Doutora em Educação, Paloma Chaves acredita que o uso da IA pode fazer resgate na Educação
Por Juliana Allevato
Em meio à revolução digital, Inteligência Artificial (IA) se estabelece como uma força transformadora em diversos setores da sociedade, inclusive na educação.
Doutora em Educação pela USP (Universidade de São Paulo), professora no Instituto Federal de São Paulo (IFSP) e autora da pesquisa “Os benefícios da IA na educação”, Paloma Chaves fala sobre como a integração da educação com as novas ferramentas de IA podem ser benéficas ao aprendizado e uma excelente aliada na habilidade de fazer perguntas. Confira!
Paloma, cada vez mais, temos visto a IA em função da Educação. Como ela está sendo aplicada em benefício da educação atualmente?
Tenho observado muitos experimentos feitos por estudantes, professores e pesquisadores, que são voltados para a aplicação da IA na área da educação. A maioria deles, no entanto, tem utilizado ferramentas sofisticadas da chamada IA generativa (como Chat GPT, Bard e Copilot, por exemplo) da mesma forma que faziam uso da ferramenta de pesquisa do Google, isto é, fazendo uma pergunta e esperando que a ferramenta lhes traga uma resposta completa.
No caso dos professores, em especial, eles pedem, por exemplo, que a ferramenta lhes crie propostas de atividades, roteiros de projetos e coisas do gênero, dentro de um conteúdo específico em que eles pretendem trabalhar.
Já os estudantes têm usado essas ferramentas para produzir os textos solicitados pelos professores nas atividades propostas, tentando fingir que foram eles mesmos que produziram os textos.
Quais os principais benefícios notados pelo uso da IA na Educação
Por enquanto há mais benefícios em potencial do que benefícios propriamente ditos. Isso porque a IA pode ser uma ótima aliada da educação se mudarmos a forma como vemos a educação.
Tradicionalmente a escola valoriza muito mais as respostas do que as perguntas. Quem observa o que se passa nas salas de aula em que tem lugar a educação escolar, constata que as crianças são sistematicamente condicionadas a desaprender a arte de fazer perguntas (que elas dominavam tão bem, sem ser ensinadas, antes de entrar na escola), e a aprender a arte de dar respostas. Não quaisquer respostas, mas as respostas esperadas pelo professor – as “ respostas certas”! Sim… a resposta errada, que expressa o que de fato as pessoas sabem, é desestimulada na escola, o que acaba levando as crianças a desenvolver estratégias que lhes permitam parecer saber o que ainda não sabem.
Com isso, lá pela adolescência, elas já se tornaram especialistas em fazer as chamadas “colas”, para entregar aos seus professores as “respostas certas”, mesmo que elas não tenham aprendido nada. Afinal, a resposta certa é mais importante do que a própria aprendizagem.
O mecanismo de estímulo que os professores usam é a nota. Aos poucos os estudantes que entraram na educação infantil cheios de curiosidade e vontade de aprender, passam a entender que o objetivo na escola é tirar nota para passar de ano, e não aprender. As perguntas autênticas e muitas vezes geniais que as crianças de 4 ou 5 anos faziam espontaneamente dão lugar a respostas bonitas e vazias para questões sobre as quais elas não têm nenhum interesse em saber absolutamente nada.
Tentem imaginar se e como esse uso precário da IA pode ter alguma utilidade. A IA generativa é muito eloquente em suas respostas, falando bonito, na forma, mesmo que, eventualmente, cometa equívocos, no conteúdo.
“A educação precisa ser vista não apenas como um processo protagonizado pelas gerações mais velhas…mas como um processo de desenvolvimento humano protagonizado pelo próprio sujeito que está se desenvolvendo.”
O potencial que eu vejo de uso da IA na educação passa pelo resgate do propósito original da educação, como processo de desenvolvimento, que se dá mediante a aprendizagem, permitindo que um bebê que nasce sem saber, e saber fazer, quase nada, possa se tornar um ser humano adulto que seja competente e autônomo para conduzir sua própria vida.
A escola, criada originalmente para ajudar a promover esse tipo de desenvolvimento, deve ser (re)concebida como espaço de aprendizagem, como espaço de estimulação da curiosidade do aluno e de apoio a ele na promoção de seus interesses.
A educação precisa ser vista não apenas como um processo protagonizado pelas gerações mais velhas, de transmissão do legado cultural da humanidade a fim de preservá-lo (embora esse legado seja importante), mas como um processo de desenvolvimento humano protagonizado pelo próprio sujeito que está se desenvolvendo
A nova visão de educação deve superar a ideia de que a educação é transmissão da herança cultural da sociedade de uma geração para outra, proposta por Durkheim, e se alinhar mais à visão de Dewey, que concebe a educação como um processo de construção de um novo futuro, ainda que lançando mão do legado que, nesse caso, passa a ser ativamente buscado pelos protagonistas dessa nova educação.
Nesse sentido, o papel que nos cabe como educadores é o de contribuir para aprimorar a habilidade dos estudantes de fazer boas perguntas. E como aprendemos a fazer boas perguntas? Perguntando. Sendo estimulados a fazer novas e melhores perguntas e, naturalmente, ir em busca das respostas a essas perguntas. Quando se busca a resposta a uma pergunta, aprende-se, e quanto mais se aprende, mais surgem novas perguntas, cada vez mais interessantes. Nesse contexto, a IA passará a ser uma ótima aliada, um recurso que vai potencializar e democratizar o acesso ao conhecimento.
3 – Muitos vêem a IA como uma ameaça para a educação. Você concorda que ela pode se tornar um risco no futuro? Se sim, quais cuidados devemos tomar?
Em vez de risco, creio que estamos diante de uma boa oportunidade de mudança na educação. O modelo vigente de educação, já mencionado, centrado em perguntas prontas, respostas “certas”, notas e aprovação, está sendo colocado em cheque por esse tipo de ferramenta que faz isso melhor do que a maioria dos professores e estudantes. Mesmo se considerarmos as falhas nos conteúdos gerados pela IA, essas ferramentas ainda estão sendo aperfeiçoadas e os erros tendem a diminuir significativamente com o passar do tempo.
Essa situação deve contribuir para a mudança substancial pela qual a escola precisa passar e, na verdade, já vem passando nas últimas décadas. É inegável que, pelo menos nas últimas duas décadas, cresceu consideravelmente a busca por um modelo de educação mais ativo, que coloca o estudante como protagonista no processo de aprendizagem.
É raro encontrar, hoje em dia, uma escola que não procure adotar as chamadas metodologias ativas, por exemplo. É claro que essa mudança precisa acontecer não apenas na dimensão concreta, das práticas de sala de aula, pois nesse caso não passaria de um modismo. Mas ela precisa acontecer, principalmente, na dimensão abstrata da mente de cada educador que tem de ter clareza de que o propósito do seu trabalho não é transmitir um conjunto de informações para serem decoradas pelos estudantes e devolvidas em forma de texto, mas ajudar cada estudante a desenvolver a capacidade de aprender tudo o que ele precisa para sonhar com um projeto de vida para si e transformar esse sonho em realidade.
Para usar um termo que uma aluna minha da pós-graduação usou um dia desses, a IA deve ser encarada como uma ferramenta de “prototipação”, uma parceira na construção de conhecimentos e na realização de projetos.
Se os estudantes não desenvolverem as habilidades complexas de comunicação que permitam que eles interajam com a IA de modo inteligente, fazendo com que ela realize com qualidade aquilo que precisa ser realizado, então nem para isso a educação terá servido. Nesse sentido, o pior que pode acontecer, em minha opinião, é as pessoas usarem a IA para “pensar” por elas, e a escola não mudar, fingindo que está cumprindo seu papel de educar.
4 – Para finalizar, quais previsões podemos fazer com o uso da IA em relação à educação?
A velocidade com que esse recurso tem evoluído torna muito difícil fazer previsões. Olhando para a história das revoluções pelas quais as tecnologias de informação e comunicação já passaram, desde a invenção da linguagem oral, passando pela invenção da linguagem escrita, pela invenção da prensa do tipo móvel e, finalmente, pela a revolução digital, marcada, especialmente, pela invenção do computador e da Internet, acompanhadas da possibilidade de mobilidade, podemos afirmar que se a democratização do acesso à IA não representa uma revolução em si, certamente representa uma microrrevolução dentro da própria revolução digital.
A história da IA teve início ainda na década de 1950, quando os primeiros cientistas se perguntaram se uma máquina poderia substituir os humanos naquelas capacidades estritamente humanas, como a de raciocinar, por exemplo. Desde então já foram desenvolvidas muitas tecnologias nesse sentido, e a IA já está presente entre nós há algumas décadas em muitas soluções. Os famosos assistentes pessoais, como a Alexa, da Amazon, o Nest, do Google e a Siri, da Apple, são bons exemplos disso. O que mudou desde o final do ano passado, foi que a Open AI resolveu disponibilizar gratuitamente o Chat GPT, sua ferramenta de IA generativa.
Embora a gratuidade total tenha durado pouco, foi tempo suficiente para que milhões de usuários se cadastrassem na plataforma. Foram cem milhões de usuários em dois meses. Nenhuma outra tecnologia na história havia conseguido esse feito. Embora, passado um ano desde seu lançamento, esse número não tenha nem dobrado (atualmente há em torno de 180 milhões de usuários ativos no Chat GPT), o que ocorreu foi que se multiplicou o número de ferramentas de IA disponíveis gratuitamente para quem quiser usar, inclusive de gigantes como a Google e a Microsoft, com o Bard e o Copilot, que são gratuitos para os usuários que já têm conta nessas plataformas. Quando muita gente adota uma tecnologia ela se consolida com muito mais facilidade.
Foi assim com os computadores, foi assim com a Internet fixa, e foi assim, mais recentemente, com os celulares, que caminham para consolidar e, ao mesmo tempo, substituir as tecnologias anteriores. O volume de investimento que tem sido feito no desenvolvimento dessas tecnologias é astronômico. Só a Microsoft investiu um bilhão de dólares na Open AI em 2019, e mais dez bilhões de dólares este ano.
Assim, o que é possível prever é que essas tecnologias vieram para ficar. Elas não vão passar como mero modismo. O custo baixo ao usuário torna acessível esse recurso. O que precisamos fazer agora é não apenas aprender a conviver com elas, mas desenvolver as habilidades necessárias para tirar o melhor proveito delas. Precisamos voltar à infância e aprender a fazer boas perguntas.
