanência dos estudantes na escola. Porém, como afirma um professor da rede estadual de ensino, é uma proposta interessante, na teoria, mas a prática é muito desastrosa.
Com um currículo escolar muito alterado, as críticas partem de todos. As matérias básicas, como história, geografia, química e biologia, devem ocupar 60% da carga horária, os outros 40% são ocupados pelos itinerários.
Alterações que resultam na insatisfação de muitos estudantes, já que matérias essenciais foram excluídas do currículo e os itinerários são repetitivos. Alunos relatam que a maioria aborda os mesmos assuntos e alguns são completamente irrelevantes, como “Brigadeiro caseiro”, “RPG” e “Mundo Pets SA”, tomaram a maior parte da grade de ensino.
A partir dessa retirada de disciplinas, alguns docentes foram obrigados a lecionar aulas que não eram da sua formação original, visto que os itinerários falam sobre os mais diversos assuntos.
“Exigiu do professor uma formação contínua, fazendo com que o próprio diploma da faculdade se tornasse obsoleto”, alega um professor que teve sua maneira de dar aula afetada. “As disciplinas foram criadas, materiais foram feitos e o professor está tendo a formação em conjunto com as aulas, fica desconexo, eu devia ter aprendido antes”, continua o professor, que não quis se identificar.
Essas novas aulas provocaram o surgimento de novos materiais, considerados desnecessários, repetitivos e fracos, entre eles, plataformas digitais, apostilas e slides. A opinião dos professores é a de que o “educador se encontra preso devido às condições que são impostas aos mesmos, dar aulas conforme o que é exigido nos slides e apostilas”.
Essa perda de autonomia não passou despercebida aos olhos dos alunos. “O Novo Ensino Médio trouxe um padrão que não é positivo. Afeta a qualidade, eles têm conhecimento, mas tem que seguir o slide”, diz um estudante do terceiro ano do ensino médio.
Outra causa de descontentamento é a falta de tempo para as aulas de disciplinas base e mais importantes, como língua portuguesa e matemática. “Não tem tempo para dar aula, é revoltante! A gente precisa de tempo para arrumar defasagem, mas não temos. Tão contribuindo para a constante degradação da educação”, afirma uma professora do ensino médio.
Para os alunos, todos esses fatores geram uma infinidade de problemas que afetam diretamente seu futuro. Os comentários e preparações para os vestibulares se iniciam no ensino médio, e com essa nova reforma na educação, o desejo de ingressar em uma faculdade pública se torna cada vez mais distante. “Tiraram coisas que são cobradas em vestibulares, tiraram praticamente tudo da gente e colocaram itinerários que não tem tanta importância”, conta um aluno expressando sua frustração com o ensino.
Outra aluna conta um pouco sobre o que está sendo feito como preparo para os vestibulares: “Criaram um itinerário de estudos para o Enem, temos uma aula pra estudar o que não temos ao invés de ter aula das matérias que precisamos”. Ela afirma que essa criação não está a ajudando por ser muito rasa, e que se vê entrando em uma unidade de ensino superior pública por mérito próprio, não pelo que o estado vem oferecendo.
O aumento da desigualdade entre escolas particulares e públicas é outro fator que causa revolta. Alguns alunos precisam encarar a decisão de estudar ou trabalhar, devido ao aumento no horário das aulas, outros encaram o constante desânimo ao ver suas oportunidades se esvaindo. “Cada escola tem uma realidade social e estrutural diferente, em umas vai funcionar, em outras existem problemas mais graves”, afirma outro docente.
Na primeira metade de 2023, com organização da União Estadual dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e União Paulista dos Estudantes Secundaristas (UPES), alunos foram às ruas em várias cidades do estado de São Paulo pedindo pela revogação do Novo Ensino Médio. Frases como “De tanto poupar educação, ficaremos ricos de ignorância”, “Contra o retrocesso da educação” e “NEM? Nem em sonho” eram exibidas em seus cartazes e faixas.

Em meio a críticas e pedidos de revogação, o Novo Ensino Médio continua em vigor, passando por reformas e sem expectativas de grandes melhoras. As palavras de um estudante resumem a situação: “aluno fica cansado, professor fica cansado, prejudica todo mundo”.
